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sábado, novembro 29, 2003

Prémio da melhor oração escrita por um fundador de ordem religiosa 

Vai para os Jesuítas:

Tomai Senhor e recebei
toda a minha liberdade,
a minha memória,
a minha inteligência
e toda a minha vontade,
tudo o que tenho e possuo.
Vós me destes,
e a Vós, Senhor, o restituo.
Tudo é Vosso;
disponde de tudo inteiramente,
segundo a Vossa vontade.
Dai-me o Vosso amor e graça,
que esta me basta.


(Sto.Inácio de Loyola)

quinta-feira, novembro 27, 2003

Diogneto, outra vez, numa só frase 

"Tão nobre é o posto que Deus nos atribuiu,
que não nos é possível desertar dele
".

(respondendo a alguém)

quarta-feira, novembro 26, 2003

Perder a Fé ou sair da Igreja? 

Há tempos dizia o Tiago, com a sua habitual perspicácia, que os protestantes "quando não estão bem mudam-se". Ou seja, acrescento eu, mudam de Igreja, criam uma Igreja nova, seja o que fôr, mas em princí­pio não perdem a sua Fé.
Com os católicos as coisas já não são assim tão simples. Para muitos de nós a nossa Igreja é parte integrante da nossa Fé. A Igreja Católica parece ter ela própria identidade teológica. Como obra de Deus, entrou na ordem sobrenatural das coisas. Quase que diria ao nível da Santíssima Trindade. Que os integristas me perdoem mas não resisto: para muitos católicos a Igreja faz parte de uma espécie de T3+1. Isto faz com que muitas vezes as tensões entre a forma como os católicos sentem e vivem a sua Fé e a actuação, a doutrina, a prática da Igreja Católica, acabem por causar tremendas crises de Fé. Parece que um católico, se não está bem com a sua Igreja não tem por onde fugir a não ser acabar por perder a sua Fé.
Vem isto a propósito de um interessantí­ssimo post do Religionline trancrevendo uma entrevista de Laura Ferreira dos Santos sobre o seu livro "Diário de uma Mulher Católica a Caminho da Descrença - I", livro esse que decididamente vou comprar.
Nessa conversa julgo perceber o factor crí­tico que levou a Laura a perder a Fé. Diz ela: "No fundo, talvez a minha maior dificuldade no caminho da descrença seja o facto de continuar a aceitar a maior parte ou a totalidade dos ensinamentos evangélicos, mas sem conseguir aderir ao Deus para que se julga remeterem, aparecendo-me a Igreja Católica sobretudo como um clube para homens, legitimando de diversos modos o papel inferior da mulher na sociedade.", " Neste Diário, a temática religiosa, entendida num sentido muito amplo, aparece perspectivada tendo em conta a situação da mulher e o modo como o "religioso" intervém nela","Penso que Cristo foi um grande defensor das mulheres, mas a sua (?) Igreja não conseguiu manter-se ao mesmo ní­vel. Pela voz da Igreja católica e de outras religiões continua a manifestar-se um antigo horror à  mulher que, (...) pode quase configurar uma espécie de crime contra a humanidade".
Ou seja, a legítima revolta da Laura quanto à  postura da Igreja Católica perante a mulher fê-la afastar da Igreja. Como para ela, tal como para muitos católicos, a Igreja enquanto corpo apostólico, é pilar da Fé, esse afastamento implicou a perda da crença em vez da adesão a outra Igreja Cristã ou não Cristã onde a questão da mulher esteja eventualmente melhor resolvida.
É de facto uma pena. E é algo que tenho enorme dificuldade em perceber. Quem quiser pode clicar aí nos meus arquivos de Outubro e ler um post de 16 de Outubro sobre o Papa e a infalibilidade papal. Disse aí e reafirmo hoje, que as divergências de opinião que tenho com várias práticas e doutrinas da Igreja Católica, de hoje e de ontem, causam muito pouca perturbação à minha Fé. Causam muito pouca perturbação à  minha condição de Cristão e Católico. Há-de haver por a­í quem diga que no fundo eu não sou Católico, que sou um relativista moral impenitente. Humildemente, acho que não.
Para mim um católico que não esteja de bem com a sua Igreja, não precisa de se mudar e muito menos de perder a sua Fé. Quem não está bem, tem ainda muito por onde se agarrar. Só é preciso confiar mais em Cristo, entregar-se mais a Ele, viver em Seu nome.
A Igreja hoje já não lança anátemas aos seus fiéis que dela divergem em determinados assuntos. Custar-nos-á assim tanto a nós Católicos sermos tolerantes com certas coisas que não entendemos, com que não concordamos?



terça-feira, novembro 25, 2003

Ondas 

Este novo link, dedico-o ao meu cunhado ZP Skate. Também para ele as ondas eram prova de que Deus existe e o surf era a sua liturgia. Também ele dizia que "quando fecho os olhos, e não penso, é isso que vejo. Um mundo perfeito, de coisas simples. A espera, a água à minha volta, o sal frio na cara e as ondas perfeitas".
Hoje, mesmo que ele me possa ouvir, não perceberá talvez esta dedicatória. Que Deus lhe dê hoje a paz de espírito que antes lhe dava através das ondas. Um grande abraço para ele.

Nós os (primeiros) cristãos 

A nossa doutrina não procede de qualquer teoria simplesmente humana.
Nós vivemos todos como de passagem.
Toda a terra estrangeira é nossa pátria
e toda a pátria nos é estrangeira.
Somos de carne, mas não vivemos segundo a carne.
Habitamos na terra, mas a nossa cidade é o Céu.
Obedecemos às leis estabelecidas, mas o nosso modo de vida supera as leis.
Amamos toda a gente e toda a gente nos persegue.
Tudo nos falta e tudo nos sobra.
Somos desprezados, mas no desprezo encontramos a nossa glória.
Amaldiçoam-nos e nós abençoamos.
Praticamos o bem e somos castigados como malfeitores.
Ao sermos executados, alegramo-nos como se nos dessem a Vida.

Numa palavra:
Os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo.
A alma habita no corpo, mas não provém do corpo;
Nós habitamos no mundo, mas não somos do mundo.
A alma ama o corpo e os seus membros, mas o corpo odeia a alma;
Nós amamos aqueles que nos odeiam.
A alma está encerrada no corpo, mas contém o corpo;
Nós encontramo-nos detidos no mundo como num cárcere,
mas somos nós que contemos o mundo.
A alma imortal habita numa tenda mortal;
Nós vivemos como peregrinos em moradas corruptíveis,
esperando a incorruptibilidade dos céus.

