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segunda-feira, junho 28, 2004

Nós somos filhos, não somos herdeiros 

O que me torna afim, o que me motiva, é, cada vez mais, ver um outro espírito a dizer, de forma luminosa, algo que sinto também profundamente. Aconteceu-me isso hoje de manhã ao ler o texto de ontem do Frei Bento Domingues a marimbar-se completamente para a seca polémica da referência à herança cristã na constituição europeia. Vou então citar o bom Frei Bento e citá-lo em abundância, pois o que ele escreveu é simplesmente brilhante:
No preâmbulo do Tratado Constitucional da União Europeia ficou assumida "a herança cultural, religiosa e humanista da Europa" (...) Seria ridículo, no entanto, considerar o texto do referido preâmbulo como uma derrota do cristianismo. Um enigmático trecho do Evangelho de S. Lucas, lido na Eucaristia do domingo passado, levantou-me uma questão muito elementar: que entendem por "herança cristã" quer os apoiantes quer os adversários da sua inclusão no tratado constitucional europeu? (...)Na herança de Israel, além do messianismo religioso-político, havia várias outras tendências fortemente contrastadas e em contínua mudança sobre a forma como o Messias se devia manifestar e agir. Nenhum desses modelos se ajustava, porém, à significação que Jesus imprimiu ao seu modo de agir e de falar. Nenhum deles correspondia sobretudo àquilo de que o mundo mais precisava. A partir da sua experiência do Amor infinito e do seu contacto diário com os mal-amados deste mundo, viu que era preciso alterar até à raiz a relação do homem com Deus, a relação de cada um consigo mesmo e com os próprios inimigos. Esta é a essência da sua pregação sobre o Reino de Deus: uma semente, um fermento para mudar a direcção da vida e a própria vida.
Jesus não morreu de velho, de doença ou de um acidente. Foi morto por tentar romper com os esquemas que atam os homens à lógica da dominação. Na sua morte, acompanhado pela compaixão e pelo perdão aos inimigos, abriu o caminho para a reunião de todos os filhos de Deus dispersos pela ambição, pela intolerância e pelo ódio. Introduziu na história humana o fermento de uma outra lógica: a da compaixão, do perdão e da solidariedade.
Quem, como Jesus, perde a vida para não trair o sentido da vida como dom incondicional para a alegria de todos, ajuda a transformar radicalmente o fundamento da esperança e do messianismo. O futuro não pertence àqueles que matam, mas a quem dá a vida pelos outros: quem perde, ganha; quem teima em ganhar à custa dos outros já está perdido.(...)
Para Alexksandr Men, morto na Rússia em 1990, só homens muito limitados podem imaginar que o cristianismo já está concluído. Na realidade, só deu os primeiros passos, passos tímidos na história do género humano. A história do cristianismo está sempre a começar. Tudo o que foi conseguido no passado, tudo aquilo que agora chamamos história do cristianismo, não é mais do que um conjunto de tentativas - algumas em falso, outras mal conseguidas - para o realizar.
A essência do cristianismo não é a conserva de uma herança, a salvaguarda de um passado: "Quem olha para trás depois de deitar a mão ao arado, não está apto para o Reino dos Céus", diz-nos Cristo na Missa de hoje (Lucas 9,62). Os chamados "conservadores cristãos" são os guardas ruidosos de um túmulo vazio.


Isto não pode estar mais bem visto!
Herança? Isso é o que se recebe de quem morreu...E Cristo vive ainda hoje em nós. Sendo assim falar-se em herança cristã só se percebe na boca de ateus e herdeiros, esses sim, do iluminismo...

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