segunda-feira, janeiro 19, 2004
Diálogos inter-religiosos : Judaísmo
Se já é bastante espessa a ignorância de muitos cristãos sobre as bases essencias da nossa Fé, então que dizer da ignorância que temos sobre a religião de onde surgiu a nossa? É bem sabido que tendo S.Paulo universalizado definitivamente o cristianisno, retirando-o da matriz judaica onde se formou, foi iniciado um longo caminho de diferenciação e de antagonismo.
Nos primeiros séculos a Igreja procurou diferenciar-se do judaísmo pois só assim poderia deixar de ser a Fé de um povo e ser uma Fé de todos os povos. A Carta a Diogneto, de que já aqui falei, dedica uma boa parte à explicação da diferença entre cristãos e judeus. Mas simultâneamente, a Igreja não rejeitou a Torah (o Pentateuco) nem mesmo a Tanakh (a Bíblia judaica) que, através da Septuaginta, tradução para grego feita por judeus de Alexandria, passou a constituir o Antigo Testamento cristão. Nele e por ele, a Igreja encontrava e mostrava ao mundo qual era o seu Deus e, sobretudo, que a vinda de Cristo enquanto Messias, enquanto sinal vivo da Nova Aliança de Deus tinha sido há muito anunciada ao mundo tal como também tinha sido anunciada a rejeição dessa Nova Aliança pelos detentores da Antiga. E essa rejeição foi usada recorrentemente para transformar diferenciação em antagonismo, tantas vezes de forma intolerável e monstruosa.
Mas do que agora venho falar é duma consequência e também causa desse antagonismo e que é a enorme nossa ignorância da matriz judaica da nossa Fé, da dívida que lhe tem o Cristianismo. É bem sabido que, sobretudo nos católicos, o Antigo Testamento, apesar de ser todos os dias lido nas missas é profundamente ignorado com excepção do Génesis, do Êxodo, talvez do livro de Job. Até há bem pouco tempo eu não via qualquer contributo desse lado para a minha Fé. Há 2 ou 3 anos contudo foi editada a primeira parte duma obra soberba pela Editora Três Sinais que era uma colecção de todos os livros da Bíblia, prefaciada por conhecidas pessoas de craveira intelectual inatacável. E foi assim que comecei um percurso, ainda muito longe de estar terminado, e que é conhecer o Antigo Testamento o que traz automaticamente a conhecer um pouco melhor a base da Fé judaica. E digo base pois para além do Tanakh há o Talmude, a Mishnah, a Kabbalah, uma imensidão de coisas que nem sequer aspiro a ver a capa e de cujo inter-relacionamento e inter-prevalência não tenho qualquer vislumbre.
Vem isto a propósito de um excelente blogue que já aqui referi, a Rua da Judiaria onde o Nuno vem fazendo um esforço sério de divulgação do Judaísmo. Eu ia dizer enquanto religião mas aqui hesito pois para mim o judaísmo é algo mais do que uma religião. Mas isso são também outras conversas.
Na semana passada houve um utilíssimo post em que o Nuno nos deu um interessante resumo do credo judaico, tão mal conhecido por nós que viemos e abjurámos dele.
Todavia há ali alguns pontos que me suscitam dúvidas e comentários.
Um diz respeito ao Messias que Nuno diz não fazer parte do Judaísmo. Mas a ideia do Messias não foi lançada por Isaías? E se avançarmos dois milénios não vemos a ideia messiânica definitivamente instalada no misticismo judaico da Kabalah, por Isaac Luria ?
Segundo li algures o judaísmo ou o misticismo judaico assimilou a crença de que as infelicidades judaicas eram sintoma de ruptura no cosmos, no qual o povo judeu é símbolo e agente activo. Enquanto símbolo, as injúrias infligidas pelos gentios são como o Mal que fere a Luz. Mas, enquanto agentes cabe aos judeus restaurar o cosmos. E, quando pela mais estrita observância da Lei, terminar o exílio da Luz, então virá o Messias, o Terceiro Templo e a redenção cósmica. Houve na história do Judaísmo (por ex. nos Sec. XVI e XVII) vários iluminados que foram acolhidos esperançadamente como Messias. Não houve também ao longo da história da Diáspora e dos seus sofrimentos e opressões um sentimento místico comum aos Judeus em que o seu sofrimento quanto mais inominável fosse mais fazia apressar a vinda do Messias?