Tão nobre é o posto que Deus nos atribuiu,
que não nos é possível desertar dele.


(Carta a Diogneto)

A Deus 

«A Deus, ninguém jamais O viu» nem conheceu;
foi Ele próprio que Se manifestou.
E manifestou-Se mediante a fé, único meio de ver a Deus.
E quando concebeu o Seu grande e inefável desígnio,
comunicou-o unicamente ao Seu Filho Unigénito.
Enquanto mantinha oculto para Si o desígnio da sua sabedoria,
parecia abandonar-nos e esquecer-Se de nós.
Mas quando o revelou por meio do Seu amado Filho
e manifestou o que tinha preparado desde o princípio,
ofereceu-nos tudo de uma vez para sempre:
participar dos Seus benefícios, ver e compreender.
Oh imensa bondade e amor de Deus para com os homens!
Não Se deixou dominar pelo ódio contra nós,
nem nos rejeitou, nem Se vingou.
Pelo contrário, suportou-nos com magnanimidade;
na Sua misericórdia, tomou sobre Si os nossos pecados
e entregou o Seu próprio Filho como preço da nossa redenção:
o Santo pelos iníquos, o Inocente pelos culpados,
o Justo pelos injustos, o Incorruptível pelos corruptíveis,
o Imortal pelos mortais.
Ele começou por, ao longo dos tempos passados,
demonstrar à nossa natureza a sua impotência
para obter a vida por si própria;
agora mostrou-nos o Salvador,
que tem o poder de salvar mesmo o que não podia ser salvo.
Por estes dois meios Ele quis, então, que viéssemos a ter fé na Sua bondade,
e viéssemos a ver n’Ele Aquele que nos alimenta,
um Pai, um Mestre, um Conselheiro, um Médico,
a Inteligência, a Luz, a Honra, a Glória, a Força, a Vida.
Porque Deus amou os homens: para eles criou o mundo,
e lhes submeteu todas as coisas que estão sobre a terra;
deu-lhes a razão e a inteligência,
e só a eles permitiu que elevassem o olhar para o céu;
Ele os formou à Sua imagem e semelhança,
e enviou-lhes o Seu Filho Unigénito,
prometendo-lhes o Reino dos Céus,
que dará aos que O tiverem amado.
Com toda a clemência e doçura, tal como um rei envia o rei seu filho,
Ele O enviou não como o Deus que Ele era,
mas sim como convinha que Ele fosse para os homens,
para os salvar pela persuasão, não pela violência,
porque não há violência em Deus.
Ele enviou-O para nos chamar para Ele, não para nos acusar:
enviou-O porque nos amou, não para nos julgar.
E quando O conheceres, que grande alegria encherá o teu coração!
Como amarás Aquele que te amou primeiro!
Amando-O, serás um imitador da Sua bondade,
e não te espante que um simples homem
possa tornar-se um imitador de Deus:
se Deus quiser, ele pode verdadeiramente!
Tratar mal o próximo, querer dominar sobre os mais fracos,
ser rico e usar de violência a propósito dos inferiores
não traz a felicidade;
não é assim que podemos imitar Deus, muito pelo contrário:
esse actos são estranhos à majestade divina.
Mas aquele que tomar sobre si o fardo do próximo
e que, naquilo em que tiver qualquer superioridade,
beneficie outro menos afortunado,
aquele que dá àqueles que necessitam dos bens que ele detém
– por os ter recebido de Deus –
tornando-se assim como que um deus para os que recebem esses bens,
esse é verdadeiramente um imitador de Deus.
Foi para isso que o Verbo foi enviado:
para que Se manifestasse ao mundo,
Ele que, desprezado pelo Seu povo,
foi pregado pelos Apóstolos e crido pelas nações.
Ele, que era desde o início, apareceu como se fosse novo e foi encontrado antigo,
e renasce sempre jovem no coração dos santos.
Eterno, é hoje reconhecido como Filho.
Por Ele, a Igreja enriqueceu-se,
a graça derramou-se e multiplica-se nos santos,
conferindo inteligência, desvelando os mistérios,
revelando a repartição dos tempos;
ela alegra-se por causa dos fiéis,
ela oferece-se àqueles que a procuram.


(Carta a Diogneto)

A Carta 

Da Carta a Diogneto tiram-se coisas lindíssimas, essenciais. Ao lê-la sinto a minha Fé próxima da Fé daqueles que foram os primeiros cristãos. Sinto que Deus vela para que a Verdade revelada pelo Seu Filho continue à nossa mão. Sinto que Deus quer mesmo a nossa salvação. Sinto absolutamente que tenho de partihar isto com quem me lê aqui. E isso é o que vou fazer, desde já, nos dois próximos posts. Aquilo que vou publicar são trechos ligeiramente adaptados em termos de ordem, de estilo e, sobretudo, de métrica. Quem quiser lê-la na íntegra, o que recomendo vivamente, pode fazê-lo aqui e ali.
A leitura deste texto cristão primitivo, descoberto só em 1423 em Constatinopla, objecto de uma única tradução e do qual existe uma única versão, é uma oportunidade rara para conhecermos a forma como os cristãos de há 1800 anos percebiam a sua Fé. Quem o ler ficará certamente surpreendido com a semelhança que existe com a visão teológica actual, pós Vaticano II. Para mim essa semelhança é mais uma prova para que Deus, ciente das inevitáveis falhas humanas da sua Igreja e dos seus fiéis, vela sempre para que a mensagem de Cristo possa perdurar, tal qual ela é.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Novamente o pecado original 

