segunda-feira, janeiro 12, 2004
Dias de espuma
Como sabem, não gosto nada de fugir ao dharma deste blogue, ou seja, os temas são aqueles que são e evito cuidadosamente polémicas, que entre nós costumam ser estéreis.
Contudo neste caso não resisto. E não resisto porque descobri uma preciosidade bloguística: é o l´écume des jours cuja autora amavelmente nos traduziu para A espuma dos dias. Não o vou pôr nos meus links mas já o puz nos meus favorites. Porque este blogue é lindo. É imenso. É abissal. É isso tudo na sua auto-satisfação erudita e avançada. Não será chique a valer mas é progressista a valer. Não sei quem será esta Salcêde pós-moderna mas filei-a para sempre e todos os dias a irei ler. Não sei se conhecem "O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o meu livro favorito. Tem lá uma parte onde Lampedusa descreve um momento de suprema delícia do príncipe de Salina: "não há prazer maior, mais requintado, do que ver alguém à nossa frente a realizar-se plenamente, absolutamente". E é este prazer que a autora deste blogue me proporcionou por ter escrito aquilo que hoje li. Para perceberem isto vou citar uma preciosidade desta senhora, escrita em 5 de Janeiro deste ano:
"Em Campo de Ourique, algures num cruzamento entre ruas, há um escaparate invulgar que ora aparece ora desaparece. Literatura religiosa, pode ler-se, e, noutro ponto, sirva-se. E eu, não me faço rogada e sirvo-me, sirvo-me 'à discrição'. Assim comecei uma pequena colecção de livros editados na sua maior parte nos idos de 50. Os textos, traduzidos do latim por padres portugueses, devidamente aprovados por reis e patriarcas do tempo da outra senhora (quem seria, essa outra senhora d'antanho?), têm a chancela do Depósito das Escrituras Sagradas - casa que já existiu em pelo menos dois lugares diferentes em Lisboa. Na Praça Luís de Camões e na Rua Passos Manuel - aprendi isto nas fichas técnicas dos livrinhos.
Charmes e mistérios àparte, a verdade é que desde sempre me pergunto se aquele escaparate é lícito. Será lícito, usar assim o passeio público para catequizar os transeuntes? A tolerância - essa palavra terrível - da pseudo-laica sociedade portuguesa para com as actividades directa ou indirectamente relacionadas com a Igreja, dá-me que pensar. Exibisse o escaparate literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver - status quos que impedem a evolução, coisas que inibem a passagem das sociedades a outros estádios, debates que urge concluir, assuntos como a descriminalização do aborto, os direitos dos homossexuais, os dos deficientes, os dos emigrantes e outros excluídos do sistema -, e aposto que os livrinhos já teriam sido confiscados" (os bolds são meus).
Já li nalgum blog amigo, não me lembro já onde nem quando: não há maior intolerância do que a dos militantes da tolerância.
E na minha leitura diária do jornal vou passar a procurar uma notícia que nos fale da apreensão pela PSP ou pelo IGAE de literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver.
Extraordinário.
Contudo neste caso não resisto. E não resisto porque descobri uma preciosidade bloguística: é o l´écume des jours cuja autora amavelmente nos traduziu para A espuma dos dias. Não o vou pôr nos meus links mas já o puz nos meus favorites. Porque este blogue é lindo. É imenso. É abissal. É isso tudo na sua auto-satisfação erudita e avançada. Não será chique a valer mas é progressista a valer. Não sei quem será esta Salcêde pós-moderna mas filei-a para sempre e todos os dias a irei ler. Não sei se conhecem "O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o meu livro favorito. Tem lá uma parte onde Lampedusa descreve um momento de suprema delícia do príncipe de Salina: "não há prazer maior, mais requintado, do que ver alguém à nossa frente a realizar-se plenamente, absolutamente". E é este prazer que a autora deste blogue me proporcionou por ter escrito aquilo que hoje li. Para perceberem isto vou citar uma preciosidade desta senhora, escrita em 5 de Janeiro deste ano:
"Em Campo de Ourique, algures num cruzamento entre ruas, há um escaparate invulgar que ora aparece ora desaparece. Literatura religiosa, pode ler-se, e, noutro ponto, sirva-se. E eu, não me faço rogada e sirvo-me, sirvo-me 'à discrição'. Assim comecei uma pequena colecção de livros editados na sua maior parte nos idos de 50. Os textos, traduzidos do latim por padres portugueses, devidamente aprovados por reis e patriarcas do tempo da outra senhora (quem seria, essa outra senhora d'antanho?), têm a chancela do Depósito das Escrituras Sagradas - casa que já existiu em pelo menos dois lugares diferentes em Lisboa. Na Praça Luís de Camões e na Rua Passos Manuel - aprendi isto nas fichas técnicas dos livrinhos.
Charmes e mistérios àparte, a verdade é que desde sempre me pergunto se aquele escaparate é lícito. Será lícito, usar assim o passeio público para catequizar os transeuntes? A tolerância - essa palavra terrível - da pseudo-laica sociedade portuguesa para com as actividades directa ou indirectamente relacionadas com a Igreja, dá-me que pensar. Exibisse o escaparate literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver - status quos que impedem a evolução, coisas que inibem a passagem das sociedades a outros estádios, debates que urge concluir, assuntos como a descriminalização do aborto, os direitos dos homossexuais, os dos deficientes, os dos emigrantes e outros excluídos do sistema -, e aposto que os livrinhos já teriam sido confiscados" (os bolds são meus).
Já li nalgum blog amigo, não me lembro já onde nem quando: não há maior intolerância do que a dos militantes da tolerância.
E na minha leitura diária do jornal vou passar a procurar uma notícia que nos fale da apreensão pela PSP ou pelo IGAE de literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver.
Extraordinário.