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sexta-feira, outubro 31, 2003

Sto.Agostinho 

Caro Vizinho,
Muito obrigado pela indicação que me deu. Vai dar para leitura de fim de semana. Acontece precisamente que eu ando sem saber bem o que hei-de pensar sobre o Sto.Agostinho nem o que deverei dizer dele. Se é verdade que ele é um dos pilares da minha Igreja, que ainda hoje vai lá beber grande parte do seu Catecismo, o facto é que não gosto excessivamente da personagem. Acho-o demasiado assertivo para não dizer arrogante.
Falta-lhe aquele "milk of human kindness". Trouxe do maniqueísmo, com as sua enorme ênfase na distinção entre o corpo e o espírito, uma moral sexual árida e estrita. Penso que foi ele que deu a conotação sexual ao conceito do Pecado Original, que a mim me parece ter um significado muito mais profundo - o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal é o querermos ser como que deuses e não filhos de Deus, é querermos não precisar de Deus. Em suma, acho eu que este grande homem teve a ousadia de querer ser o Grande Podador e Enxertador da árvore da nossa Fé. Por outro lado admiro-o, e muito, como inteligência, como força de vontade, como acção pura. Mais do que tudo, admiro a profundidade e a força da sua fé.
Não tenho pois uma posição clara até porque, tenho de o reconhecer, ainda não tive ainda coragem
para ler os seus livros excepto alguns trechos. Aquilo que li foi sobre ele e não dele. Vou pois ler aquilo que me enviou antes de postar mais a sério sobre alguém com o gabarito e a densidade de Agostinho de Hipona.
Um abraço amigo.

Vida eterna  

Caro Pedro,
Começo agradecendo-lhe as suas boas palavras. Está também absolvido por não ter ainda lido aquela prosa imensa do ecumenismo. É de facto pesada, espessa e ainda por cima mal escrita. Contudo escrevê-la foi a razão primeira do meu blogue. Entre nós até lhe posso explicar porquê. Penso que todos os católicos sinceros tem alguma má consciência, algum desconforto por alguns aspectos menos católicos da história da nossa Igreja. Por outro lado é muitas vezes difícil percebermos quais as razões profundas da divisão dos cristãos por vários caminhos divergentes. Também percebemos mal o que nos separa dos nossos irmãos crentes de outras religiões. Ora parece-me que neste mundo cada vez mais afastado de Deus, cada vez mais egoísta e materialista é bom que nós os Crentes nos entendamos. Para mim é absolutamente certo que uma das principais fontes do ateísmo são os constantes e pouco edificantes conflitos inter-religiosos. Foi tudo isto que há cerca de dois anos me fez começar a ler e a mergulhar na história do Cristianismo e de outras religiões. Posso dizer-lhe que descobri coisas que me arrepiaram, coisas que me espantaram e coisas que fazem com que hoje a minha fé seja incomparavelmente maior do que há dois anos. Descobri que na história da Igreja há coisas difíceis de aceitar mas que se as enquadrarmos na evolução da Igreja e da sociedade ao longo destes dois mil anos percebemos que se calhar foram determinantes para que hoje tenhamos ainda pleno acesso à mensagem de Cristo. Descobri também que entre a nossa religião e todas as outras, em termos daquilo que é essencial e não acessório, é mais aquilo que nos devia unir do que aquilo que nos separa. Tendo descoberto isto achei que devia partilhá-lo com os outros. O meu blogue é um primeiro ensaio, quase clandestino, para isso.
Vou agora e finalmente responder às suas perguntas. Na verdade não penso muito no Paraíso. Aquilo em que acredito profundamente é que Deus é nosso Pai e que, sendo assim, temos algo de divino em nós e que esse algo está ou é a nossa alma. Acredito também que a morte física representa o momento do nosso regresso ao Pai. Se isso implica a vida eterna, penso que sim mas não o sei. Nem o exijo. Para mim o encontro com Deus é muito mais importante do que a eternidade. Acredito também que a liberdade que nos foi dada permite afastarmo-nos e até negarmos o Pai. Acredito que Cristo foi-nos enviado para nos mostrar o caminho até Ele e para nos mostrar que a Salvação nos espera a todos no fim desse caminho. Vem no evangelho de João, que para mim é entre os evangelhos aquele que nos diz TUDO, cap.14, 6: “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. É nisto que eu acredito e dou graças por isso.
Um abraço.

Dever de resposta 

Os meus leitores tem duas coisas de que gosto: são poucos e são bons. Por isso faço questão de responder a todos os mails que me fazem o favor de mandar. Acontece porém que deve estar a acontecer uma guerra surda entre o sapo e o hotmail pois todos os mails que mando para este último domínio vem devolvidos. Sendo assim e por forma a responder sem mais atrasos a dois mails vejo-me obrigado a aderir à última tendência da vida pública nacional: a carta aberta. Peço pois desculpa aos meus destinatários e aqui vai.

Links 

Como este blogue só serve para concersar Daquilo que sabem, os links que vou pondo aqui ao lado são só daqueles blogs nos quais eu sinto a procura do Divino, não só nas palavras escritas mas, sobretudo, para além dessas palavras. Nalguns casos é uma procura serena, noutros angustiada. Nalguns casos explícita, noutros encoberta. Aqui não me interessam os auto-suficientes: nem os que não creem em Deus nem aqueles que já estão certos de O ter encontrado e de terem sido encontrados por Ele. Por isso é com respeito e admiração que coloco aqui a Inês Alva e a Maria dos Trinados. Peço a Deus que as abençoe.

quinta-feira, outubro 30, 2003

Culpa e Redenção 

Muito interessante o que li hoje no Agécanonix:
"O termo Felix Culpa poderá vir de Santo Ambrósio mas, se o leitor assistiu à  Missa de Páscoa antes do Concí­lio Vaticano II, poderá lembrar-se da frase notável:
"O felix culpa quae talem et tantum meruit habere redemptorum."
Ou seja, o Pecado original, a Queda, é feliz pois recebe tão grande redenção: a Encarnação de Cristo. Não sou grande teólogo, mas a ideia parece ser que a liberdade com que Deus nos criou (logo desviável para o pecado) pode também, pela Fé e as acções que escolhemos praticar, levar-nos (depois da vinda de Cristo) até à  salvação."