Há já algum tempo fui violentamente verberado por um leitor atento, pelo facto de "ter ousado pôr em causa a concepção agostiniana do pecado original". Posso dizer que foi o primeiro hatemail teológico que alguma vez recebi...são as novas tecnologias ao serviço do anátema.
Desde então tenho procurado não só recompôr-me como também encontrar alguma base teológica para a minha concepção desse pecado, a qual me parece tão simples que só pode ser verdadeira.
Um texto de Frei Bento Domingues pôs-me finalmente na pista duma tal Carta a Diogneto, considerada uma jóia da literatura cristã primitiva, segundo alguns datada de 200 DC, escrita por um cristão de Alexandria, ou seja 200 anos mais próxima da Revelação original do que Agostinho.
Vou dedicar ao referido e zeloso leitor a transcrição do capítulo XII - A verdadeira ciência:
"Aproximai-vos, ouvi docilmente, e sabereis tudo aquilo que Deus outorga àqueles que O amam verdadeiramente. Eles tornam-se um jardim de delícias; uma árvore carregada de frutos, com seiva vigorosa, cresce neles, e são assim ornados dos mais ricos frutos. Porque é esse verdadeiramente o terreno onde foram plantadas a árvore da ciência e a árvore da vida; mas não é a árvore da ciência que mata: é antes a desobediência que o faz. Porque não é sem razão que foi escrito que Deus, no início, plantou no meio do Jardim a árvore da ciência e a árvore da vida, mostrando-nos na ciência o acesso à vida. Os primeiros homens, que não souberam usá-la bem, foram colocados nus pela impostura da serpente. Porque não há vida sem ciência, nem ciência certa sem a vida verdadeira: esta é a razão pela qual as duas árvores foram plantadas uma junto da outra. O Apóstolo viu bem este sentido quando, acusando a ciência que se exerce sem obedecer aos preceitos de vida dados pela Verdade, disse: «A ciência incha, mas o amor edifica». Porque aquele que crê saber qualquer coisa sem a verdadeira ciência, aquela de quem a vida dá testemunho, não sabe nada, na verdade: a serpente engana-o porque ele não amou a vida. Mas aquele em quem a ciência é acompanhada de temor e que procura ardentemente a vida, esse planta na esperança e pode esperar frutos. Que a esperança se identifique com o teu coração; que o Verbo da verdade, recebido em ti, se torne a tua vida. Se esta árvore crescer em ti e se desejares o seu fruto, não cessarás de recolher o que se costuma receber de Deus, aquilo que a serpente não soube esperar nem a impostura pôde infectar. Eva já não é mais uma seduzida, mas permanecendo virgem, proclama a sua fé. A salvação mostra-se, os Apóstolos compreendem, a Páscoa do Senhor aproxima-se, os tempos cumprem-se, a ordem cósmica estabelece-se, o Verbo compraz-Se em ensinar os santos, e por Ele o Pai é glorificado, e a quem seja dada glória pelos séculos dos séculos."
Fico muito mais descansado...

Ai, Padre Tolentino... 

Não sei porquê, apetece-me dedicar o evangelho de hoje ao nosso companheiro secreto:
Lucas 21,1-4
"Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas e disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver."

Vida e morte entre nós 

No Público de Sábado, por entre as habituais erupções de ódio, de horror, de estupidez pura empunhando agora cadeados, da inanidade absoluta em que vamos mergulhando todos, encontro num artigo de Bárbara Wong, um sinal de esperança, esperança no meio de um cenário de morte. Vou citar, com admiração e respeito:
"No quarto principal, em cima das mesinhas de cabeceira e na esquina do guarda-fatos há pequenos ambientadores que digladiam o seu cheiro com o da doença, que está entranhado nas paredes pintadas de rosa-velho. Desde que o pai adoeceu, Luí­s Mendes, 35 anos, tem a casa "de pantanas". "O tempo é pouco" e Luí­s não consegue dar conta do recado porque primeiro está o bem-estar do pai, Fernando Mendes, 74 anos, deitado numa cama articulada. (...)Foi há oito anos que Fernando teve um tumor no cérebro e perdeu todos os movimentos do lado direito do corpo. Entretanto, os médicos diagnosticaram-lhe um outro no recto. Depois foram dois enfartes, no final do ano passado e no início deste.(...)Luí­s voltou à  casa paterna no Verão, para cuidar do pai, e está atento a tudo: sabe de cor o nome dos medicamentos e quando é preciso muda ele mesmo o penso que o pai tem junto ao recto. "O senhor Luí­s é um superenfermeiro! O senhor tem aqui um filho... É um grande homem!", atira Isabel Neto. Os olhos de Fernando mudam, segura a mão da médica e a custo ergue a cabeça para dizer com a voz trémula: "Eu sei, senhora doutora, eu sei!" (...)Antes, Luí­s, solteiro, saí­a com os amigos; agora, "É ir para o trabalho e voltar para casa". Ao fim-de-semana prepara as refeições para os outros dias. Diariamente, acorda às cinco da manhã, para deixar o pai arranjado e dar-lhe a medicação antes e depois do pequeno-almoço. Às 7h20 já está a subir a Calçada de Carriche, em direcção ao Lumiar. Volta a descê-la ao meio-dia para vir dar o almoço ao pai e, se não tiver muito trabalho na oficina, fica por casa, para lhe fazer companhia. (...)Enquanto está no trabalho, a cabeça de Luís está em casa, onde deixa o pai sozinho. "E se ele tem alguma coisa e ninguém o pode socorrer? Ele atende o telefone, mas já não consegue marcar os números..."(...)Fernando adora conversar, mas evita fazê-lo com o filho. Nem sequer diz a Luís como se sente. "Mas eu sei que está cheio de dores. Só pelos sinais, sei. Ele diz-me que está bem, mas eu sei que está em sofrimento. Se está na cama e não se quer levantar, é porque está mesmo aflito", angustia-se o filho. "Ele sabe o filho que tem e não quer preocupá-lo, quer protegê-lo", contrapõe Isabel Neto."
Vinha isto no meio duma reportagem sobre cuidados paliativos, onde uma ministra canadiana dizia com sabedoria que "a maioria das pessoas não tem medo da morte, mas da forma como irá morrer".
Abençoado sejas Luí­s. Quando o teu Pai for encontrar-se com o Amor de Deus pode dizer-Lhe que já foi por ti muito amado, tanto que, durante um período, tu lhe restituistes a vida que ele te tinha dado. Graças a ti o teu pai irá ter com Deus mais inteiro na sua integridade, mais grato pelos dons que recebeu, dos quais tu não és certamente o menor. Graças a ti o sofrimento pôde menos contra a alma de teu pai que vai assim mais limpa, mais redimida. Graças a ti o teu pai vai morrer com muito menos medo pois, contigo, teve já um antegosto do Amor Eterno que o espera. Abençoado sejas Luí­s.
É bom encontrar assim alguém que ama como Cristo quer que amemos: com a entrega de nós próprios.

quarta-feira, novembro 19, 2003

Silêncio que se escuta 

Caríssimo CC,
Quem, como você, ama tanto o próximo, deve custar-lhe ver que a graça da Fé não foi a todos dada. Custa-lhe, como a mim, ver a aridez irredimível resultante da sua falta. Bem sei que esta não é doutrina da nossa Igreja, mas acredito profundamente que Deus quer que a possibilidade da Fé exista para todos nós. E que nós crentes temos toda a responsabilidade para tornar real esta possibilidade oferecida por Deus. Continuemos pois.
Dedico-lhe a si mas, bem entendido, não só a si, a seguinte oração:

Ó Deus infinito e incognoscível
Quem quiser aproximar-se de Ti,
deve elevar-se acima de qualquer limite,
de toda a finitude.
Para Te ver,
a inteligência deve fazer-se ignorância,
e estabelecer-se na obscuridade.
Somente pode aproximar-te de Ti
aquele que sabe que Te ignora
.


