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segunda-feira, setembro 18, 2006

ai islândia, islândia 

Como muito bem diz o Cbs , já não há pachorra para estes gajos. Cada vez que alguém, no Oriente ou no Ocidente, exerça em voz alta um pouco de consciência crítica sobre o Islão, aparecem-nos logo na televisão e nos jornais turbas e turbas de mirmidões façanhudos ameaçando de coisas tenebrosas os blasfemadores até à sua sétima geração bem como os seus vizinhos até ao décimo quarteirão. Mesmo admitindo como certos o habitual empolamento pelos media destas eflorescências de fervor islâmico, bem como o habitual empolgamento da rua islâmica pelos pregadores de esquina, começa realmente a ser irritante ver, por coisas mínimas, tanta veste rasgada, tanta alma afrontada, tanta retórica esganiçada. E mais irritante ainda é ver o ar timorato com que, para cá do Jordão, se observa toda esta agitação muçulmana. E ver que, como sempre, se gosta de invocar cretinices de fora para aqui se acertarem contas em mora.
Tivemos por exemplo, debaixo do Sol, o lúcido e venerando Miguel Portas, habitualmente tão secular e fracturante, aconselhando desta vez prudência ao azougado Papa Bento, sussurrando que «não estamos em altura de atirar lenha para a fogueira». Porque será que este varão, que invoca sempre que pode as fogueiras da Inquisição extintas já há 250 anos, não arremete bravamente a apagar essas novas fogueiras que esses outros crentes querem agora acender? Será que aje assim por delicada atenção aos possuidores de acções da BP ou de fundos do JP Morgan, que teme ver afectados patrimonialmente pela incontrolável agitação árabe? Não será certamente por isso. O Miguel, como muitos, prefere ver o argueiro no olho do seu vizinho de patamar do que tudo o resto: a trave no seu próprio olho e a viga nas mãos do cobrador que anda arrufado com esse vizinho. Não é defeito, é feitio...
Muito pior, fui surpreendido ontem no Telejornal RTP pelo bom Frei Bento Domingues, que habitualmente me apascenta aos Domingos no Público, e de quem retenho sempre uma suave e honesta maneira de ser cristão e católico. Já se sabia que Frei Bento mantém uma longa e áspera desavença de cariz teológico mas também profissional com o Cardeal Ratzinger. Mais áspera ainda pela natural razão de ser unilateral – tanto quanto sei nunca as heterodoxas opiniões do Frei Bento (com muitas das quais concordo, aliás) foram punidas ou censuradas pela hierarquia ontem vigiada e hoje encimada pelo Papa Bento. Pois tive muita pena em constatar ontem a evidência de que o ressentimento provocado por essa desavença anda a tolher o discernimento do Frei Bento quando fala do Papa Bento, agora a propósito da inflamada reacção de auto-denominadas vozes autorizadas do Islão à sensata lição de Ratisbona. É que o Frei Bento, excitadíssimo, disse-nos coisas extraordinárias que vou tentar transcrever. Que a Igreja não pode permitir que o seu Papa se pronuncie sobre estes assuntos tão delicados! Que o Papa não falou como Papa mas como professor, esquecendo-se talvez de que era Papa! E finalmente, inevitavelmente, que o Papa que invoca agora a violência original do Islão é o mesmo que como Prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé abafou a Teologia da Libertação! No meio de tudo isto, que admito estar a citar imperfeitamente, lá ia dizendo que concordava absolutamente com Bento XVI sobre a incompatibilidade entre a violência e a Fé. Foi triste.
Sobretudo porque logo a seguir, já não sei em que canal, pude assistir a um qualquer ayatollah iraniano, com o usual look patibular, trovejando que «o que o papa devia fazer era prostrar-se diante dum alto clérigo islâmico para assim compreender finalmente o que é o Islão!» (sic). Touché! E andam o Papa e o Vaticano, à rasquíssima, a dizer (aliás com razão) que tudo aquilo foi mal interpretado, que tinha sido o imperador Miguel II Paleólogo, há 600 anos, que falou sobre o tal mandamento de Maomé de impor ao mundo a sua fé, nem que seja pela espada. E que lamentam imenso a perturbação causada nas almas dos crentes muçulmanos, e vem agora aquele poderoso homem de Deus confirmar que é assim mesmo, sim senhor, que mais do que desculpas o que aquela gente exaltada verdadeiramente quer é submissão, a Deus e sobretudo a eles, seus representantes na Terra.
E o mais triste, para mim adepto incondicional do diálogo entre religiões, admirador das saudosas civilização e mística islâmicas, não sabendo embora o que representa esta tenebrosa gente nessa realidade tão fluida como é o Islão, o mais triste é relembrar que a matriz fundadora do Islão foi de facto um movimento político e militar liderado por um grande místico mas também um grande político que consegiui unificou a Arábia e fez com que ela conquistasse mais tarde metade do mundo – foram as suas espectaculares vitórias militares que convenceram Meca de que Deus, o Senhor dos Exércitos, estava verdadeiramente com ele, o seu Profeta. Hoje, milénio e meio depois, já depois do islamismo se ter tornado e ter deixado de ser um catalizador civilizacional, já depois do cristianismo ter embarcado e desembarcado dessa sacrílega teoria da guerra santa e ungidora, vê-se gente tão tremendamente estúpida a seguir estrepitosamente numa deriva desumana e por isso, contra o Deus que tanto invocam.
Mas mesmo o mais triste de tudo foi eu ter encontrado consolação apenas nas palavras de Vasco Pulido Valente, essa irritante Cassandra profissional. Vale a pena citá-las, do Público de ontem:

O papa já lamentou o equívoco mas não pediu desculpa. Nem pelo incidente, fabricado pelo fanatismo e a ignorância, nem pelo teor geral da conferência de Ratisbona. Ratzinger insistiu que a fé não é separável da razão e que agir «irracionalmente» contraria a natureza de Deus. (...) desde o princípio (desde Orígenes, por exemplo) se construiu sobre a fé cristã um dos mais sublimes monumentos à razão humana e que o Ocidente, apesar da «Europa», não existiria sem ele. A fé muçulmana não produziu nada remotamente comparável e, durante quinze séculos, sustentou uma civilização frustre e parada. A conferência de Ratisbona reafirmou a essência do cristianismo. Se o Islão se ofendeu, problema dele.

Ugh.

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