Também não sou teólogo mas não poderia concordar mais.
Relativamente ao pecado original isso leva-nos de novo a Sto.Agostinho. Ficará para próximos posts mas antes disso tenho que tomar mais alguns grãos de
mostarda.

terça-feira, outubro 28, 2003

Mani, de novo 

É bem verdade aquilo que bengelsdorff escreve sobre Mani: "Criticava Cristo, Buda e Zaroastro por não terem cuidado convenientemente da fiel transmissão das doutrinas às gerações posteriores. Falava de adulteração da mensagem, e, para que não lhe acontecesse o mesmo, resolveu escrever com a própria mão o que lhe havia sido revelado". A questão é que para a preservação de uma doutrina, a sua correcta transposição para escrito é sem dúvida uma condição necessária mas não suficiente. As obras escritas, antes da invenção da imprensa, tinham tiragens pequenas pelo que era fácil desaparecerem na voragem da História. Com efeito, da obra escrita de Mani, que ele tanto valorizou, nada resta excepto algumas transcrições de textos, incertas da sua autenticidade.
Os maniqueus foram perseguidos e nunca procuraram ou encontraram um apoio político que os amparasse. Se, como conta Maalouf, o império Persa tivesse adoptado o maniqueísmo como religião oficial, substituindo o zoroastrismo velho de 1000 anos, tudo teria sido diferente. Sabendo que os persas foram o primeiro naco do expansionismo do Islão, como seria este hoje se o maniqueísmo tivesse ajudado os persas a não terem claudicado tão bruscamente?
Ainda segundo Maalouf, Mani recusou sempre legitimar o poder e a guerra em nome da sua Fé. Cristo também o recusaria sempre. Agora a sua Igreja, essa já não o recusou, pelo contrário. Com isso conseguiu manter-se como corpo institucional desde há dois milénios, contrariando muitas vezes a verdade essencial da mensagem de Cristo. Porém o facto é que isso permitiu que essa verdade essencial, mesmo que coberta por acrescentos e adulterações, ainda lá esteja, nas Escrituras, para que ainda hoje, passado 2000 anos, nos seja possível descobrir Cristo e a Salvação que Ele nos oferece.
Verdade seja dita que muitas vezes não é fácil distinguir aquilo que é a Mensagem genuí­na daquilo que foi enxertado. É necessário ir às fontes, estudar a história da Igreja sem recear que isso nos faça perder a Fé.
Sto.Agostinho, por exemplo, foi daqueles cujos acrescentos e deturpações mais alcance tiveram e ainda tem na doutrina da Igreja. Porém, isso já é outra história e bem complicada, talvez para próximos posts.

Vésperas 

Segunda-feira, cerca da meia-noite, após mais um dia de trabalho caótico, quase demencial.
Estou na sala, estirado num sofá. A minha mulher dorme beatificamente ao meu lado. Os miúdos, esses já se deitaram há muito, depois de mais uma vez me terem reconciliado comigo próprio. Estou a ouvir um CD dos Sigur Ros, uma compra de impulso na FNAC que se revelou como o disco mais espiritual que já alguma vez ouvi.
São músicas longas, lentas, estranhas, litúrgicas. Nada se percebe do islandês mas as vozes deles entoam algo de familiar e ao mesmo tempo transcendente. Já ouvi canto gregoriano que me deixou impressão assim. Ao mesmo tempo, por entre aquelas frases incompreensíveis mas lógicas, como se fossem mantras, a percussão faz ressoar contantemente o OM que os vedas dizem ser o som cósmico primordial. Penso que os gostaria de ver ao vivo mas que isso só faria sentido numa catedral.
Penso que a minha sanidade mental é o maior dom que Deus me deu e que é através de pequenas dádivas como esta música que Ele me ajuda a mantê-la. E que é através de grandes dádivas, como os meus, que ele me faz querê-la.
Vou hoje adormecer muito mais sereno do que acordei. Obrigado, meu Pai.

segunda-feira, outubro 27, 2003

Os fiéis depositários 

Lembrei-me este fim de semana de um livro de Amin Maalouf, lido já há uns anitos: "Os Jardins de Luz". Conta a história de Mani, profeta nascido na Pérsia no séc.III, que teve uma Revelação divina que o levou a criar uma religião nova, resultante dum sincretismo entre o cristianismo, budismo e zoroastrismo. A religião maniquéia que chegou a difundir-se do Médio Oriente até à China, acabou por desaparecer enquanto realidade institucional devido a repressão, a adulteração e a simples diluição. Dela sobrou apenas um reforço das doutrinas gnósticas e dualistas (que foram penetrando outras religiões para gerar inúmeras seitas ditas heréticas) e também a palavra e conceito de maniqueísmo que já nada tem a ver com a mensagem de Mani excepto a origem etimológica.
Ora bem, o referido livro põe na boca de Mani estas palavras poderosas dirigidas a um sumo sacerdote da religião de Zoroastro: "Acontece um homem julgar-se depositário de uma mensagem quando, ao fim e ao cabo, já não é mais do que o seu caixão".
Isto mostra bem a maior dificuldade de todas as religiões: o esforço necessário para a preservação da doutrina, da mensagem revelada, leva muitas vezes a práticas contrárias a essa mensagem. É esta a origem do fundamentalismo. Contudo, a ausência de esforço na preservação da doutrina leva ao seu apagamento, como aconteceu com a fé de Mani.
De facto, o equilíbrio não é fácil e muitas vezes não existe. A Fé dos crentes deve ser exigente para com aqueles que cuidam dela.


sábado, outubro 25, 2003

A côr do copo 

O antagonismo entre as formas exteriores das religiões não afecta a Verdade essencial, una e universal que existe em todas elas. Acabo de ler sobre um místico muçulmano sufi, Djunayd de seu nome, que disse algo espantosamente simples e verdadeiro: "a água toma a côr do recipiente em que é vertida".
Já aqui, no meu 2º post, tinha reflectido sobre isto. Percebendo-o, tudo se torna mais fácil.

sexta-feira, outubro 24, 2003

Don´t worry 

Caríssima Maria dos Trinados,

Vinha sobretudo tranquilizá-la. Quando ontem me queixava de que "isto não é fácil" referia-me à questão do ecumenismo e do diálogo inter-religiões.
Não me queixava de todo de dificuldades quanto ao meu blog. Nesse aspecto muito leve me tem sido a cruz. Este blog nasceu não para evangelizar a blogosfera mas para ser escrito para mim próprio por forma a que talvez um dia eu consiga assumir e partilhar a minha Fé duma forma mais pública e virada para os outros. Hoje tenho pelo menos 4 ou 5 leitores regulares que partilham a minha Fé, entre os quais a Maria. Dou-me por satisfeito e grato por isso. Como diz S.Inácio, "isso me basta". E como diz um vizinho, cuja leitura lhe recomendo vivamente, "tenho uma fé sem nostalgia". Por isso não se preocupe, tá-se bem!
Obrigado e continue a guitarrar, que nos faz bem à alma.

