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sexta-feira, maio 07, 2004

Fé e dúvida 3  

Caro João Vasco,

Não o querendo de forma alguma converter, queria contudo dizer duas ou três coisas quanto ao seu último comentário de ontem na Respublica. Tendo você lido o meu post anterior, continua a dizer que a doutrina em que acredito faz de mim um incoerente ao aceitar eu a dúvida como elemento criativo.
Ora bem. Você deve entender que a doutrina cristã é um corpo em que se hierarquizam vários elementos. Usando uma expressão que já escrevi aqui, a nossa doutrina é uma árvore com vários ramos e até com vários enxertos (!). E o elemento primordial, o tronco principal da árvore da doutrina é a Palavra de Deus tal como Jesus no-La deixou. Ora Jesus foi tolerante com a dúvida, a perplexidade, a dificuldade humana em compreender a Sua mensagem. E bom é que se entenda que a Palavra de Jesus é difícil de perceber, de aceitar, de ser vivida.
Por essa razão, e tal como Jesus aceitou a incredulidade de Tomé, é de aceitar e entender o surgimento de dúvidas e perplexidades nos crentes. Aliás, grandes doutores da Igreja, que contribuiram poderosamente para o actual corpo doutrinal cristão e católico, foram em muitos momentos assolados pela dúvida. É o caso de (em sua atenção retiro o Sto.) Tomás de Aquino, Anselmo de Cantuária, João da Cruz, Teresa de Lisieux, etc. Estes grandes crentes tiveram dúvidas, sofreram amargamente com elas, mas olharam-nas de frente e cresceram na Fé, deixando-nos obras que nos ajudam a nós crentes de hoje.
Outra coisa: eu sou um grande apologista do que disse (penso eu) Sto.Anselmo "crer para compreender, compreender para crer". É por isso que eu, tal como muitos outros crentes, vivo a minha Fé intimamente ligada à minha Razão. Contrariamente ao que classicamente é apregoados pelos ateístas, a Fé e a Razão não são inconciliáveis, são sim concomitantes: tem objectivos comuns, mecanismos comuns, coexistem no nosso cérebro.
Sendo assim, do mesmo modo que, cartesianamente, a dúvida é um instrumento da razão, também é instrumento da Fé. Concluindo, eu acho que o crente que tenha uma fé consciente e forte não deve ter medo da dúvida, não deve descartá-la e escondê-la para proteger a sua crença. Deve sim enfrentá-la, pensá-la e, com a graça de Deus, resolvê-a. Após tê-lo feito terá seguramente crescido na sua Fé.
Há ainda uma outra coisa importante mas que pouco lhe dirá pois você não é crente (digo isto sem qualquer desprezo ou paternalismo, acredite). É algo que eu próprio já considerei como sendo uma figura de estilo teológica mas que hoje sinto como uma realidade actuante: trata-se do Espírito Santo que nos foi oferecido por Deus e que será talvez Deus em nós. Quem confia no Espírito Santo não deve nunca recear a dúvida.
Termino agradecendo os seus pertinentes comentários pois suscitaram em mim reflexões produtivas.
Um abraço amigo.

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