Outro ponto que me sucitou dúvidas é o do Julgamento: “Cada pessoa é julgada com base apenas nos seus actos, independentemente de outros factores, tais como crença, etnia ou orientação sexual. Os actos de outras pessoas – quer sejam familiares, antepassados ou homens santos – são irrelevantes”. Aqui recordo-me de passagens do Evangelho em que cegos ou surdos de nascença eram vistos como seres que expiavam pecados dos pais. Pergunto assim ao Nuno: a doutrina evoluiu neste ponto ou os Evangelistas deturparam-no?
Outra questão que ainda me confunde é a da vida depois da Morte. Os judeus acreditam ou não na Vida Eterna? Tanto quanto sei, no tempo de Cristo haviam 4 correntes doutrinárias judaicas: os saduceus, os fariseus e os zelotas. Os fariseus distinguiam-se dos saduceus entre outras coisas por acreditarem que havia existência junto de Deus para além da morte. Tendo sido o farisaísmo que prevaleceu na evolução rabínica, qual é a posição actual predominante?
Há ainda uma outra reserva que faço ao Credo Judaico tal como o Nuno o colocou. Sinceramente e sem qualquer animosidade anti-judaica, que não tenho, parece-me que aquele ponto do Povo Eleito, resvalou um pouco para o politicamente correcto ao dizer que “a expressão tem sido distorcida ao ponto de se fazer crer que os judeus se julgam intrinsecamente superiores aos não-judeus. Esta leitura é completamente falsa. Os judeus são “escolhidos” apenas enquanto portadores da Mensagem (Instrução), e seus guardiões através dos séculos. Não existe qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade implicita”. Um povo que, com toda a legitimidade da Fé, se crê como “povo sacerdotal”, fiel depositário da mensagem divina e que, pelo menos nas suas correntes mais místicas, crê ter um papel de charneira na harmonia cósmica, admito que possa não se sentir superior, mas sem dúvida sentir-se-á muito especial.
Não quero ser mal interpretado: relativamente ao judaísmo sinto apenas admiração e curiosidade. Curiosidade de quem quer conhecer as verdadeiras bases da Fé que possui e que é em Cristo. E de quem quer descobrir aquilo que de essencial une as diferentes religiões.
Nesse sentido tenho esperança que a minha leitura diária da Rua da Judiaria me possa ajudar e que este post seja o início de um diálogo profícuo.
Nos primeiros séculos a Igreja procurou diferenciar-se do judaísmo pois só assim poderia deixar de ser a Fé de um povo e ser uma Fé de todos os povos. A Carta a Diogneto, de que já aqui falei, dedica uma boa parte à explicação da diferença entre cristãos e judeus. Mas simultâneamente, a Igreja não rejeitou a Torah (o Pentateuco) nem mesmo a Tanakh (a Bíblia judaica) que, através da Septuaginta, tradução para grego feita por judeus de Alexandria, passou a constituir o Antigo Testamento cristão. Nele e por ele, a Igreja encontrava e mostrava ao mundo qual era o seu Deus e, sobretudo, que a vinda de Cristo enquanto Messias, enquanto sinal vivo da Nova Aliança de Deus tinha sido há muito anunciada ao mundo tal como também tinha sido anunciada a rejeição dessa Nova Aliança pelos detentores da Antiga. E essa rejeição foi usada recorrentemente para transformar diferenciação em antagonismo, tantas vezes de forma intolerável e monstruosa.
Mas do que agora venho falar é duma consequência e também causa desse antagonismo e que é a enorme nossa ignorância da matriz judaica da nossa Fé, da dívida que lhe tem o Cristianismo. É bem sabido que, sobretudo nos católicos, o Antigo Testamento, apesar de ser todos os dias lido nas missas é profundamente ignorado com excepção do Génesis, do Êxodo, talvez do livro de Job. Até há bem pouco tempo eu não via qualquer contributo desse lado para a minha Fé. Há 2 ou 3 anos contudo foi editada a primeira parte duma obra soberba pela Editora Três Sinais que era uma colecção de todos os livros da Bíblia, prefaciada por conhecidas pessoas de craveira intelectual inatacável. E foi assim que comecei um percurso, ainda muito longe de estar terminado, e que é conhecer o Antigo Testamento o que traz automaticamente a conhecer um pouco melhor a base da Fé judaica. E digo base pois para além do Tanakh há o Talmude, a Mishnah, a Kabbalah, uma imensidão de coisas que nem sequer aspiro a ver a capa e de cujo inter-relacionamento e inter-prevalência não tenho qualquer vislumbre.