quinta-feira, outubro 23, 2003

Isto não é fácil 

A minha escuta diária da voz levou-me às terras do nunca para ler um interessante post sobre uma debate inter-religioso sobre a paz. Parece que não correu muito bem: para o relator "a desconfiança era o sentimento dominante". Pior ainda: "os conferencistas deixaram muito claro que, do ponto de vista institucional, cada uma dessas religiões foi construída contra algo, contra outra religião". Não vou tão longe. Aquilo em que concordo plenamente, e já aqui o escrevi, é que a história das religiões "é uma história de diferenciação e não de comunhão". O caminho para o ecumenismo, tal como o caminho para Deus, é um percurso duro e pedregoso. É a própria natureza humana, o tal ponto de vista institucional, que o torna difícil.
Fiquei, contudo, mais reconfortado com uma frase luminosa de Eduardo Lourenço, dita nesse debate:"a descrença não é uma vantagem prática"!
Caros incréus (perdoem a abrupta expressão) que me leiam: não tenham a mínima dúvida que é mesmo assim. Como Dupond, eu diria mesmo mais: a Fé é uma vantagem prática!

quarta-feira, outubro 22, 2003

A razão do ecumenismo (4ªparte) 

A partir deste momento histórico, materializado no Édito de Milão, no qual a Fé Cristã passou de religião perseguida a religião de estado do Império Romano, houve uma alteração profunda, irremediável e em múltiplos aspectos não só da Igreja Cristã mas também, mais tarde e consequentemente, dos próprios cânones da Fé Cristã.
A primeira mudança foi na relaação entre a Igreja e o poder secular, entre a religião e a polí­tica. Com efeito, se a instituição imperial passou a utilizar a Igreja como fonte de legitimação e auxiliar de controle polí­tico, ideológico e administrativo, a Igreja também utilizou o poder secular posto à sua disposição para consolidar e reforçar a religião Cristã por todo o Império, multiplicando o esforço de evangelização mas também combatendo e reprimindo as religiões ditas pagãs. Muitos bispos, antes vítimas de perseguição, passaram a ser zelosos instigadores de destruição de templos dedicados aos deuses greco-romanos, às divindades orientais, etc. O forte braço de Constantino deu cobertura a tudo isto e forçou a conversões por todo o Império, por toda a sua estrutura administrativa e militar.
Mais importante e mais carregado de consequências do que isto foi o facto de Constantino, apesar de mudar a religião de estado, não ter prescindido do atributo imperial de pontifex maximus (sumo pontí­fice), ou seja, ficou tacitamente aceite entre ele e a Igreja, que esta, como tudo no Império, estava sujeita à  autoridade suprema e à supervisão do Imperador. É devido a isto que iremos assistir a imperadores como Constantino, Teodósio, Justiniano entre outros a presidirem a concí­lios da Igreja e a arbitrarem complexas questões teológicas. Já lá iremos.
Constantino não era homem para brincadeiras e, ao adoptar o Cristianismo como religião do Estado, fê-lo para estabilizar o Estado e não para o contrário. Como tal, naturalmente exigiu à sua nova religião consistência e harmonia doutrinal para evitar guerras civis entre seitas cristãs.
Aliás esta exigência fazia todo o sentido. Com efeito o Cristianismo nasceu entre os judeus mas foi criado no universo helenístico, o mais especulativo e dialético que é possí­vel imaginar em termos filosóficos e epistemológicos. Sendo assim, não só a mensagem de Cristo como a sua natureza foram pasto de inumeráveis interpretações, discussões, especulações que foram origem de numerosas heresias e correspondentes seitas: foram os ebionitas, os marcionitas, os docetas, etc.
A questão da natureza de Cristo, ou seja o mistério da sua encarnaçã£o foi um campo particularmente fértil para a polémica e para o odium theologicum.
Logo em 325, Constantino convocou e presidiu ao Concí­lio de Niceia para discutir e resolver as perturbações teológicas causadas pelo advento do arianismo. Em Alexandria, então um dos mais notáveis centros da Cristandade, explodira uma disputa teológica entre um sacerdote chamado Ário e seu Bispo donde nasceu um grave impasse teológico pois Ário passara a afirmar que o Logos Encarnado era inferior a Deus Pai e que se o Pai gerou o Filho, então houve uma época em que o Filho não existia. Ário acreditava em Jesus Cristo como o Salvador, mas subordinava o Filho ao Pai. Negava pois a divindade de Jesus Cristo, pois afirmava que ele não era igual ao Pai. Desde os tempos apostólicos a Igreja combatia os que pregavam divindades subordinadas a Deus, derivadas das seitas gnósticas. Tudo isso era contra o mistério da Redenção, pois a Redenção, como antes fundamentara o terrível bispo Atanásio, não teria sentido se Deus mesmo não tivesse se encarnado, se Jesus Cristo não fosse verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Tomando Constantino conhecimento dessa discussão herética e do perigo iminente de cisão na Igreja, promoveu a convocação de um Concí­lio que se realizou na cidade de Niceia, próxima de Constantinopla, em 325. Ao Concí­lio, um dos grandes marcos da vida da Igreja acorreram bispos da Ásia Menor, Palestina, Egipto, Sí­ria, e até bispos de fora do Império Romano, ou seja, de todos os lugares onde a Cristandade tinha se estabelecido com vigor, como a Índia e a Mesopotãmia. Foi aí­ redigido o Credo de Niceia que confirmava que Jesus Cristo, Deus Encarnado, é ponto fundamental do Cristianismo. O próprio Credo passou a estabelecer o conteúdo da fé da Igreja.
Não foi esta a última vez que um imperador convocou um concílio para expurgar da doutrina da Igreja novas heresias à  volta do mistério da encarnação de Cristo. Passo a citar alguém que percebe efectivamente do assunto, neste caso o bispo brasileiro D.Estevão de Bettencourt: Desde os inícios da era cristã, perguntava-se como podia Cristo ser simultâneamente Deus e homem. A primeira tentativa de solução foi a dos Docetas no séc. II, os quais ensinavam que o Salvador não fora verdadeiro homem, pois não tivera senão uma aparência de corpo humano (dokéo, parecer, em grego). Tal solução não conseguiu implantar-se e no séc. V propôs-se outra fórmula: Nestório, Patriarca de Constantinopla, asseverava que Cristo era tão realmente Deus e homem que nele havia duas Pessoas (a Divina e a humana) e duas naturezas (a Divina e a humana). Sabemos que em linguagem técnica "natureza" vem a ser a essência ou a estrutura de um ser, ao passo que "pessoa" é o sujeito consciente ou o "Eu" que age por meio de determinada natureza. A sentença de Nestório, admitindo duas pessoas ou dois"Eu" em Cristo, cindia a unidade do Salvador; foi, por isto, rejeitada no Concílio de Éfeso (431). Tomou vulto então, à  guisa de reacção contra o erro condenado, a teoria oposta, propugnada por Eutiques, de Constantinopla, e Dióscoro de Alexandria: em Cristo haveria uma só natureza (a natureza divina, a qual teria absorvido a natureza humana). Tal era a doutrina do Monofisitismo. O bispo de Roma S.Leão Magno rejeitou esta tese como contraditória ao genuí­no conceito de Encarnação, asseverando em 449 haver em Cristo uma só Pessoa (ou um só "Eu"), a Pessoa Divina, a qual se manifestava por duas autênticas naturezas (a Divina e a humana) não mutiladas nem confundidas. Assim punha-se fim a uma etapa importante da Cristologia. Ora foi no Concílio de Calcedónia em 451, presidido, note-se bem, pelo imperador Marciano, que esta doutrina foi instituí­da pela Igreja como dogma de Fé.
Bem entendido, nem todos ficaram convencidos, apesar de ampla campanha doutrinal apoiada às vezes por acções militares patrocinadas pelo imperador. Ainda hoje existe a Igreja Cristã Nestoriana, sobretudo no Próximo Oriente.
Seja como fôr o que há a reter destes factos é que a partir desta altura o Imperador de Roma passou a assumir-se como uma espécie de guardião da pureza da doutrina Cristã e como última instância das polémicas religiosas. Por outras palavras, foi neste tempo aceite e interiorizado com aparente facilidade pelo clero cristão que o imperador era chefe da Igreja ainda que o seu poder emanasse de Deus, desde que ele fosse exercido com objectivo de fazer cumprir a Sua Vontade. Temos pois uma relação biuní­voca de poder: a Igreja obedece ao Imperador mas é a Igreja que o legitima. Isto imprimiu na Igreja cristã um cunho inteiramente novo cujas consequências perduraram durante mais de um milénio.
Contudo, nestes tempos de ocaso do Império Romano, tudo evoluía a uma velocidade estonteante pelo que rapidamente começaram a surgir matizes divergentes na relação entre a Igreja e o Poder. Com efeito, a evolução dos acontecimentos foi totalmente diferente nas partes ocidental e oriental do Império e isso teve consequências que ainda hoje perduram. (continua...)