(Nicolau de Cusa)

Diálogos intra-religiosos 

Caro Pedro,
Fiquei feliz com o seu mail pois sei assim que me continua a visitar e a sua visita é daquelas que me honram. Honra-me porque vejo bem que a sua Fé é uma Fé exigente, difícil. Você pretende assumir a palavra de Cristo na sua integralidade. Não desvia o olhar das partes duras e difíceis de entender. Não relativiza nem contemporiza. Não procura conforto, procura Verdade. Acho isso digno da maior admiração.
Como você já deve ter percebido, eu, aqui como em tudo na minha vida, sou daqueles que procura o caminho mais suave para o destino que escolhi. Sempre gostei mais de velejar do que de remar. Isto, obviamente, retira grandeza à minha Fé mas a minha natureza profunda é mesmo esta e não senti ainda um apelo forte do Espírito Santo para a mudar. Recordo-me sempre de Jesus a dizer-nos que “o meu jugo é leve”.
Penso contudo que a Palavra de Cristo é tão rica, tão complexa, tão cheia de coisas contraditórias na aparência mas coerentes na essência, que é naturalíssimo haver uma infinitude de abordagens à mensagem revelada. E é excelente que elas se possam discutir com honestidade, com serenidade, com a noção absoluta de, como você diz e bem, sermos irmãos na Fé, unidos pelo elo fundamental que é Jesus Cristo.
Gostaria apenas de lhe comentar duas coisas.
Uma é sobre o risco de abdicarmos da evangelização e da sua incompatibilidade com a comunhão inter-religiosa. Aí a minha posição é, como sabe, diferente. Longe já vai o tempo da evangelização em que os arcabuzes e as bíblias iam pelo Mundo de braço dado a difundir a Boa Nova. Para mim, evangelizar hoje deve dirigir-se mais aos incréus que vivem ao nosso lado do que aos crentes de outras paragens e outras religiões. Quanto a estes, evangelizar hoje passa mais por tentar conhecer e compreender as suas Fés, por encontrar pontos de encontro e por conseguir mostrar que a mensagem de Cristo também se lhes aplica do mesmo modo que elementos da Fé dos outros também se nos podem aplicar. Penso que isto é possível sem desvirtuarmos a nossa religião nem a dos outros. Se pensarmos bem, não terá sido isto um pouco o que S.Paulo fez, ao universalizar o cristianismo judaico?
A outra é sobre a natureza humana e as perspectivas optimista e pessimista sobre ela. É bem verdade que o Mal existe em nós. Mas há alguma dúvida que Deus nos ama como Seus filhos? Sendo assim, é porque o Bem, decorrente da natureza divina que há em nós, também em nós existe.
Um último apontamento. Diz o Pedro que “não são os preceitos expostos por Cristo que salvam, mas a Sua pessoa”. Eu não sei se isto é boa doutrina ou não, mas para mim a Pessoa e Palavra de Cristo são uma e mesma coisa. Veja João 1,14: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”.
Um grande e fraternal abraço.

Efémero? 

Gosto da quinta coluna. Nos blogues colectivos é costume aparecer aquele horroroso hábito, bem português, de "se um diz mata o outro diz esfola". Ali não. Ali há posições antagónicas que são discutidas com uma veemência que às vezes roça a violência. Mas no fim parece vencer sempre a amizade entre eles, uma amizade cujo altar é normalmente uma mesa de restaurante, uma amizade cuja liturgia parece ser gastronómica. À amizade eles sacrificam o cordeiro e depois comem-no. Ainda bem.
Vem isto a propósito de um post de AR ,que parece ser de direita quando CC é de esquerda e que parece ser ateu quando CC é católico.
AR diz várias coisas interessantes e engenhosas: que "a ideia de a minha vida não ter nenhum propósito maior não me perturba", que "acho uma certa graça à ideia de que aqui estou como todas as criaturas que conhecemos: para crescer, para me reproduzir e para morrer. Como aconteceu a todos os que vieram antes de mim e como acontecerá a todos os que vierem a seguir", que "sou, por isso e em definitivo, a medida de mim próprio, porque em mim começo e em mim termino". E, last but not the least, "o resto,..., são construções do consciente para recusar o efémero da nossa existência".
Curiosamente, já em tempos idos, pensei exactamente assim. Nessa altura, não muito remota, achava eu que a fé em Deus era uma resposta do homem à sua perplexidade perante a morte, a finitude. O homem, com a sua grandiosa ideia de si próprio, não podia aceitar nem o facto de ser efémero nem o facto de, como todas as criaturas estar entregue a si próprio neste mundo agreste. Como tal necessitou da ideia da vida eterna, do Além, de Deus. E assim apareceram as Religiões. Ponto final. Parágrafo.
Esta ideia satisfez-me intelectualmente durante os anos finais da minha adolescência, início de vida adulta. E um dia, de repente, deixou de me satisfazer.
Porquê? Não tive propriamente uma sarça ardendo diante de mim. Foi antes um conjunto de acontecimentos, de leituras, de experiências pessoais que mudaram completamente a minha relação com a Fé e me tornaram crente em Deus e em Cristo, Deus encarnado entre os homens.
Já agora posso dizer que durante este meu período de ateísmo esclarecido e divertido, eu continuava a ir regularmente à missa: eram os amigos, as miúdas, os meus pais que assim não me chateavam, etc. Tudo razões profundas...
Lembro-me bem dum certo domingo em que o Evangelho do dia era a célebre parábola do filho pródigo (Lucas 15, 11-32):
Jesus disse: Um certo homem tinha dois filhos; E o mais novo disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. E, tendo ele gasto tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a sofrer de necessidades. E chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos. E desejava encher o seu estómago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e sandálias nos pés; E trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi encontrad. E começaram a festejar. O seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. Chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Voltou teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele ficou indignado, e não queria entrar. E, saindo, o pai instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos; Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.
E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas; Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e foi encontrado
”.
Nesse domingo, por qualquer razão dispus-me a escutar a leitura do evangelho em vez de ficar a olhar para a assistência, para os azulejos, para a talha dourada, para o fantástico friso de velhas do coro. Escutei dessa vez e fiquei perplexo. Para mim a atitude do irmão mais velho era de toda a justiça. Era a coisa mais humana possível, era exactamente a forma como eu reagiria. Andei tempos às voltas com isto. Cheguei a achar que o objectivo dos Evangelhos era tornar-nos num rebanho de ovelhas, que aceitam e perdoam todas as injustiças. Mas acabei por discernir neste texto algo de sobre-humano. Achei que nos estava a pedir algo superior à nossa natureza. Só mais tarde percebi que aquilo significava uma metáfora da relação de Deus com os homens.
Percebi mais tarde que o que Cristo nos veio dizer foi que Deus era, não o nosso Senhor, mas sim o nosso Pai e que, como tal, nos ama como Seus filhos, da mesma maneira como nós amamos os nossos filhos. Foi nessa altura que entendi o significado metafísico das palavras do Génesis segundo as quais fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Descobri então em mim próprio, algo da minha natureza que não é meu, que não vem da minha natureza material de homem. Progressivamente, insensivelmente, ganhei consciência da minha alma inserida no meu Eu mas a ele não pertencente. De igual modo o comecei a descobrir nos outros.
Percebi então que a parábola do filho pródigo é um apelo, não a que sejamos justos, mas sim a que tenhamos uma grandeza de coração que, mais do que humana, é divina. E descobri que essa grandeza é possível em nós, precisamente porque temos na nossa natureza algo que nos transcende, algo que provém de Deus, algo que Lhe é consubstancial, a Alma. A aspiração à justiça é algo de profundamente humano; a aspiração ao Amor, universal e incondicional, é algo que nos vem de Deus e que está depositado na nossa Alma.
Foi assim o início do meu percurso de Fé, foi assim que voltei a ser Cristão, irremediavelmente e incondicionalmente. Depois disto, muito li, aprendi, reflecti, compreendi. Mas disso já dirá o AR que são construções do meu consciente.
O que lhe queria no fundo dizer, meu caro AR, é que no meu caso, como no de muitos outros, não é o conforto da vida eterna que me fez crer em Deus. Já aqui disse que embora nela acredite não a exijo. O que aspiro, como filho de Deus, é regressar ao Pai, ver o Seu rosto.
Como S.Tomás de Aquino, eu só peço a Deus:

