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segunda-feira, junho 27, 2005

Bruscamente, no Domingo passado 

Todos nós que fomos baptizados em Jesus Cristo fomos baptizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, para glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova. (Rom 6,3-4)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim. Quem encontrar a sua vida há-de perdê-la; e quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. (Mt 10,37-39)

Domingo, ontem ao fim da tarde, após fim de semana preenchido. Resolvemos que sim, que temos de ir à missa. Desembocamos numa perto de casa, às sete da tarde. Paróquia antiga, igreja lindíssima. Entramos atrasados, no meio da milionésima tentativa coral dum coro vetusto. Os miúdos põe-se logo a rir mas calam-se logo perante o olhar severo da mãe e severíssimo do pai. Entretanto reparo que presidia à missa o prior daquela freguesia, um padre velho conhecido, um veterano pastor e um santo varão, que sempre muito bem pregou mas sempre foi mal escutado por mim, distraído que sempre fui por um excessivo histrionismo oratório, uma dessas coisas minúsculas que me afastam tantas vezes da Palavra. Escutei uma senhora a ler a Carta aos Romanos e ele a ler o Evangelho, isto na expectativa de como ele iria desenvencilhar-se daqueles trechos difíceis – tal é a minha persporrência de crente! Mas ele desenvencilhou-se melhor do que bem. De repente escutei-o a dizer algo como isto:
Nós Igreja, somos infelizmente uma comunidade de crianças baptizadas, crianças baptizadas sem terem tido escolha ou consciência. Não é inteiramente mal que assim seja pois, sem o entender plenamente, acredito na eficácia do sacramento em si mesmo. O mal é que assim o permaneçamos: apenas como crianças baptizadas. Fomos baptizados sem consciência do que isso significa e crescemos sem adquirir essa consciência. Aqueles que de nós baptizam os seus filhos fazem-no quase todos sem essa consciência. Pensamos vagamente que o Baptismo nos lava da crosta do pecado original, ainda que não saibamos bem o que é isso. O que nunca pensamos nem percebemos é aquilo que Paulo nos diz: «Todos nós que fomos baptizados em Jesus Cristo, fomos baptizados na sua morte.» Não percebemos nem queremos perceber que o baptismo liga toda a nossa sorte de vida à vida que Cristo teve e ofereceu por nós. Não percebemos, porque não queremos perceber, a nossa responsabilidade de baptizados, não queremos tomar uma cruz e seguir Cristo e, como somos todos boa gente, não invocamos razões fúteis para isso. Invocamos sim o pai e a mãe e o filho e a filha pois, sendo bons cristãos, somos todos bons pais e somos todos bons filhos. E por isso este trecho de Mateus que vos li é remetido para a gaveta daqueles a serem interpretados à luz dos usos desse tempo. Não, digo-vos eu, este trecho é para vocês que estão hoje aqui, é também para os que nem sequer aqui vieram. Este trecho diz-nos que, apesar dos pais e dos filhos, podemos, devemos e temos que fazer muito mais do que fazemos, temos que pegar na cruz, temos de oferecer uma parte boa da nossa vida e oferecê-la a Cristo, oferecendo-a precisamente aos outros que não são nossos pais nem são nossos filhos!"
Quando ele quase que rosnou o assim seja! e se atirou ao Credo, fiquei um bocado sentado na cadeira, atordoado com tudo aquilo que ouvi, surpreendido por ter sido tão surpreendido, tocado por aquilo se me aplicar tão bem. E antes que isto me esqueça e eu regresse à minha doce letargia católica, achei bem pôr isto aqui por escrito. Há coisas que têm mesmo de ficar registadas em acta.

Umas horas mais tarde ouvi na televisão uma cariátide do regime a falar de pontapé na nuca, já não sei a propósito de quê. Pois eu cá já tinha levado um nesse dia.

