terça-feira, dezembro 02, 2003
Desencontros (1)
Neste fim de semana deparei-me duas vezes com o teólogo espanhol Juan José Tamayo, actualmente proscrito pelo Vaticano e defensor da teologia da libertação aplicada entre nós, no primeiro mundo, às minorias, aos excluídos, aos últimos dos últimos. Uma vez foi no Sábado à tarde, na TSF, e a outra foi no Domingo, no Público. Ele disse coisas interessantes para reflectirmos: "É uma contradição dizer que a Igreja, por ser de instituição divina, não pode ser democrática.Como é possível que Deus queira a democracia na sociedade e não a queira no seio da sua Igreja? ", "Qualquer organização formada por seres humanos, mesmo que tenha origem divina como é o caso da Igreja Católica, precisa de uma dinâmica entre os membros que a formam","Os cardeais não são de instituição divina, a comunidade cristã, sim","Preserva-se melhor a unidade respeitando o pluralismo que impondo a uniformidade. A uniformidade é o pensamento único. A unidade reforça-se muitssimo mais a partir da tolerância e do respeito das posições plurais que podem existir entre os cristãos". Tudo isto é justo e sensato e com isto concordo integralmente. Onde Tamayo mete, a meu ver, bastante água, é quando expõe a sua concepção cristológica, ou seja daquilo que é e representa Cristo. Vou citar alguns trechos: "A minha cristologia parte da figura histórica de Jesus de Nazaré como crente, mas um crente crítico, não crédulo, na tradição dos seus antepassados patriarcas e matriarcas, libertadores e libertadoras, profetas e profetizas. É um crente que vive a sua fé numa atitude crítica com as instituições do seu tempo. Jesus de Nazaré é uma pessoa que tem a sua esperançaa no Reino de Deus, [para] onde convergem as aspirações libertadoras da humanidade e a vontade de salvação de Deus. É um Reino que se anuncia para os pobres, os excluídos e os marginalizados." Claro que, instado sobre se Jesus Cristo é Deus ou não?, ele acaba, mais tarde por dizer que "É muito difícil responder à sua pergunta. São Paulo diz que Jesus é reconhecido como filho de Deus pela ressurreição. São as duas experiências mais complexas, mas mais centrais do cristianismo: Jesus é o Filho, não "um" filho, e essa filiação divina tem lugar através da ressurreição, que é a reabilitação que Deus faz de uma vítima". Brrrrr...
Há cerca de 10 anos, recordo-me de ter ouvido o Pe.João Seabra, um cruzado do conservadorismo católico, com o qual discordo quase sempre. Falava ele sobre a teologia da libertação em termos pouco favoráveis, como seria de esperar. Porém no meio de todo aquele torrencial discurso, como só ele os sabe fazer, escutei algo (e só esse algo) que fez sentido para mim. Dizia ele qualquer coisa parecida com isto: a teologia da libertação assume como meta central a obtenção da justiça na terra e fá-lo socorrendo-se da mensagem de Cristo. Faz bem porque Cristo mais do que justo, era Bom, amava-nos tanto que deu a Vida por nós. Cristo combateu as hipocrisias dos fariseus, combateu as injustiças dos sacerdotes, combateu a ausência de compaixão do povo. Por isso é bom e é justo que seja invocado pelos que se querem colocar ao lado dos pequeninos deste mundo, protegendo-os da crueldade, injustiça e indiferença deste mundo de hoje e de ontem. O trágico é que estes, ao sentirem Cristo como modelo, acabam muitas vezes por reduzi-lo a mais um justiceiro deste mundo, a um simples revolucionário, a um profeta da justiça e da solidariedade, a um companheiro de ontem da sua luta de hoje. E Cristo é isso mesmo. Só que é muito mais do que isso: Cristo é Deus, Filho de Deus, Verbo de Deus. O facto de ele nos ter sido enviado por Deus "não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens", para morrer por nós, esse simples e misterioso facto, é o núcleo central da nossa Fé. Esquecer isto é reduzir o Cristianismo a uma ideologia mais, talvez a melhor, mas não mais do que isso. É esquecer Deus, a Salvação, a Graça. Como diria um amigo meu aqui da blogosfera, é esquecer a centralidade de Cristo.
Curiosamente, ao ler hoje o excelente Juan José Tamayo, vejo de novo este pecado original da teologia da libertação, a qual , contudo, tem em si mesma tantas coisas que eu respeito.
Há cerca de 10 anos, recordo-me de ter ouvido o Pe.João Seabra, um cruzado do conservadorismo católico, com o qual discordo quase sempre. Falava ele sobre a teologia da libertação em termos pouco favoráveis, como seria de esperar. Porém no meio de todo aquele torrencial discurso, como só ele os sabe fazer, escutei algo (e só esse algo) que fez sentido para mim. Dizia ele qualquer coisa parecida com isto: a teologia da libertação assume como meta central a obtenção da justiça na terra e fá-lo socorrendo-se da mensagem de Cristo. Faz bem porque Cristo mais do que justo, era Bom, amava-nos tanto que deu a Vida por nós. Cristo combateu as hipocrisias dos fariseus, combateu as injustiças dos sacerdotes, combateu a ausência de compaixão do povo. Por isso é bom e é justo que seja invocado pelos que se querem colocar ao lado dos pequeninos deste mundo, protegendo-os da crueldade, injustiça e indiferença deste mundo de hoje e de ontem. O trágico é que estes, ao sentirem Cristo como modelo, acabam muitas vezes por reduzi-lo a mais um justiceiro deste mundo, a um simples revolucionário, a um profeta da justiça e da solidariedade, a um companheiro de ontem da sua luta de hoje. E Cristo é isso mesmo. Só que é muito mais do que isso: Cristo é Deus, Filho de Deus, Verbo de Deus. O facto de ele nos ter sido enviado por Deus "não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens", para morrer por nós, esse simples e misterioso facto, é o núcleo central da nossa Fé. Esquecer isto é reduzir o Cristianismo a uma ideologia mais, talvez a melhor, mas não mais do que isso. É esquecer Deus, a Salvação, a Graça. Como diria um amigo meu aqui da blogosfera, é esquecer a centralidade de Cristo.
Curiosamente, ao ler hoje o excelente Juan José Tamayo, vejo de novo este pecado original da teologia da libertação, a qual , contudo, tem em si mesma tantas coisas que eu respeito.