uma inteligência que O conheça,
uma angústia que O procure,
uma sabedoria que O encontre,
uma vida que O agrade,
uma preserverança que O espere,
e uma confiança de que O possua, enfim!”


Caro AR, o Efémero a mim também não me assusta porque eu percebo que ele não é menos do que as infinitas cambiantes do Eterno.
Note bem que não estou aqui para converter ninguém. Só pretendo suscitar-lhe dúvidas tal como você as suscitou em mim.
Um abraço para si, para CC e LR.

terça-feira, novembro 18, 2003

Mais um, companheiro 

Assisti, praticamente em directo, ao nascimento de mais um blogue. Conhecendo as outras produções do Fernando Macedo, fico a aguardar com espectativa os primeiros sinais deste radar.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Ser paciente 

Diz o meu vizinho que não é ecuménico mas sim paciente. Realmente e pensando bem, a paciência devia ser, ela própria, uma das virtudes teologais. Pois não deve ser paciente a Fé? Não deve ser paciente a Esperança? Não deve ser paciente a Caridade?

O nosso papel 

Caríssimo CC,
Estaremos nós aqui transpondo para a blogosfera os antigos usos epistolares dos primeiros cristãos? Seria engraçado e proveitoso ver católicos, evangélicos, presbiterianos, pentecostais, etc. a discutirem aqui a sua Fé e a chegarem de novo à grande conclusão de Agostinho: "unidade no essencial, liberdade no acessório, amor em tudo"! Terí­amos apenas que evitar profilaticamente o terrível odium theologicum, que deitaria por terra todas as nossas boas intenções.
Quanto ao seu excelente post e concordando com tudo o que você escreve, eu diria que a Boa Nova de Jesus é sobretudo uma mensagem de Vida, com tudo o que ela comporta. É anúncio de alegria porque ensinando-nos a nossa condição de Filhos de Deus e de irmãos uns dos outros, nos ensina a retirar de tudo o que nos aconteça, de bom e de mau, a nós próprios e ao nosso próximo, um incentivo mais para nos aproximarmos do Pai. A mensagem de Cristo não glorifica o sofrimento mas ensina-nos a transformá-lo em algo de positivo, de redentor. Pega na experiência do sofrimento e anula-o, transformando-o em fonte de Vida para nós e para os outros. Esse é para mim o significado profundo da paixão e morte de Cristo.
Concordo absolutamente que não basta à Igreja e aos Cristãos explicar isto àqueles que sofrem. É necessário apontar as injustiças do mundo, apontar a dedo aqueles que fazem sofrer, apelar à  consciência das pessoas, estar do lado dos últimos entre os últimos. Agora este estar ao lado não significa para mim envolver a Igreja nos meandros da política profana onde, como bem sabe, é tão fácil perdermos de vista as causas que para lá nos levaram.
Estar ao lado dos últimos é mesmo estar ao lado deles. É ficar de mão dada a alguém que está a morrer sozinho, é apertar a mão ao arrumador toxicodependente que nos arranjou um bom lugar, em vez de lhe atirar de longe um eurito. É ouvir o próximo que chora, é chorar também com ele.
Caro amigo e irmão, o que eu quero dizer é que para além da enorme responsabilidade moral, social e política que nós Igreja temos, existe um outro aspecto que tantas vezes é menosprezado e até ridicularizado, mas que é infinitamente mais difí­cil, mais exigente do que clamar contra as injustiças. É a chamada caridade, a acção social, que tantos acham ser um mero paliativo mas que é imensamente mais do que isso. Num mundo em que tão fácil é comunicar, protestar, clamar contra a injustiça, felizes são os nossos irmãos que, sem alarde, só por amor, estão junto das vítimas, dos excluí­dos, dos últimos.
Mais não digo porque reconheço, envergonhado, que também aí não vivo de acordo com as minhas convicções e responsabilidades de cristão.


Compreender 

Senhor,
Não pretendo conhecer a Tua essência,
nem conhecer todos os Teus atributos,
pois a tanto a minha inteligência não pode aspirar.
O que desejo é compreender a Tua Verdade,
esta Verdade na qual crê o meu coração,
esta Verdade que o meu coração ama.
Não busco compreender para crer,
mas creio, sim, para compreender.
Creio, porque se não cresse,
não chegaria nunca a compreender
e, meu Deus, como quero compreender-Te!

(inspirado numa leitura de Sto.Anselmo de Cantuária)

Boa vizinhança 

Receava já que o vizinho do mar tivesse zarpado para outras paragens. Afinal parece que não. Ainda bem.

sexta-feira, novembro 14, 2003

Paz (Octavio) 

Esta é a Inês de que eu gosto. Em paz, com Paz: "Ler para outros, como leio à Inês contos infantis, o seu corpo pequenino sobre o meu, o meu, o seu trono, o seu calor, a sua casa, (...), sentir que vejo o rosto de Deus, Lhe sinto o toque, nesses instantes."