sexta-feira, junho 24, 2005

Crónica dum bom malandro 

A língua portuguesa é, bem se sabe, um bocado limitativa. Queria explicar-vos como ando, explicar-vos porque ando tão calado. E para explicar isso e como me sinto, só me ocorre um termo inglês: rough. Ando pois rough. Traduzindo mal: ando endurecido. Não endurecido com os meus, os lá de casa, que esses continuam a espantar-me todos os dias com o seu amor persistente, com uma identidade que me lisonjeia mas sobretudo com uma alma própria, bem melhor do que a minha, umas almas todos os dias cada vez mais únicas, que me fazem sentir um pobre homem bafejado por uma sorte tão desmedida quanto imerecida. Por esses, os lá de casa, eu devia saír de lá, todos os dias de manhã, de alma grata e de alma grande. Por esses, os lá de casa, eu devia de lá saír, todos os dias de manhã, pronto a repartir ao menos um pouco daquilo que recebi. Por eles, eu devia ser com outros pelo menos um pouco do que sou ou tento ser com eles, quando com eles estou.
Mas assim não é: ando endurecido, rough, apesar de parecer contente. Nesta vida que agora tenho e que, todavia, não é assim tão diferente daquela que tinha antes, nesta vida de agora renasceram em mim instintos antigos, antigamente tão prezados e cultivados, instintos de sobrevivência e de afirmação, instintos guerreiros e matreiros. Instintos que a iminência de desastres humilhantes, a par com uma fé redescoberta, foram afastando do meu coração mas que agora regressam, indesejados mas indiferentes a isso. Uma competitividade atávica mas também aprendida e reaprendida, reacorda em mim, vigorosa, excitante, esterilizante. Nas minhas 9 to 5 que são agora mais 9 to 9, ando hiper-atento, hiper-activo, hiper-reflexivo, hiper-reactivo. A adrenalina, vício de que nunca me libertei, segrego-a agora continuamente em doses bem repartidas pelo correr dos dias. Busco uma excelência de per se, busco objectivos há muito desejados mas acessíveis apenas lá bem ao longe, pois é de corridas de fundo que eu gosto mais. Mind games, brincadeiras de crescidos, coisas sem valor.
Mas, claro está, como diz e bem o sábio Ecclesiastes, tudo isto é vaidade das vaidades, que me consome tempo e espírito, que assim me desespiritualiza, que me desumaniza perante os que não são do meu círculo próximo. Já percebi que é isto o que explica o silêncio do Espírito Santo, que se calou em mim, dolorosamente. É isto que me inibe de escrever coisas que mereçam ser escritas aqui, onde jurei jamais escrever algo sem o sentir verdadeiramente. E, sobretudo, é isto que me tornando desmerecedor da fé e das bençãos que tenho, é isto me envergonha perante Deus. E enquanto não descubro em mim a humildade de Lhe saber pedir que me ilumine e me encaminhe de novo a Ele, peço-Lhe que, com a sua misericórdia inaudita, vá manifestando a Sua presença nos que vivem ao meu lado, nas coisas que leio aqui e ali, num entrever de atitudes e sentimentos que se oferecem gratuitamente, sem nada esperar em troca, em exemplos de renúncia num mundo de querença e ganância. E que um dia de novo, o mais rápido possível, eu volte a caír em mim.

sexta-feira, junho 17, 2005

comentário/post de desagravo - alles klaar! 

Calma aí, ó arquitecto! Para já quem é que disse que eu não gostei, hem? Discordei, isso sim, o que é diferente. É que até gostei que levantasses a questão. Mas esclareçamo-nos:
1) porque é que fiz um post e não fiz simplesmente um comentário ao teu: é que tenho a minha curta (mas muito boa) clientela a reclamar à brava sobre a minha fraca produtividade. Assim, agora logo que algo ecoa no meu vácuo espiritual, pumba: post!
2) dizes que o Tim não te levou a mal: claro, pois se ele até anda a tentar perceber o Papa!
3) dizes que apontei a ilicitude da tua comparação. na senhor: mencionei apenas que, eventualmente, se não levarem a mal, e desculpem qualquer coisinha, a dita seria um tudo nada simplista.
4) falas das minhas críticas, que não te afectaram. Ainda bem, porque não eram críticas: eram também elas uma tentativa de reflexão sobre o que tu escreveste a propósito das adesões que um crente como é o Timshel e um crente como era o Cunhal, fazem a doutrinas e a práticas em nome dessas doutrinas.
5) e era esse o meu ponto: uma coisa é a tendência de nos encostarmos à doce sombra duma doutrina, outra coisa inteiramente diferente é aceitar todas as práticas feitas em nome duma qualquer doutrina.
6) eu também sou dos que acham que a blogosfera pode e deve ser um espaço análogo a um café, particularmente com gajos fixes como tu. Nem que às vezes possa parecer uma taberna...e que o seja também!
7) (e já me calo) quanto ao PS, realmente entendi-o daquela maneira, mal portanto. Daí uma sugestão para ti: arranjas um blogue paralelo, tipo "nür im deutsche sprache", que eu tenho aqui a trabalhar ao lado uma frau que podia ir lá de vez em quando, para me ajudar nos temas mais difíceis.