Sai mais uma dose! 

Depois de uma higiénica pausa de quase um mês, vou de novo postar mais um capítulo da minha monumental oração de sapiência "A razão do ecumenismo".
Houve entretanto quem me perguntasse se o título continua a justificar-se uma vez que aquilo parece estar a derivar para (mais) uma História da Igreja. Admito que sim, que a pergunta faz sentido. A questão é que o que eu pretendo demonstrar é o facto de as diferenças entre igrejas e entre religiões resultarem sobretudo das suas evoluções históricas nos contextos em que se formaram e desenvolveram. Ou seja as diferenças estão todas no campo do humano, do cultural, do político e não no campo da revelação divina na sua essência. Sendo assim, a compreensão deste facto é o catalizador essencial para o ecumenismo e para o diálogo inter-religioso.
Disto resulta que não consigo evitar estas longas considerações sobre a evolução do cristianismo, a única que conheço minimamente.
Por outro lado só lê quem quiser e tiver pachorra...poucos certamente.

terça-feira, outubro 21, 2003

O coração das trevas 

Transcrevo com o coração encolhido o que é dito em Azimutes:
"Dorme, Catarina. Dorme, pequenina. Nunca mais, nunca mais te farão mal. Nunca mais. As instituições do meu país asseguram-te agora a paz. A acontecer, será sempre a outros, nunca mais a ti, que estás longe, muito longe, agora, de toda a dor. Dorme..."

Meu Deus, livrai-nos do Mal.

segunda-feira, outubro 20, 2003

Pois é, sou uma seca! 

Pergunta-me alguém, enfastiado, se eu não sei falar de mais nada sem ser de religião. Com certeza que sei. Sei falar e falo muito de política, de desporto, de estados de alma, da Casa Pia, da justiça, de sexo, do Iraque, de música, de cinema, de economia, da Ana Gomes, de carros, de computadores, de filhos, de arte e literatura, de saúde, do tempo, de telemóveis, de restaurantes, do Euro 2004, do Bush e do Bin Laden, de Bragança e de Amsterdão, de trabalho, de negócios, de touros, de fados, de cães e de cavalos, de tudo o que quiserem. Mas para isso, meu caro amigo, para que é que eu preciso de um blogue?

Daniel Faria 

Estava eu a ler o Aviz, como faço quase todos os dias, quando deparo com o nome de Daniel Faria, linkado a um blog que não conhecia: Estravaganza. Fui lá ler o que diziam e encontrei 3 poemas dele lá transcritos.
A primeira e última vez que tinha ouvido falar de Daniel Faria, foi em fins de 1999, numa longa viagem Lisboa-Porto de comboio quando, mais por tédio do que por interesse, comecei a ler o suplemento “Letras” (penso que era esse o nome) do “Público”.
Normalmente, a minha leitura teria durado um minuto ou dois pois gosto bastante mais de ler literatura do que ler sobre literatura. Porém, nessa altura deparei-me com um longo artigo sobre um tal Daniel Faria, poeta morto enquanto jovem, e acabei por lêr o artigo todo.
Ficou-me na memória que ele era monge beneditino (a ordem que eu escolheria se fosse para frade), que ele era o mais novo e o primeiro a entrar desde há longos anos num mosteiro com um nome fantástico e misteriosamente medieval, o Mosteiro de Singeverga, perto de Sto.Tirso.
Lembro-me de ter lido que Daniel era, para os seus amigos e para os seus confrades, algo parecido com um santo. Lembro-me de ter lido que gostava de escrever os seus poemas em rolos de papel de máquina de calcular. Havia um ou dois reproduzidos no jornal, lindíssimos no conteúdo e no grafismo. Lembro-me dos estranhos nomes dos seus livros: Dos Líquidos, Explicação das Árvores e de Outros Animais, Homens que são como lugares mal situados.
Lembro-me de que ele morreu aos vinte e tal anos, num estúpido acidente doméstico: uma queda no duche, penso eu. Lembro-me da perplexidade, da revolta, da incompreensão que isso gerou nos seus amigos: porque é que Deus tinha permitido tal coisa, porque é que tinha levado tão cedo uma pessoa como o Daniel, que ainda tinha tanto para dar?
Sobretudo lembro-me, e tenho-me lembrado sempre desde então, da resposta dada pelo frade decano do mosteiro: Deus levou-o tão novo porque achou que ele estava preparado.