Salvação vs. Revolução 

Como CC bem notou, eu tenho efectivamente alguma "admiração pelos comunistas, pela sua honestidade, pela dignidade de homens que lutaram toda uma vida por um ideal que os transcende". Custa-me vê-los aviltados, troçados e menosprezados pelo facto de os seus ideais se terem dissolvido pela sua mera impossibilidade. Sobretudo porque os seus maiores crí­ticos, que estão na Esquerda e não na Direita, teriam sido os primeiros a saudar os amanhãs que cantam se, porventura, eles tivessem mesmo cantado.
Porém, a minha admiração e simpatia tem sobretudo a ver com o facto de neles sentir o ethos do verdadeiro crente: acreditar sem ver, acreditar mesmo que tudo, no mundo e no homem, pareça a desmentir aquilo em que se acredita. Tem a ver também, com o facto de que nos verdadeiros comunistas, tal como nos verdadeiros crentes, a sua fé parece fazer aumentar a sua dignidade, a sua rectidão moral, como diz CC, "uma vida impoluta, o trabalho sem cansaço, uma fé sem desânimo, a infalibilidade, a perfeição, a santidade". Claro que há muito comunista que não o é ou foi verdadeiramente, mas sim por razões espúrias ou por mera rotina. Também assim acontece com muitos cristãos.
Contudo, embora entenda bem a posição de CC, a mim a minha Fé não me faz aproximar da Esquerda. Não me faz querer tranformar o Mundo.
Ou melhor, faz, mas de um modo totalmente diferente. O que os comunistas quiseram foi mudar o mundo, mudar a sociedade para então mudar o homem, por forma a que os ideais da justiça, da fraternidade, da igualdade, da felicidade comum, pudessem prevalecer. Mas o homem não mudou, pois não queria mesmo mudar. Por causa deste facto extraordinário, criou-se a ditadura do proletariado, os gulags e outras práticas que perverteram totalmente o sentido profundo do comunismo.
Agora a religião, a Fé, estas não pretendem mudar o mundo. Cristo dizia: "o meu reino não é deste mundo", "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". O fim último da religião é mudar o homem, mudar cada homem, para assim ser possível a sua salvação. Para mim é mudando os homens em primeiro lugar, que se pode mudar o mundo. Se o meu percurso na Fé me mudar e me aproximar de Deus e se isto for visível para as pessoas que me rodeiam, estarei então a dar a minha contribuiçãoo, se calhar a única possí­vel, para mudar o mundo.
Há algo profundo que me afasta da esquerda e que é a atitude perante o sofrimento neste mundo. É hoje a opinião do mainstream que este deve ser eliminado, que a sociedade, solidária, tem obrigação de varrer o sofrimento das pessoas, qualquer que ele seja. Quanto a isto a minha opinião é radicalmente diferente. Peço desculpa mas vou citar um post meu anterior:
"Há algo que é essencial na Fé Cristã e que é cada vez mais difícil de entender para larguí­ssimas franjas da nossa sociedade: a atitude perante o sofrimento. Toda a gente hoje acha que o sofrimento humano pode e deve ser evitado. É opinião generalizada que a Fé Cristã acha, de forma conformista, que o sofrimento faz parte da vida e portanto deve ser tolerado. Como tal os cristãos, ou melhor a Igreja, é acusada de servir de travão contra o progresso humano pois não luta contra todas as formas de sofrimento.
Acontece porém, que a Fé Cristã, originada de alguém que aceitou dar a vida por nós, alguém que apesar de Filho de Deus aceitou sofrer para nos salvar, tem também como mensagem essencial a noção de que o sofrimento, sendo muitas vezes inevitável, pode ser redentor, pode ser criativo, pode tornar-nos melhores, pode aproximar-nos de Deus.
Claro que esta noção é escandalosa nos tempos que correm, particularmente para a Esquerda, generosa que é na sua natureza, mas o facto é que, se não crermos nisto, o sofrimento que nos pode acontecer a todos e de tantas maneiras, tornar-nos-á seguramente piores, mais miseráveis, mais sofredores
".
Uma outra coisa: para mim a responsabilidade individual de cada um de nós não pode nem deve ser diluível na responsabilidade da sociedade perante nós. Isto também me separa dos ideais de Esquerda.
Seja como fôr, meu caro CC, a sua forma de encarar a Fé no Mundo é infinitamente superior, por ser mais ética e por ser mais difí­cil, do que a daqueles que você aponta: "os que aceitam e se calam perante a injustiça do mundo, os calculistas que tiram dividendos das desigualdades sociais, os que se abrigam no conforto da indiferença". Aí concordo totalmente consigo
Um grande abraço para si.


quinta-feira, novembro 13, 2003

Parêntesis 

Contra os meus hábitos vou aqui fazer uma espécie de desabafo pessoal.
Este blogue significa para mim muitas coisas. Uma delas é o escape. Escape momentâneo a uma vida profissional pesada, insana. É uma espécie de corredor que se vai apertando cada vez mais, apesar da saída estar visível lá ao fundo. É uma luta em que se eu perco a esperança, isso seria dramático para as dezenas de pessoas e famílias sob a minha responsabilidade. Por isso o desespero não é opção para mim. Nesse sentido a minha Fé tem sido fundamental: para manter a serenidade, para conseguir relativizar, para conservar o optimismo, para acreditar que a solução é possível, para manter a minha humanidade.
Este blogue permite-me que, durante o dia, por alguns momentos, o meu espírito se possa elevar para outras esferas, para outras questões. Não só assim me consigo abstraír da dura realidade que me rodeia durante o meu dia de trabalho, como muitas vezes recupero a esperança, o bem estar.
Qualquer tipo de comparação é completamente abusiva e desajustada, mas hoje rezo uma vez mais como aquela nigeriana em Missnanga:
Meu Deus,
Livra-me do medo.
Livra-me da frustração.
Deixa-me chegar ao meu destino.


quarta-feira, novembro 12, 2003

Ainda Missnanga 

Peço desculpa a quem me visita, mas o meu último post deixou-me embatucado. Depois de ter lido e escrito sobre aquela grande reportagem do Paulo Moura (jornalista de quem nunca tinha ouvido falar) nada do que tenho para escrever aqui me tem parecido relevante. Continuo a pensar naqueles homens e mulheres que se escondem em tocas na mata de Missnanga. Continuo a pensar no pastor Isaías que, ele sim, pode dizer-se apostólico. Continuo a pensar na oração daquela rapariga na missa em Missnanga. É uma oração tão sintética quanto verdadeiramente universal:

Livra-me do medo.
Livra-me da frustração.
Deixa-me chegar ao meu destino.