A meus braços, pá!

Interrupção voluntária do pensamento 

Caríssimo Lutz,

Li com alguma perplexidade a tua analogia Timshel-Cunhal. É claro que o nosso comum amigo Timshel não precisa de advogados de defesa, sobretudo se são engenheiros, mas ainda assim venho dizer-te que me parece que esta tua comparação me parece demasiado simplista. Senão vejamos:
- o Timshel, católico atento e empenhado, confrontado pela aparição dum papa que, ainda que tenha sido guardião da ortodoxia, sai completamente fora do mainstream do pensamento do povo católico europeu, tenta perceber melhor o pensamento de Bento XVI, tentando encontrar pontes com ele. E fá-lo, penso eu, por duas razões: porque a entidade Papa tem para nós católicos algum significado teológico de per se, e porque o Tim, como bem o sabes, tenta sempre perceber o ponto de vista do outro. Por outro lado, todo este esforço de ductilidade do Tim se mantém no campo da doutrina que não o da prática, campo onde ainda pouco ou nada se pode dizer. Agora, por absurdo, se o Vaticano decidisse anexar a República de S.Marino estou certo que veríamos o Timshel a trovejar contra Bento XVI!...
- o Cunhal ao defender a invasão da Checoslováquia, não estava a defender a doutrina oficial do PCUS, estava antes a defender a sua prática que, como concordarás, ia completamente contra essa doutrina. E aí está o meu ponto:
- uma coisa é navegar no seio de uma doutrina oficial que, na nossa humildade de crentes, achamos poder ter elementos orientadores para nós; outra coisa totalmente diversa é avalizar cegamente uma prática que pode ser até o maior perigo para a nossa fé (um ex: a cobertura dada pela hierarquia católica americana aos padres pedófilos)
Só para terminar, uma nota pessoal: mais perigosa ainda que a pulsão de aproximação a um qualquer pensamento oficial exterior a mim, é o endeusamento acrítico e cristalizador do meu próprio pensamento, o que muitas vezes é fonte de escravidão e não de libertação.
Termino com um naco de duplipensar orwelliano: submissão é força, convergência é liberdade!
Espera aí que afinal não é assim que termino. Com que então pedes, no teu P.S., "antecipadamente desculpas ao Timshel no caso de ele me assegurar que não existe, da sua parte, nenhuma vontade de aproximação ao pensamento do Papa."? Mau! Esse teu P.S. é que já cheira a PCUS! Então a tua "incapacidade de participar activamente num movimento ideológico seja qual for, partido ou igreja" implica a não aceitação da atitude de pertença que o Tim escolheu ter? Não acredito que tu penses assim. Deve ter sido da tradução...

quinta-feira, junho 16, 2005

O melhor blogger português vivo 


quarta-feira, junho 15, 2005

Um ano depois eis o 2º post a 15 de Junho 

Je te sais bien qui pleures
pour noyer de pudeur
mes pauvres lieux communs

(J.Brel)

Bom é então que continues sem me leres por aqui, posso assim dar largas à minha prosápia inane sem pensar naquilo que tu me dirias. Pois iria fatalmente pensá-lo, como penso sempre pois eu, o 'telepata', verdadeiramente nunca soube adivinhar bem aquilo em que tu pensas. É certo que dizes o mesmo de mim mas eu cá acredito hoje que tu já há muito tempo percebeste o padrão do meu esquema mental. Aliás, ainda bem que não estás a ler isto.
Mas, mesmo sabendo que não me estás nem me irás ler, desta vez vou ser breve, como tu gostas que se seja. Pois apenas quero falar-te daquilo que, parece-me, descobrimos um dia destes. Nem tu nem eu falámos nisso mas soubemos então que percebemos ambos uma coisa. Uma coisa sobre nós. Nada de novo, nada mais típico, nada mais vulgar mas, ainda assim, reconfortante. Percebemos ambos finalmente que tu não vais mudar e eu também não. Percebemos que doravante é assim que seremos um com o outro: assim como sempre fomos. E, sobretudo, percebemos que ainda bem que assim é! Ao fim de 14 anos não é mau que assim seja...
Logo à noite tenho de te falar nisso.

coincidências 

A 101ª Aerotransportada aguentou Bastogne contra os panzers de Von Rundstet. A 101ª edição da Terra trouxe mais um grande texto do Carlos Cunha.

segunda-feira, junho 13, 2005

O ano dos centenários. 