Deus, como eu O sinto. 

Meu Deus,
Tu, que és Senhor do Universo,
não quisestes ser o nosso Senhor
mas quisestes ser o nosso Pai.
Por isso criaste-nos à Tua imagem e semelhança,
como filhos Teus, com algo de Ti em nós.
Tu, que criastes toda a beleza do Mundo,
deixaste-nos usá-lo como se fosse nosso por herança.
Tu, que és sumamente livre,
deste-nos também a liberdade
para que, tendo nascido à Tua imagem,
possamos querer ou não ser Teus semelhantes.
Porém, a liberdade que nos destes só o é plenamente,
havendo a possibilidade do Mal e do sofrimento.
Mas como Pai que ama seus filhos,
Tu queres ver-nos crescer
e ver-nos cumprir o divino que temos em nós.
Para tal, foste-Te revelando ao longo dos tempos.
Para tal, enviastes o Teu Filho para morrer às nossas mãos.
Mostraste-nos assim que não há maior amor
do que dar a vida por quem se ama.
Mostraste-nos assim que, como diz Paulo,
tudo nos é permitido mas nem tudo nos convém.
Mostraste-nos assim que o Teu Amor nos espera.

domingo, outubro 19, 2003

Terço vivo para o Papa 

Não fui. Não fui porque tenho alguma aversão a celebrações multitudinárias mas sobretudo porque sempre tive uma difícil relação com o terço enquanto momento de oração. Fruto talvez duma formação catequética deficiente e tardia nunca consegui senti-lo como algo que me aproximasse de Deus. A ladaínha faz-me perder o sentido profundo da palavra. Para mim sempre valeu mais uma Avé Maria ou um Pai Nosso solitários, pronunciados do fundo da minha alma do que um rosário inteiro. Aceito no entanto que, como instrumento de oração colectiva, como instrumento de comunhão entre fiéis, o terço funcione com eficácia.
Seja como fôr, não estive lá mas gostei do que, vendo pela televisão, senti haver passado pelo Jamor. Senti Fé verdadeira em muitas caras (não em todas, claro). Senti que em toda a cerimónia esteve tudo no lugar e no tempo certos, senti inspiração divina nas palavras de D.José (já agora, que andou um tanto arredada na sua entrevista de 5ª feira na RTP). Senti uma vez mais que este Papa, provavelmente mais do que os seus antecessores, representa para os católicos um papel muito acima de todos os outros papéis. Não tanto o papel de chefe da Igreja, mas o de centro, de coração de todos nós católicos. O papado com João Paulo II reassumiu profundamente o seu atributo original: o de vigário de Cristo na Terra.

quinta-feira, outubro 16, 2003

O Papa 

Hoje o Papa está no centro das atenções do Mundo, o Cristão e não só. Está-o pelos 25 anos do seu pontificado durante o qual houve inflexões da História para as quais muito contribuiu. Está-o pelo seu estado de saúde, de aparência terminal, mas que não o impede de continuar a exercer o seu pontificado de forma intensa e sobretudo pública.
Debate-se hoje intensamente a possibilidade da sua renúncia, passando-se ao lado do facto dessa renúncia ser uma decisão estritamente pessoal do Papa. Eu diria que nem isso é: a míngua de precedentes e o próprio entendimento canónico do estatuto teológico papal, impedem essa decisão mesmo que tomada pelo próprio Papa.
Seja como fôr, discute-se a questão prolixamente, apaixonadamente. Então neste Portugal e nesta luso-blogosfera, onde tudo se discute mais por amor à discussão do que à verdade, muito se tem falado desta renúncia.
Há os que pedem a renúncia por razões fundamentalmente estéticas, por lhes ser difícil de encarar o espectáculo da velhice, da debilidade extrema, do sofrimento visível mas voluntariamente aceite. Há os que a pedem por não gostarem deste Papa, por ser conservador e retrógado. Há os que, não o confessando, a pedem pelo facto do Papa ter ajudado a desmantelar o edifício ideológico onde se movimentavam e eram felizes. Há também aqueles que, sendo cristãos católicos sinceros, mesmo estando seduzidos pelo forte carisma de João Paulo II, sentem muita dificuldade em confrontar a sua linha pastoral, rigorosa e estrita, com a mundividência que criaram ao querer conciliar a sua Fé com a vida concreta, com a evolução da sociedade, com as injustiças do Mundo.
É nestes em que eu estou a pensar particularmente. Para um católico verdadeiro, discordar do Papa é algo que pode ser perturbador. O dogma da infalibilidade papal é algo de que não se fala muito mas que está presente na nossa mente. Sendo assim, naquelas questões difíceis como a contracepção, o celibato dos padres, o papel das mulheres na igreja, etc., a atitude dos fiéis varia por entre:
•Sendo a posição do Papa, então com maior ou menor esforço dialético, vamos aceitá-la como boa.
•Não querendo que esta contradição entre a posição do papa e a convicção profunda do fiel perturbe a fé que pretende preservar passa-se ao lado da questão e não se pensa muito nela: respeita-se a posição papal mas fazemos como entendemos.
•A diferença de posições incomoda-nos como fiéis e por isso manifestamos activamente a nossa posição dentro da Igreja e fora dela. É o caso de movimentos como o “Nós somos Igreja”. É o caso também de fiéis que se afastam da Igreja por lhes ser insuportável esta divergência.

