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sexta-feira, janeiro 30, 2004

Bibliofilia e unidade 

Ainda no passado domingo, na missa que assinalava o encerramento da semana de unidade entre os cristãos, se leu muito a propósito o Livro de Neemias (8,2-6.8-10). Fala-se aí da chegada a Jerusalém dos judeus regressados do exílio em Babilónia. Ao chegarem surge o choque entre a realidade da Jerusalém desolada, despojada das grandezas passadas, e a Jerusalém sonhada durante todo o exílio. Surge também o choque entre os judeus do exílio e os que tinham ficado, os am ha-arez, ou seja, os judeus pobres que tinham sido deixados para trás pelos babilónios e permanecido em Judá. Parece ter ali terminado a aliança de Deus com os judeus. Parece que o exílio iria continuar na sua própria terra. E é aí que “O sacerdote Esdras apresentou, pois, a Lei diante da assembleia de homens e mulheres e de todos quantos eram capazes de a compreender. (...) Esdras leu o livro, desde a manhã até à tarde, na praça que fica diante da porta das Águas, e todo o povo escutava com atenção a leitura do livro da Lei. (...) Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, pois achava-se num lugar elevado acima da multidão. Quando o escriba abriu o livro, todo o povo se levantou. Então, Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todo o povo respondeu, levantando as mãos: «Ámen! Ámen!» Depois, inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor, com a face por terra. E liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura.”
Foi a apresentação do Livro, a sua leitura e explicação que fez todos unirem-se de novo no propósito comum de reconstruir Jerusalém. Foi perante o Livro que os Judeus assumiram de novo o projecto de Deus nas suas vidas.
Ora, é também em torno do Livro, do nosso Livro, da Bíblia, que será possível o regresso dos cristãos dos exílios a que todos eles, católicos, ortodoxos, protestantes, se auto-sujeitaram afastando-se da essência da Palavra de Cristo quando pensavam estar a escolher o caminho certo para Ele. Será perante o Livro que conseguiremos livrar-nos todos de toda a “tralha figurativa” como dizia alguém, de todos os enxertos que colocámos na árvore da Fé, de todo o espírito concorrencial de quem escolheu caminhos diferentes para o mesmo destino, de todas as mágoas por desfeitas passadas, de toda a mistura entre perspectivas de Fé e culturas diferentes. É em torno do Livro que reencontraremos todos o projecto de Cristo para as nossas vidas.
Sabemos ou deveríamos saber que a unidade dos Cristãos é desejada por Cristo, pois só unidos estamos verdadeiramente a viver a sua Palavra. Para isso é essencial o conhecimento da Bíblia entre os Cristãos. Só assim eles perceberão os fundamentos da sua Fé e aprenderão a separar o trigo do joio, o acessório do essencial.
Já todos sabemos que neste campo os protestantes levam um bom avanço: leem a Bíblia em vernáculo há mais 400 e tal anos do que nós católicos e 40 anos após o Vaticano II ainda não recuperámos o atraso. Até há coisa de 5 anos eu nunca tinha lido um evangelho inteiro, quanto mais a Bíblia toda! Ainda hoje o Antigo Testamento nem vai a meio. Ora os católicos devem recuperar esse atraso, não para suplantar os protestantes mas até para percebermos melhor o que eles dizem, eles que mesmo sendo leigos já leram a Escritura toda!
E da mesma forma que aos católicos caberá o dever de humildade de deixarem de se considerar como a versão original e autenticada, caberá aos protestantes a caridade de deixarem de se considerar como os detentores da Palavra, os iniciados no Livro, os que souberam deixar de precisar de mediação na relação com Deus.
Tudo o que é necessário para a unidade dos cristãos está lá, na Bíblia: a espírito de pobreza e simplicidade, o espírito de misericórdia, a pureza de coração, o espírito de paz, numa palavra, o Amor tal como Cristo nos ensinou.
E não faz sentido conhecer a Palavra senão vivermos segundo ela.

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