Parece não haver limites para a miséria humana e para o Mal. No entanto e com a ajuda de Deus, é sempre possível o Homem reencontrar a sua própria dignidade. Da miséria absoluta pode surgir a verdadeira grandeza.

Graças a Deus.

segunda-feira, novembro 10, 2003

Dignidade 

A Pública ontem estava imparável. Li também um magnífico artigo de Paulo Moura sobre o calvário dos nigerianos às portas de Tânger, em condições absolutamente miseráveis e à mercê de tudo e todos, longamente à espera da passagem para a Europa mas que as mais das vezes se transforma na passagém para a morte.
Li sobre a missa de domingo na mata de Missnana presidida pelo pastor pentecostal Isaías, verdadeiro apóstolo, verdadeiramente um entre eles, entre os últimos dos últimos.
Passo a trancrever a descrição:
"São cada vez mais, continuam a chegar, em grupos, a palrar, frescos e festivos, os "camarades" que vivem na floresta há anos, que dormem ao relento, clandestinos, perseguidos, doentes, desesperados. Agora são mais de 300, e repetem em coro as frases do pastor. "Vamos perdoar. Se perdoarmos o nosso semelhante teremos o perdão do Senhor. Please Master Jesus!" Batem palmas, a marcar o ritmo das frases. "Please Master Jesus! Aleluia! Aleluia!" Continuam a chegar, são centenas. O pastor levanta de súbito a voz: "Quando eu disser 'Canta!', todos cantam e dançam. Quero que usem todo o vosso corpo para falar com o Senhor. Canta!" E uma repentina tempestade de júbilo fustiga a floresta sitiada. Cantam a várias vozes, incrivelmente afinados, improvisando, desdobrando o ritmo. Uma rapariga salta para a frente e grita: "Praise the Lord!", e todos começam a repetir as suas frases, a bater palmas. Cada vez mais alto, com vozes diferentes, e solos e duetos e orquestrações fosfóricas e instintivas. Até que surge Isaías e é o delírio. "Todos de braços no ar!", grita ele. "Olhos fechados e braços no ar!" Uma mulher começa a entoar uma melodia, sem palavras. Isaías grita: "Jesus is Love!" Os "camarades" ondulam os corpos e repetem: "Jesus is Love!". Parece um diálogo frenético e demente. Acelera. "Jesus Christ is love! He is love!" E Isaías desata numa prelecção pedagógica e moralista sobre os tempos que se avizinham, sobre os perigos, os desafios que esperam os "camarades", na floresta, na deportação, na travessia, em Espanha. Um discurso cada vez mais febril, de encorajamento, insurreição, ritual e selvagem, misturado com gritos, palmas, música. "Que coisas são essas que vos destroem? Quem são esses que vos perseguem, vos agridem, vos tiram o pão e a liberdade? Nada nem ninguém! São vocês que contam! Vocês e Deus! Vocês e a Europa! You and the espagnol!" Isaías corre, berra, faz caretas, conta histórias, incarna personagens, é actor, pantomineiro desvairado. O seu telemóvel toca, um som de sirene de ambulância, atira-o ao chão, dá-lhe pontapés. "Chamam-nos pretos. Bandidos. Pois a Bíblia diz que não há nada que nos possa deter. Somos invencíveis".""E os "camarades" começam a falar alto com Deus. Cada um por si, com a sua conversa privada, olhando para as próprias mãos. Uns batem na cabeça, outros choram, outros ralham e gritam com Deus a plenos pulmões. A emoção atinge o paroxismo. A floresta treme. Um terramoto de pensamentos. Uns têm olheiras fundas, outros manchas no corpo, outros uma tosse vinda das entranhas. Estão todos doentes, todos a morrer. Mas é como se esse próprio facto os justificasse, lhes desse vida. Como se cada um fosse apenas uma voz a gritar com Deus. "Livra-me do medo. Livra-me da frustração", suplica uma rapariga, de olhos fechados, num sussurro apaixonado. "Deixa-me chegar ao meu destino".
Sinto nestes homens, nesta ralé da qual nos vamos afastar quando os encontrarmos nas nossas ruas, o reviver dos primeiros cristãos.
Esta excelente reportagem trazia um pequeno apontamento que me tocou, mais do que tudo o resto. Era sobre uma dentre eles que já tinha passado para cá, para a Terra Prometida:
"À chuva, no meio da praça do Intendente, em Lisboa, Juliete é uma criança perdida. Já pagou oito mil dólares. Só faltam 32 mil. A uma média de cinco clientes por dia, prevê poder liquidar a dívida em seis meses. Depois, será livre."
"São eles que as distribuem pelos vários países e que as apresentam às "madames", elas próprias antigas prostitutas que ficaram a trabalhar para a organização. Apresentam-se como sofisticadas mulheres de negócios e viajam permanentemente. "A minha 'mãe' está cá agora", diz Juliete. E, por maior pejo que sintamos em admiti-lo, a sua expressão evolui num trejeito de vaidade e insolente afecto. "A minha 'mãe' está cá". Como se houvesse sempre dignidade em estarmos à altura do destino que nos foi reservado. Por mais indigno que ele seja. "
Provavelmente irei esquecer esta reportagem, como já esqueci muitas outras. Desta última frase é que não me esquecerei nunca.


Outro José 

Também na Pública, leio sobre Joseph, vagabundo em Paris, alcoólico, convencido de ser o Conde de Monte Cristo, mas também pintor quase genial, que aprendeu a sua arte numa Escola de Belas Artes, antes de ter mergulhado na negação de si próprio e naquilo que chamamos de loucura.
Li que o seu talento foi descoberto pelas elites, nas ruas de Paris, pouquíssimo tempo antes de ele morrer. E li que ao saber, quase no mesmo dia, que o seu talento impressionava Paris, e que ia morrer de cancro, se limitou a dizer: "Estou agora à beira do essencial".
Não, definitivamente, a loucura pode matar a consciência mas não mata a alma. Nem poderia fazê-lo.

