terça-feira, novembro 23, 2004
Que ganda susto!
Sendo eu um leitor não-literalista da Bíblia, custa-me como custa ao meu amigo Miguel, ver crentes como nós a arremessar furiosamente versículos vetero-testamentários para zurzir na dita homossexualidade, na contracepção e em coisas assim. Até porque acho contraproducente o uso de versículos fora do seu contexto. Lembro-me de, quando eu era agnóstico, passar pelo Levítico e pelo Livro dos Números à cata de versículos escalofriantes, como se diz para lá de Badajoz. Por isso até concordo com aquilo que o Miguel diz hoje. Quero com isto dizer que aquilo que penso dos homossexuais não se baseia na Bíblia e varia enormemente de indivíduo para indivíduo. E do que penso deles não vou falar aqui, não interessa a ninguém.
O coordenador do PortugalGay considera que a Bíblia ofende todas as perspectivas do ponto citado da Constituição e cita como exemplo algumas das passagens, como o versículo 25:44 do Levítico, que em sua opinião apoia a escravidão. De acordo com o coordenador do PortugalGay, além da discriminação contra homossexuais, outras passagens bíblicas defendem a discriminação com base na deficiência (Levítico 21:17), a pena de morte (Deuteronómio 17:2), desprezo pelos direitos da mulher (Deuteronómio 24:1) e a intolerância religiosa (Deuteronómio 12:2).
Ou seja: este homem fatal quer declarar a inconstitucionalidade da Bíblia ! Tremendo já perante as incalculáveis consequências deste facto fui logo fazer algo que nunca fiz até aqui: ler o nosso texto fundamental.
Já desesperava quando encontrei um artigo salvador para nós cristãos. Bem sei que irão dizer que é um expediente formal e não substancial. Mas não interessa. Funciona e salva-nos a todos! Estou a falar naturalmente do:
Artigo 282.º
(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
Ora lá está: a Constituição é toda ela posterior à Bíblia. Ora, assim sendo, produzindo efeitos apenas a partir da sua entrada em vigor, este artigo singelo liberta então a Bíblia da sua revogação!
Louvado seja Deus nosso Senhor! Louvada seja a Virgem, raínha e padroeira de Portugal, que vela ainda e sempre por nós!
Desta vez parece que nos safámos. Até quando?