Todas estas posições são para mim aceitáveis. No entanto, talvez pela minha tendência para tudo simplificar (ou relativizar), a mim nada disto me perturba, nada disto afecta a minha Fé.
Com efeito, se para mim a autoridade papal é inquestionável, já a questão da infalibilidade emociona-me muito menos.
Talvez muitos católicos não saibam que o dogma da infalibilidade é muito recente: foi instituído em 1870 no Concílio Vaticano I pelo papa Pio IX. Surgiu num contexto político e social muito particular em que a Igreja Católica lambia as suas feridas e procurava um novo papel no Mundo depois de quase cem anos de feroz secularismo e anti-clericalismo. Não conheço as razões teológicas profundas que levaram à porclamação deste dogma mas compreendo-a em termos humanos como um tocar a reunir, um reafirmar de posições, numa Igreja fragilizada e traumatizada, que viu serem linchados arcebispos em países tidos como pilares da Cristandade.
O que talvez ainda menos católicos tem consciência é de que a infalibilidade papal não é um atributo permanente, tem condições muito particulares para ser exercida.
As condições para o exercício do carisma da infalibilidade, de acordo com o dogma estabelecido pelo Concílio Vaticano I, são quatro:
1 - Que o Soberano Pontífice se pronuncie “ex-cathedra”, isto é como sucessor de Pedro, Bispo de Roma e soberano da Igreja Católica, usando os poderes das chaves, concedidas ao Apóstolo pelo próprio Cristo;
2 - Que se pronuncie sobre Fé e Moral;
3 - Que queira ensinar à Igreja inteira;
4 - Que o Sumo Pontífice intencione proferir sentença definitiva sobre o assunto em causa. Somente tal sentença definitiva goza do atributo da infalibilidade. Este não se estende nem aos argumentos previamente apresentados para fundamentar a definição nem às conclusões que desta decorram.

Para exercer um ato infalivelmente, em qualquer documento ou forma de pronunciamento - seja numa encíclica ou num decreto especial, bula, constituição apostólica etc. - o Papa precisa deixar explicitamente claro que o faz nessas quatro condições acima citadas.
Ora acontece que, precisamente, a Encíclica Humane Vitae (1968) de Paulo VI, que rejeita a contracepção artificial e apregoa os meios naturais de controle da natalidade, não usou a fórmula clássica "Declaramos e definimos", pelo que formalmente não é um documento infalível!
Aliás os Papas, no decorrer da história, fizeram uso de seu magistério infalível para formular alguma sentença dogmática apenas doze vezes em vinte séculos!... Tão exígua cifra talvez surpreenda não poucos católicos, pois, quando se fala da infalibilidade pontifícia, facilmente se tem a impressão de que os católicos vivem num regime de imposições procedentes do capricho de um mestre humano. Tal impressão, como se vê, está longe de corresponder à realidade.

É precisamente por isso que a minha Fé em Cristo e na Igreja é pouco perturbada por estas questões. Eu aceito verdadeiramente a autoridade papal esforçando-me por conhecer e entender os seus pontos de vista mas isso não significa que eu sinta obrigação em concordar tudo o que emana do Papa. Como a infalibilidade papal não é um dos pilares da minha Fé pois é algo instrumental que se acrescentou, que se enxertou à mensagem de Cristo veiculada pela Igreja, o facto de haver uma discordância minha não prejudica nem a minha fidelidade nem a minha Fé em Cristo, na Igreja Católica, na instituição do Papa como vigário de Cristo.

Para mim pois, polémicas à parte, este Papa vale, e muito, pelo seu exemplo de Fé determinada, consistente, inquebrantável. Vale pela profundidade teológica das suas intervenções. Vale pelo seu esforço de comunhão inter-religiosa. Vale pelo facto de não querer aceitar o mundo como é mas como deve ser. Vale por aceitar o sofrimento e, talvez para se penitenciar e libertar de grandezas efémeras, aceitar mostrar a sua pesada cruz a todos, crentes e não crentes. Determinado, ele está a percorrer a sua Via Sacra. Eis de novo o Cordeiro de Deus.

quarta-feira, outubro 15, 2003

Perplexos pois 

A Fé nunca é uma certeza.
É uma esperança, uma ânsia.
É um corolário entre outros corolários,
mas a que não se chega sózinho.
É uma busca de sentido,
uma procura de grandeza.
É uma angustiada consciência
das nossas humanas limitações.
É uma deriva a querer tornar-se caminho,
um salto em frente que, todavia, é um regresso.
É o conforto precário duma presença
que procuramos no Céu, no mundo,
mas que irrompe em nós mesmos.
Vem da imagem e da semelhança.
É o alfa e o ómega,
é a possibilidade de redenção.
É uma imensa perplexidade
perante um amor que não merecemos,
uma liberdade que nunca soubemos usar
e um silêncio que nos diz Tudo.

terça-feira, outubro 14, 2003

Será o quê? 

Quando receamos uma notícia muito má e simultaneamente ansiamos por uma muito boa, o mais certo é acabarmos por receber uma notícia que não é má mas que também não é boa. Será uma forma sábia de Deus nos ensinar a infinita relatividade das coisas, que é algo que julgamos saber mas que, no fundo, nunca interiorizamos verdadeiramente.
É algo que nos deixa sempre um pouco vexados, mas qual é o problema?

segunda-feira, outubro 13, 2003

Será? 

E se fôr verdade?
E se chegou a hora?
E se fôr mesmo assim?
E se Deus me quiser agora?

Será que vou gritar?
Ou será que vou rir?
Será que vou lutar sem aceitar?
Ou será que vou aceitar sem mais lutar?

Eu quero ser digno
E quero ser forte.
Eu quero continuar junto dos meus,
Embora não tenha medo da morte,
Embora não tenha medo de Deus.

sábado, outubro 11, 2003

Dilúvio 

No A bordo, onde se vive uma espécie de ambiente crepuscular, diferente de tudo o que já encontrei em um mês de blogosfera, fala-se hoje do Dilúvio e no arquétipo que ele representa para os crentes e para o mundo. Diz que: "À afirmação de que a destruição traz consigo a renovação, contrapõe: É a renovação que traz consigo a destruição."
Ou talvez, por outras palavras, não há verdadeira redenção sem destruição, sem morte. É por isso que os verdadeiros crentes veem a morte como um caminho de regresso.
Já agora, não foram os judaico-cristãos que inventaram o Dilúvio. Já o Livro de Gilgamesh, babilónio mas de antiquíssima tradição suméria, fala-nos dele em termos próximos do Génesis. Lá diz-se: "Quando os Deuses criaram o Homem atribuiram-lhe a Morte; mas a Vida, essa, ficou com eles".
O rei Gilgamesh revoltou-se contra este destino atávico e nessa revolta procura por toda a Terra a fonte da vida eterna. E é neste caminho que ouve uma história antiga, a do Dilúvio, e é Enlil, o pai dos deuses, que lhe diz: "Foi-te dada a realeza sobre o mundo, esse era teu destino. A vida eterna no mundo não é o teu destino."
É Cristo que nos vem dizer onde fica a nossa vida eterna.