2005 tem sido assim. Centenários de nascimentos e mortes. Publicações e inaugurações. Emmanuel Mounier. Rafael Bordalo Pinheiro. Museu Nacional dos Coches. República dos Galifões. Hans Christian Andersen. D.Quijote de la Mancha. Ligação ferroviária Lourenço Marques-Pretória (via Ma-Schamba). Júlio Verne. Pablo Neruda. A Noruega! Henry Fonda. Publicação da Teoria da Relatividade. Jean Paul Sartre. A 1ªreunião do Grupo de Bloomsbury. Guerra Russo-nipónica. Uma infinidade de efemérides... Mas hoje, meus caros amigos, um outro centenário para mais tarde recordar: a centésima edição da Terra da Alegria. Oficiado e bem pelo Afonso, Conceição e Zé Filipe.

segunda-feira, junho 06, 2005

Crisis? What crisis? 

Decididamente este país que é o nosso é um país patusco. Patusco e previsível. Descobrimos agora, surpreendidos e afrontados, que pela enésima vez na nossa História, estamos em crise, numa crise profunda, estrutural, sombria, sem solução à vista. Segue-se um texto sempre a descer.

Assim de repente fomos mais uma vez acordados do nosso doce ripanço por uma série de descobertas inauditas: que temos um défice monstruoso, que quase tudo o que consumimos é importado, que quase nada produzimos e que aquilo que ainda produzimos está sob forte ameaça de ser deslocalizado, que durante esta prosperidade em que pensámos viver, todos aqueles que se souberam mexer conseguiram regalias, isenções, regimes especiais, prebendas, coisas que parece que são direitos adquiridos, ou seja tão inamovíveis quanto a Serra da Estrela. Descobrimos que os magros recursos que produzimos se esvaem todos não sabemos bem como ou pior: não sabe o governo bem como! Descobrimos, aterrados, duas coisas terríveis: que aqueles que nos governam e tem governado não tiveram nem tem ideias claras sobre como nos tirar desta enrascada e, pior ainda, que desta vez parece que a situação é de tal maneira má que nos vai directamente ao bolso, a nós, os quase todos que já nos tínhamos habituado a uma vida pelo menos boazita ainda que as mais das vezes a crédito. Sim, sim, desde que se nos abriram os cofres da Europa, desde que um primeiro-ministro qualquer criou um novo rácio económico – os milhões de portugueses no Algarve durante a Páscoa – e nos disseram que o consumo era a panacéia para o crescimento, nós temos feito patrioticamente a nossa parte. E se a igualitarização dos rendimentos pareceu sempre ser uma utopia ultrapassada, já a igualitarização do consumo, essa já nos pareceu possível, com uma ajudinha, claro, da nossa moderníssima banca mailas suas agências imaculadas e os seus impecáveis private bankers. E se consumimos, caramba! Esgotámos várias vezes a capacidade hoteleira do Brasil, renovámos e duplicámos a nossa frota automóvel, primeiro em leasing e agora em renting. E que bela frota ficou (a automóvel, não a de pesca, coitada dessa!): GTI´s, TDI´s, BM´s, Classe E´s, lindos, reluzentes, pretos, com estofos de pele, GPS e DVD! Claro que nos ficam pelos olhos da cara, às vezes com a prestação mais cara do que a da casa, mas porra pá, lá para casa não convidamos ninguém e o gozo que nos dá ir a assapar desde a A1 à A28, a impressionar os pategos como nós, o gozo que nos dá, às nove da noite, quando estacionamos a máquina na praceta! E temos dado assim a nossa ajuda adicional e patriótica à nossa economia: afinal é o IVA, o IA, o ISC, tudo direitinho para o Estado que vela por nós. E não se pense que é só viagens e carros, não senhor. Há os plasmas, umas televisões achatadas que dá para pendurar na parede, embora a imagem seja assim um bocado distorcida e granulada isso não interessa nada, até parece que dá um gozo maior ver a Manela Moura Guedes. Há também as playstations, os computadores, os mp3, as roupas de marca, tudo isso sobretudo para os putos, que é uma forma excelente de os calar e entretêr, que ninguém tem paciência para os aturar.
