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quinta-feira, maio 06, 2004

Fé e dúvida 2 (artesanato teológico) 

Aquele meu post sobre Tomé, a Fé e a dúvida, suscitou algumas reacções em blogues amigos, umas discordantes, outras concoradantes, todas pertinentes. E suscitou um fluxo de mails, arrastados na habitual enxurrada de spam, mails esses tendencialmente mais críticos sobre a minha apologia da dúvida, como tão apropriadamente lhe chamou o David.
Todavia a crítica mais incisiva veio de onde eu menos esperava. Veio de um comentário feito pelo João Vasco a um post da Respublica sobre este assunto. Caso não conheçam o João Vasco é um ateu convicto e militante, sendo o cronista mais lúcido do blogue dos ateus.
Vejamos o que o João Vasco disse sobre o que escrevi e que poderia ser subscrito por muitos cristãos:
«"Tomé mostra-nos que, tal como na Razão, também na Fé a dúvida tem um papel determinante no caminho da Verdade e da Luz" - Recomendo a leitura dessa passagem Bíblica, que possivelmente já não recordam com exactidão... Se bem se lembram Jesus diz que se Tomé é bem aventurado por acreditar depois de ver, melhor aventurados são aqueles que acreditaram sem ver. Não consigo conceber que tipo de distorção interpretativa foi necessária para esse revisionismo doutrinal: "Tomé mostra como a dúvida é algo positivo"??? Francamente!!!».
Vou então explicar qual é a minha distorção interpretativa.
A última ceia tal como descrita nos capítulos 13 a 17 do evangelho de S.João, é o momento espantoso em que à beira da “Sua hora de passar deste mundo para o Pai”, Jesus reúne os apóstolos e faz-lhes uma espécie de “testamento ideológico” em que por actos (o lavar dos pés, por ex.) e por palavras resume e revela-lhes o essencial da mensagem que o Pai o incumbiu de fazer chegar aos Homens. E fá-lo perante onze discípulos subjugados pela Sua palvra mas incapazes de a compreenderem. Deslumbrados pela Luz mas cegos pelo seu brilho. Embora apenas Tomé tenha interpelado individualmente Jesus, advinha-se no texto o rumor duma incompreensão generalizada quanto ao alcance total das palavras de Jesus nessa noite: “Então alguns dos seus discípulos disseram uns aos outros: Que é isto que nos diz? Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; e: Porquanto vou para o Pai?” (Jo 16, 17)
No fim Jesus pergunta-lhes “Credes agora?” (Jo 16, 31) e eles criam mas como se viu depois, e Jesus previra, eles não compreendiam. Aliás Jesus dissera-lhes que só “quando vier aquele, o Espírito de Verdade, ele vos guiará em toda a Verdade”(Jo 16, 13).
Como sabemos, só depois de terem visto Jesus ressuscitado é que os apóstolos perceberam que Ele era verdadeiramente Filho de Deus. É por isso que eu acho que Tomé, que não estava lá da primeira vez, não é menos crente que os outros. Não. Ele, que perguntara a Jesus que caminho era o Dele, era talvez um pouco mais orgulhoso do que os outros. E como não esteve da primeira vez, ressentiu-se. Achou-se por isso no direito de ter uma revelação especial, mais substancial. E Jesus, que é Deus, deu-lha. E Tomé vendo a enormidade da situação, vendo ali Deus à sua frente oferecendo-lhe simplesmente as Suas chagas, despenha-se do seu orgulho e solta aquele grito aflito que ainda hoje ecoa: “Meu Senhor e meu Deus”.
É por isso que eu sinto que Tomé, por ter duvidado e ainda assim ter visto, foi talvez aquele que melhor viu Deus, no Jesus ressuscitado que ali estava. Tal é a infinitude do amor de Deus por nós.
Atentemos agora na frase seguinte de Jesus: “Porque me viste acreditaste. Felizes aqueles que acreditam sem terem visto”. Essa é uma frase dirigida a nós todos. A nós por quem Jesus orou ao Pai na noite da última ceia: “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim” (Jo 17,20).
Nós estamos todos no papel de Tomé: não vimos. Mas, contrariamente a Tomé, não vamos poder tocar em Jesus. Porém temos mais meios para compreender a Palavra de Jesus, que felizmente chegou até nós: “Estes sinais foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” (Jo 20,31)

Quanto à dúvida e ao seu papel na Fé, fica para próximo post que este já vai longo e estou cansado.

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