(citações parciais de Luís Alves da Costa)

sexta-feira, outubro 10, 2003

É boa! 

Fiz agora um post, diferente de todos os outros, em relação ao qual hesitei longamente. Fiz o publish, o republish, o monarquish, tudo. Ele aparece no View Blog mas não aparece no blogue. Ele há coisas...Se calhar foi melhor assim. Se calhar foi vontade de Deus.

SHIIUU! 

Esta semana que acaba é a última antes de eu saber, saber ainda não sei bem o quê. Não posso negar que tenho algum medo pois senão teria tentado saber hoje mesmo. Em vez disso mergulhei no trabalho, na dissipação, na alienação. Todavia devia ter ido, nem que fosse para mostrar a mim próprio que estou pronto a confrontar-me com o que o destino me reserva, pronto a entregar-me nas mãos de Deus. Recordo frases que já disse a várias pessoas, recordo que não sou mais, não valho mais do que nenhum outro dos meus irmãos e por isso o que acontece todos os dias a tanta gente também me pode acontecer a mim.
Se tiver mesmo que ser, Deus meu Pai, fortalecei a minha Fé para me manter eu mesmo, comigo e com os meus, dai-me consciência para discernir a Tua vontade, dai-me a humildade e a grandeza para saber aceitá-la e continuar lutando.
Se nada se passar, ajudai-me a ser merecedor dessa nova graça assim como de todas as outras, tantas, que já me destes.
Não publico este post sem pedir aos que me visitam aqui no Guia, felizmente poucos, que continuem assim, isto é, poucos. Daí repetir o tí­tulo do meu 1º post.
Podem continuar a contar com o meu anonimato mas também com a minha intenção de partilhar desta forma a Fé que existe dentro de mim.

Novamente na montanha 

Felizes os que mostram a sua Fé por actos e não por palavras.
Felizes os que amam sem esperar retribuição.
Felizes os que vivem e falam em nome de Deus sem se orgulharem por isso.
Felizes os que procuram mostrar e não convencer.
Felizes os que partem em missão e não em cruzada.
Felizes os que dão testemunho sem se darem conta.
Felizes os que escutam o silêncio de Deus em vez de clamarem para que ele acabe.
Felizes todos esses, porque serão eles a ver o rosto de Deus.

Novamente o vizinho 

"A minha redenção pertence-me; está em mim, irremediavelmente.". Quem diz isto é o vizinhodomar . Há quem saiba dizer em meia linha mais do que eu digo em dois parágrafos.
Já sei fazer links. Só levei um mês para aprender...

quinta-feira, outubro 09, 2003

Curioso 

Após o último post deparo-me com a leitura do evangelho do próximo domingo (Mc 10, 17-27). Espírito Santo em acção ou será que os camelos tem dotes divinatórios? Se quiserem perceber vão à missa.

Silêncio de Deus 

Há dias em que a Fé é simples e só traz paz e luz ao nosso espírito.
Outros dias porém há em que ultrapassamos o nosso nível de tolerância à  dor, ao sofrimento, à  dúvida. Há dias em o contraste que sentimos existir entre a nossa vida, o mundo a que assistimos, e a nossa Fé nos faz pôr em questão aquilo em que acreditamos. São dias dolorosos, difíceis de explicar, difíceis de passar.
Há uns anos, um disco dos Divine Comedy trouxe uma música que descreve bem este mal de vivre do crente. Não sei se conhecem mas aqui vai:

The eye of the needle

They say that you hear Him
If you´re really listening.
I pray for that feeling of grace.
But if that´s what I´m doing,
Why doesn´t He answer?

The cars in the churchyard are shining and German
Distinctly at odds with the theme of sermon
During communion I stare at the people
Squeezing themselves through the eye of the needle

I know it´s wrong for
A faithful to seek it
But sometimes I long for a sign, anything.
Something to wake up the whole congregation
And finally make up my mind.


Eu às vezes olho para o meu carro, também ele reluzente (quando o lavo) e alemão, e penso em que raio de cristão sou eu, se irei caber no buraco da agulha.
Também a mim me atormenta algumas vezes o silêncio de Deus, também eu anseio por sinais visíveis.
Rezo então. Leio. Ouço música. Trabalho. Olho para os meus filhos e tento adivinhar como Deus nos olha. Olho para a minha mulher e tento adivinhar como Deus nos ama. Penso que também eles às vezes devem sentir falta de sinais do meu amor que todavia existe absolutamente. Acalmo o meu espírito. Aguardo o novo dia. Sinto-me de novo em paz. Peço perdão pelas minhas dúvidas, pela minha secura. Penso que tenho de ser melhor. Dou graças pelo que me foi dado, pelos meus.
Graças a Deus.

Pergunta a um vizinho 

Caro Vizinhodomar (desculpe mas não sei fazer links):
Então você diz "fui educado para morrer em cada instante" e ainda pergunta aonde está a sua fé? Está mesmo dentro de si.
Um abraço.

terça-feira, outubro 07, 2003

Condição Humana 

Eu sofro, mas amo
Eu morrerei, mas vivo
Eu perco, mas luto
Eu ganho, mas nem sempre
Eu desprezo, mas sou amado
Eu sou causa de sofrimento, mas sou perdoado
Eu sou fraco, mas aguento tudo
Eu sou forte, mas sucumbo à tentação
Eu amo, mas sofro por amor
Eu tenho, mas não é meu
Eu quero, mas não devia querer tanto
Eu vivo, mas não para sempre
Eu sou feliz, mas não o mereço
Eu sou infeliz, mas nem sempre
Eu recebo, mas não me dou
Eu sei, mas não sinto
Eu sinto, mas não faço
Eu creio, mas não o suficiente
Eu compreendo, mas isso não chega
Eu venho, mas não fico
Eu vou, mas não volto
Eu consolo, mas não sou consolado
Eu sou amado, mas não acredito
Eu sou puro, mas orgulho-me disso
Eu sou pecador, mas arrependo-me
Eu sou impuro, mas amo meus defeitos
Eu não sou santo, mas quero sê-lo
Eu quero ser santo, mas tenho medo da santidade
Eu não perdoo, mas quero ser perdoado
Eu não perdoo, mas quero saber perdoar
Eu não sou puro de coração, mas quero ver o rosto de Deus
Eu não sou pobre de espírito, mas quero o Reino dos Céus
Eu sou pobre de espírito, mas não o quero reconhecer