É claro que, durante estes anos, houve sempre por aí uns gajos, uns chatos tipo Medina Carreira, a dizer que isto não era sustentável, que se estava a criar um monstro, que quanto mais consumíamos pior isto ficava, que o endividamento das famílias (e que tem eles a ver com as nossas famílias???) já era maior do que o nosso rendimento. Apareceu entretanto também aí um gajo mal encarado, um ex-maoísta reciclado, vejam bem, a dizer que estávamos todos de tanga. Mas a malta não ligou, vimos logo que o homem não estava a falar a sério, o que ele próprio veio logo a demonstrar. Quando ele se pirou, ficámos a pensar em porque teria sido mas apareceu logo o outro a animar a malta, pois afinal as crises parece que são psicológicas ou lá o que é. E bem nos animou esse outro tipo, animou até demais, pois já diz um colega meu uma coisa mais ou menos assim: em política não é preciso ser sério, é preciso parecê-lo.
Foi por isso que votámos todos neste novo gajo, pois aquilo a continuar como estava ainda ainda acabava mal, ainda nos lixava as reformas, nos lixava já as próximas férias que já estão marcadinhas, sim senhor!
E é no meio disto tudo, que nos aparece agora o novo homem, sério, seriíssimo, a dizer que isto está mesmo mal, que está mesmo pela hora da morte. E vai daí, parece que vão aumentar os impostos, mexer nas reformas, nas pensões, nos subsídios, um horror! E como é costume quando parece faltar o pão, zangam-se as comadres e sabem-se as verdades. Então não é que na função pública, não tem todos as mesmas regalias? Parece que se foram criando uns estatutos especiais a torto e a direito. E parece que há senhores que acumulam pensões com reformas e reformas com vencimentos, que a gente nem sabia nada disso, senão também tínhamos querido entrar no esquema.
Mas enfim, a coisa parece estar mesmo complicada e de Bruxelas vem menos cheta e há agora uns países em que o pessoal é como nós éramos há 20 anos atrás mas que são uns fura-vidas que nos vem lixar ainda mais porque em vez de, como até agora, virem trabalhar para cá nas obras e coisas assim que a nossa gente já não quer fazer, agora fazem muito pior: agora levam-nos as nossas fábricas lá para a terra deles!
De maneiras que a coisa parece que está preta: os patrões fogem, o desemprego aumenta, os juros parece que também vão aumentar, do gasoil já nem se fala, os preços vão ter mais IVA, vamos receber menos limpo ao fim do mês. E o que nos vale é que os chineses que nos fecham as fábricas, em troca mandam para cá uns produtos baratíssimos, que vai ser assim que a malta vai auguentar a prestação do jipe!
Para falar verdade, temos ainda uma esperançazita de que estes gajos não estejam a falar completamente a sério pois já sabemos como são estes políticos, que gostam de brilhar mas é no fim dos mandatos. E a malta não é parva, já começámos a topar aí as tretas do costume: que isto vai ser faseado, que as pessoas não vão sentir assim tanto, que as coisas só começam mais a sério lá para o ano que vem, que os direitos adquiridos são sagrados, que é preciso analisar melhor certas coisas. Vai-se a ver isto fica em águas de bacalhau e este nosso país vai-se desenrascando, como sempre se desenrascou. E é bom que assim seja, que ninguém nos queira retirar esse direito sagrado que nos resta, o direito de consumir, porra!
Mas há uma coisa que, essa sim, nos irrita à brava. É que estes tipos falam do buraco das contas públicas, do défice enorme, da crise da economia, de todas essas coisas falam, falam e falam. Mas o que ninguém nos explica é como chegámos a esta situação! Essa é que é essa!

PS: irritei-me um bocado ao escrever este texto. Sobretudo ao pensar que alguns de nós, não poucos até, passaram completamente ao lado dessa dourada era do consumo que já lá vai sem regresso. Esses que já estavam mal, continuarão a estar ainda pior. Esses sim, são os únicos totalmente isentos de culpa nisto tudo. Esses são os que não deveriam pagar por toda esta porcaria que andámos a fazer nestes anos todos.

sexta-feira, junho 03, 2005

O Guia pelos seus leitores (1) 

(a minha afonia espiritual prossegue, persistente. afonia bloguística também, mas não é isso que mais me preocupa, excepto talvez pelas 30 ou 40 pessoas que vem aqui em vão, diariamente. assim sendo, resolvo pegar numa ideia abrupta e ir pondo aqui coisas enviadas por leitores. começo obviamente, necessariamente, pela Conceição, com um texto de Boff por ela enviado e que muito agradou a este anónimo e egocêntrico José, que verdadeiramente eu sou)