Vem isto a propósito de um excelente blogue que já aqui referi, a Rua da Judiaria onde o Nuno vem fazendo um esforço sério de divulgação do Judaísmo. Eu ia dizer enquanto religião mas aqui hesito pois para mim o judaísmo é algo mais do que uma religião. Mas isso são também outras conversas.
Na semana passada houve um utilíssimo post em que o Nuno nos deu um interessante resumo do credo judaico, tão mal conhecido por nós que viemos e abjurámos dele.
Todavia há ali alguns pontos que me suscitam dúvidas e comentários.
Um diz respeito ao Messias que Nuno diz não fazer parte do Judaísmo. Mas a ideia do Messias não foi lançada por Isaías? E se avançarmos dois milénios não vemos a ideia messiânica definitivamente instalada no misticismo judaico da Kabalah, por Isaac Luria ?
Segundo li algures o judaísmo ou o misticismo judaico assimilou a crença de que as infelicidades judaicas eram sintoma de ruptura no cosmos, no qual o povo judeu é símbolo e agente activo. Enquanto símbolo, as injúrias infligidas pelos gentios são como o Mal que fere a Luz. Mas, enquanto agentes cabe aos judeus restaurar o cosmos. E, quando pela mais estrita observância da Lei, terminar o exílio da Luz, então virá o Messias, o Terceiro Templo e a redenção cósmica. Houve na história do Judaísmo (por ex. nos Sec. XVI e XVII) vários iluminados que foram acolhidos esperançadamente como Messias. Não houve também ao longo da história da Diáspora e dos seus sofrimentos e opressões um sentimento místico comum aos Judeus em que o seu sofrimento quanto mais inominável fosse mais fazia apressar a vinda do Messias?
Outro ponto que me sucitou dúvidas é o do Julgamento: “Cada pessoa é julgada com base apenas nos seus actos, independentemente de outros factores, tais como crença, etnia ou orientação sexual. Os actos de outras pessoas – quer sejam familiares, antepassados ou homens santos – são irrelevantes”. Aqui recordo-me de passagens do Evangelho em que cegos ou surdos de nascença eram vistos como seres que expiavam pecados dos pais. Pergunto assim ao Nuno: a doutrina evoluiu neste ponto ou os Evangelistas deturparam-no?
Outra questão que ainda me confunde é a da vida depois da Morte. Os judeus acreditam ou não na Vida Eterna? Tanto quanto sei, no tempo de Cristo haviam 4 correntes doutrinárias judaicas: os saduceus, os fariseus e os zelotas. Os fariseus distinguiam-se dos saduceus entre outras coisas por acreditarem que havia existência junto de Deus para além da morte. Tendo sido o farisaísmo que prevaleceu na evolução rabínica, qual é a posição actual predominante?
Há ainda uma outra reserva que faço ao Credo Judaico tal como o Nuno o colocou. Sinceramente e sem qualquer animosidade anti-judaica, que não tenho, parece-me que aquele ponto do Povo Eleito, resvalou um pouco para o politicamente correcto ao dizer que “a expressão tem sido distorcida ao ponto de se fazer crer que os judeus se julgam intrinsecamente superiores aos não-judeus. Esta leitura é completamente falsa. Os judeus são “escolhidos” apenas enquanto portadores da Mensagem (Instrução), e seus guardiões através dos séculos. Não existe qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade implicita”. Um povo que, com toda a legitimidade da Fé, se crê como “povo sacerdotal”, fiel depositário da mensagem divina e que, pelo menos nas suas correntes mais místicas, crê ter um papel de charneira na harmonia cósmica, admito que possa não se sentir superior, mas sem dúvida sentir-se-á muito especial.
Não quero ser mal interpretado: relativamente ao judaísmo sinto apenas admiração e curiosidade. Curiosidade de quem quer conhecer as verdadeiras bases da Fé que possui e que é em Cristo. E de quem quer descobrir aquilo que de essencial une as diferentes religiões.
Nesse sentido tenho esperança que a minha leitura diária da Rua da Judiaria me possa ajudar e que este post seja o início de um diálogo profícuo.