Eu sou um homem assim, mas quero ser melhor
Eu sou um homem assim, mas Deus ama-me
Pois sou Seu filho e Ele quer-me de volta

We´re no angels 

Nós cristãos não devemos guardar connosco a nossa Fé. Devemos mostrá-la, explicá-la, vivê-la perante os outros. É nossa obrigação tentar que o nosso próximo receba como nós a graça da Fé, não por proselitismo estéril, mas simplesmente por amor a esse próximo.
Acontece porém que isto não é fácil e por variadíssimos motivos. Um deles é a enorme dificuldade de falar sobre a Fé que nos anima sem nos colocarmos, insensivelmente, involuntariamente, num plano superior ao do nosso interlocutor. Nós temos a graça, a iluminação e eles não e, portanto, instala-se logo um desconforto que elimina toda a receptividade. Isso acontece, não só por uma natural reacção epidérmica do interlocutor, mas também porque aquele subtil arzinho de superioridade que às vezes ,e sem o querer, arvoramos (sobretudo desde que somos tão evidentemente minoritários) contradiz totalmente a essência da nossa Fé. Mesmo em nós próprios este desconforto instala-se e tantas vezes é a causa ou o pretexto do nosso silêncio. No meu caso é-o claramente.
Agora o facto é que não somos superiores aos outros, quando muito somos priveligiados por nos ter sido concedida a graça da Fé que tanto simplifica, tanto suaviza a nossa vida. Temos pois que martelar nas nossas cabeças que não somos superiores, que partilhamos exactamente a mesma condição humana dos demais.
Como exercício, o Guia recomenda a recitação do post seguinte, 3 a 12 vezes ao dia, tanto mais quanto maior fôr a auto-estima.

domingo, outubro 05, 2003

AS PERGUNTAS (dedicado a Aviz) 

Nós os perplexos procuramos, sim, o rosto de Deus,
Procuramos a Sua voz, procuramos ser o riso da Sua alegria,
Procuramos discernir o Amor na Sua vontade, sem a temer,
Procuramos a Sua Luz em nós e nos outros, e que ela nos indique o caminho.

Procuramo-Lo nos corvos de Van Gogh, no campo de trigo, antes da tempestade.
Ei-Lo desolado, por ser Pai e ter perdido mais um filho,
Ei-Lo escutando os cânticos que os homens entoam, procurando retribuição do Seu amor,
É Ele que nos pega ao colo no deserto, é Ele que nos oferece passagem.

É Ele o Espírito que desce do Céu mas que já estava em nós.
É Ele que se deixa ver pelo puros, que perdoa os que perdoam, que eleva os humilhados.
É Ele que nos converte e não nós que o fazemos. É Ele que me está a dar as palavras certas.

Abrimos os olhos mas, perplexos, não O vemos quando O queremos ver.
Caminhamos por precipícios, ardemos em fogos destruidores e fitamos o Céu, e de repente,
Vêmo-Lo, chorando a nossa morte que vem, apesar de esta ser o nosso caminho de regresso a Ele.


(repondendo a um post de hoje no Aviz e pedindo desculpa pela métrica - aqui também não há poetas)

sexta-feira, outubro 03, 2003

Epístola a João Baptista 

Caro Voz do Deserto,

Para mim que sou católico mas sobretudo cristão tem sido uma experiência nova e estimulante conhecer, através do blogue Voz do Deserto, as perspectivas dum protestante e baptista como você. O facto é que embora conheça rudimentarmente as bases do protestantismo e de algumas das suas derivações, nunca conheci pessoalmente nenhum protestante e como tal não tenho até aqui a mínima ideia como vocês vivem a experiência da fé. Provavelmente de muitas maneiras, como nós os católicos. Agora o facto é que muito dos seus posts tem sido particularmente reveladores para quem como eu procura entender a Fé que possuo. Destaco dos últimos um que me marcou que foi o do ecumenismo a propósito das célebres 37 prescrições litúrgicas: "tenho comigo que os únicos ecuménicos decentes são os católicos - sabem bem que nesse tão elevado projecto não arredam um centímetro naquilo em que crêem" - não tenha dúvida que é mesmo assim que muitos dos meus irmãos na fé veem a coisa que, por isso avança a passos de caracol. Outro trecho que subscrevo inteiramente: "alegro-me com a decepção folclórica desta gente com as instituições religiosas. Deixa-nos espaço para que as igrejas se dediquem à fé e não à voluptuosa transformação do mundo". Ora bem: é isso mesmo!
Já agora vi também uma sua referência, já antiga, à edição da bíblia da Três Sinais, de cuja continuação (incluindo os excelentes prefácios) ando à espera. Partilho inteiramente daquilo que diz: " A ausência de convívio com a leitura das Escrituras é uma das causas da ignorância dos portugueses. Creio nesta tese tão escandalosamente simples. Mas os cristãos serem o Povo do Livro é completamente distinto da Bíblia ser o Livro do Povo." A relação entre o povo e as escrituras, que deve ser de proximidade e não de inacessibilidade, foi uma das razões originais do protestantismo. Hoje toda a Igreja Católica dá razão a Lutero neste ponto e não só.
É também por isto que eu e muitos outros não vemos o ecumenismo como o regresso de irmãos transviados à Verdade Pura e Eterna da Igreja Católica: o ecumenismo deve sim representar o regresso de todo povo cristão à essência profunda e verdadeira da Fé que nasceu em Cristo.

quinta-feira, outubro 02, 2003

Deus connosco. 

Meu Deus,
Tu estás oculto de nós,
embora os céus estejam repletos de Tua luz.
Tu estás oculto,
e no entanto revelas os nossos segredos ocultos.
Tu estás oculto em Tua essência,
mas visível em tuas dádivas.
Tu és como o vento,
nós somos a poeira.
Tu és como a alegria,
e nós somos o riso.
Tu és como a água,
nós somos a mó.
Pois a revolução da mó,
tão violenta,
testemunha a existência de uma corrente de água.


(Oração islâmica)

Lindíssimo. Universal. Verdadeiro

Dor, connosco. 

"Senhor, nosso Deus,
Nós te pedimos luz
para desprezarmos as dores
que criamos com a nossa agitação.
Mas a dor que tu mesmo nos impões,
dá-nos a graça de recebê-la humildemente
e a força de suportá-la."


Sören Kierkegaard

Receber a dor com humildade significa não a esconder com vergonha nem a expôr com alacridade. Significa apenas viver com ela e continuar a cumprir o sentido da nossa vida. João Paulo II mostra-nos diariamente como.

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