São José: patrono dos anónimos

Por mais de vinte anos pesquisei sobre S. José nas melhores bibliotecas do mundo. Disso resultou um livro de tamanho considerável - São José, a personificação do Pai - que pessoalmente considero, pela idade que já tenho, o meu "nunc dimitis" (minha despedida) de uma reflexão dogmática-sistemática sobre a vida cristã.
Como todas as coisas, assim também José, além do lado visível de artesão, esposo, pai, educador possui um outro invisível, ligado ao Mistério que ganhou uma das expressões singulares no caminho de Maria, de Jesus e dele mesmo. No livro tento mostrar que ele significa a personificação do Pai, assim como Jesus é do Filho e Maria, do Espírito Santo. Esse discurso vale apenas para os cristãos. Não abordarei esta espinhosa questão. Restrinjo-me àquilo que todos podem compreender, independentemente da fé que professem.
São José é uma figura na sombra. Não deixou nenhuma palavra, apenas teve sonhos que, não sem dificuldades, acatou e seguiu. Não sabemos nem quando nasceu nem quando morreu. Apenas que, corajoso, levou para casa uma rapariga grávida e assumiu o menino impondo-lhe o nome de Jesus. Depois enfrentou com a família a perseguição de um monarca sanguinolento, fugiu para o exílio e, na volta se escondeu numa vilazinha no norte, em Nazaré. Iniciou o filho nas tradições religiosas de seu povo e lhe transmitiu a profissão de artesão-carpinteiro. Dele se diz que era um homem justo. Depois sumiu sem deixar sinal. Apenas os apócrifos (livros tardios não aceitos pela Igreja oficial) sabem muito de José mas de forma fantasiosa e, por vezes, ridícula. Até referem que, viúvo com seis filhos, casou com Maria aos 93 anos, ficou com ela 18 anos e morreu com 111.
São José nunca teve centralidade na Igreja. Somente depois de 800 anos apareceram os primeiros sermões sobre ele. Só em 1870 foi proclamado patrono da Igreja Universal, não pelo próprio Papa, mas por um decreto da Congregação dos Ritos. Nos anos 60 o Papa João XXIII inseriu seu nome no cânone da missa.
Essa invisibilidade de São José não é sem sentido. Funda uma espiritualidade bastante esquecida pelo crstianismo oficial. Neste são os papas, os bispos e os padres que ocupama cena, falam e têm visibilidade. Mas existe um poderoso cristianismo popular, quotidiano e anónimo do qual ninguém toma nota. Nele vive a grande maioria dos cristãos, nossos pais, avós e parentes que tomam a sério o evangelho e o seguimento de Jesus. São José, pelo seu anonimato e pelo seu silêncio se insere aí dentro. Mais do que patrono da Igreja Universal é patrono da Igreja doméstica, dos irmãos e irmãs menores de Jesus. Ele é o representante da "gente boa", da "gente humilde", sepultados em seu dia-a-dia cinzento, ganhando a vida com muito trabalho e levando honradamente suas famílias pelos caminhos da honestidade. Orientam-se mais pelo sentimento profundo de Deus que por profundas doutrinas teológicas sobre Deus. Para eles, como para José, Deus não é um problema mas uma luz poderosa para os problemas.
Foi neste ambiente que Jesus cresceu. Sua relação com José a quem chamava pai, deve ter sido tão íntima que serviu de base para sentir a Deus como "Paizinho querido" (Abba) e nos transmitir essa experiência libertadora. Isso já é suficiente para sermos eternamente gratos a ele.

Leonardo Boff

quarta-feira, junho 01, 2005

Terra firme 


prova de vida 

Num destes domingos, na missa das 19h30 em Sta.Isabel, um coro magnífico cantava espiritualizando uma prática dessa vez desinspirada. Foi então que ouvi de novo as palavras melhores de Sto.Inácio de Loyola num cântico sem igual:

Tomai Senhor e recebei
toda a minha liberdade,
a minha memória,
a minha inteligência
e toda a minha vontade,
tudo o que tenho e possuo.
Vós me destes,
e a Vós, Senhor, o restituo.
Tudo é Vosso;
disponde de tudo inteiramente,
segundo a Vossa vontade.
Dai-me o Vosso amor e graça,
que esta me basta.

Que oração pode ser melhor do que esta?

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