Encontros 

Domingo à tarde. A chuva retem-nos em casa. A sonolência que me invade afasta-me do livro que ando a ler e, buscando letras mais redondas e leves, mergulho na Pública de Domingo. Passo pelo artigo sobre Álvaro Cunhal e detenho-me no belíssimo texto de Saramago "É, mas não simplesmente, um homem". Nestes dois homens, de mim ideologicamente tão distantes, mas evidentemente honestos, adivinho, com pena e com simpatia, uma angústia de Crentes pelo silêncio do seu deus. Lamento-os porque aquilo que ansiaram toda uma vida não o vão encontrar pois procuraram-no na sociedade dos homens e não no íntimo de cada homem, no íntimo de si mesmos. Admiro-os pois são absolutamente dignos no abandono de quem ficou para trás. Estou certo que, também por isso, são amados pelo Deus que não reconhecem mas que abençoa sempre os que tem sede de justiça.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Aceitar a loucura 

A Inês veio ontem falar-nos sobre a doença mental, sobre quando ela atinge alguém próximo de nós. A Inês fá-lo, como de costume, de forma tocante e profunda. E levanta uma questão que desafia a minha Fé.
Para mim a sanidade mental é o bem mais precioso que temos e como tal deve ser preservada cuidadosamente. Só que a doença surge abruptamente e às vezes naqueles em que menos se espera. O sofrimento para o próprio e para aqueles que o amam é um sofrimento inominável pois é a própria identidade da pessoa que fica profundamente em causa. Diziam os antigos gregos que quando os Deuses queriam castigar um homem começavam por lhe retirar o uso da razão!
Quem me ler com alguma atenção, já se deve ter apercebido que a questão da teodicéia, ou seja da justiça de Deus, nas suas acções e omissões, está bem arrumada dentro da minha cabeça: Deus permite o mal, permite a desgraça dos homens porque esse é o preço a pagar pelo dom supremo da liberdade que ele nos deu quando nos criou à sua imagem e semelhança. Por outro lado, oferecendo-nos caminhos para a nossa Salvação permite-nos aspirar ao regresso a Ele. Fazendo isto parte da minha Fé, consigo aceitar com razoável serenidade e esperança os espectros da morte, doença, acidentes, catástrofes, sobretudo os próprios mas também os alheios.
Já a questão da possibilidade da doença mental, essa causa-me muito maior perplexidade e perturbação.
Isso terá fundamentalmente a ver com o meu conceito de alma. Como é evidente, eu não faço a mínima ideia do que é alma, de qual é a sua natureza essencial. Há-de haver com certeza numerosas definições teológico-filosóficas sobre a alma mas conheço-as mal. Como muitos, não consigo deixar de associar, de forma talvez simplista, a alma ao nosso Eu espiritual, à nossa entidade consciente individual. Usando o binómio matéria-espírito, não consigo deixar de ligar o corpo à matéria e a alma ao espírito. Quando se morre a nossa alma liberta-se do corpo e regressa ao seio de Deus. Isto é, o meu Eu espiritual encontra-se finalmente com Deus.
Ora é aqui que reside a minha perplexidade quanto à mera possibilidade da doença mental. Porque a doença mental altera dramaticamente o nosso estado de consciência, altera a natureza do nosso Eu individual. Isso quererá dizer que a doença mental pode alterar ou mesmo destruir a nossa alma? Será possível tal coisa, sendo a alma o supremo dom de Deus em nós? Como admitir que àqueles cujo sofrimento é de todos o mais terrível, lhes seja negado a possibilidade de Salvação? Ou será que verdadeiramente a alma transcende o Eu consciente, sendo muito mais do que isso?
A minha razão e os meus conhecimentos não me permitem esclarecer esta enorme dúvida. Contudo, a minha Fé sabe que serão aqueles, os mais desgraçados entre os desgraçados, os que irão conhecer a maior misericórdia de Deus Pai.
Não devemos nunca esquecer que “Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; felizes os que choram, porque eles serão consolados”.
Seja como fôr este é um assunto em relação ao qual tenho muitas perguntas a precisar de respostas.


Troca de galhardetes 

Não quero deixar de agradecer a João Baptista as suas boas palavras. Espero que não leve a mal chamá-lo assim pois sinto em si algo do filho de Zacarias o que, tendo em conta a Igreja a que pertence, me parece muito apropriado. Você não está aqui com meias tintas. Você clama no deserto que é este mundo; você quer endireitar as veredas do caminho do Senhor. Vejo em si, com alguma inveja, as vantagens de pertencer a uma Igreja minoritária e mais difí­cil, uma Igreja cujos crentes são-no mais por convicção do que por herança, uma Igreja menos rotineira. Vivi durante anos ao pé duma Igreja Evangélica Baptista e via aos Domingos de manhã muito mais comunhão entre os fiéis, à  saí­da na missa, do que na minha Igreja Paroquial. Percebo também que você não seja ecuménico. No seu lugar, não sei se o seria. Acredito que a minha Igreja colocando, como às vezes o faz, o ecumenismo como o regresso de irmãos transviados à  Verdade Pura e Eterna da Igreja Católica, pode acabar por torná-lo impraticável. Já aqui o disse e repito: o ecumenismo deve representar o regresso de todo povo cristão à  essência profunda e verdadeira da Fé que nasceu em Cristo.

Mais links  

É bom caminhar entre companheiros de jornada, sobretudo se percebem quando um deles precisa de ajuda. Eis pois A Quinta Coluna. Um abraço.

Furar o silêncio (2) 

Continuo a procurar ouvir o Espírito Santo através das palavras de outros crentes. Vejam o que escreveu Edith Stein, cidadã alemã, nascida judia em 1891, baptizada em 1922, freira carmelita em 1935, doutorada em Filosofia, morta nas câmaras de gás de Auschwitz em 1942, Santa Teresa Benedita da Cruz desde 1998. Costumava dizer: "só entende a transcendência da Cruz quem a transporta consigo". Escutemo-la então:

Espírito Santo, ó doce luz,
Que me envolves
E iluminas as trevas do meu coração
Tu guias-me como a mão de uma mãe.
Tu és o círculo que me circunda
E me encerra em si.
Separada de Ti eu cairia no abismo do Nada
Do qual me elevaste até ao Ser
Estais mais perto de mim
Do que eu de mim mesma.
Mas ainda assim és inacessível
E incompreensível.
Nenhum nome te pode conter,
Espírito Santo, Amor Eterno.



quinta-feira, novembro 06, 2003

Intimidade com Deus 

Hoje poucos se lembram de Dag Hammarskjöld, antigo secretário-geral da ONU, pessoa de excepcionais qualidades humanas, falecido no cumprimento da sua missão num acidente aéreo em África. Era um homem com uma Fé enorme e contagiante. Esta oração que transcrevo é dele:

Meu Deus,
Tu, que estás acima de nós;
Tu, que foste um dentre nós;
Tu, que és – também em nós;
faz com que todos Te possam ver – também em mim.
Conserva-me em Teu amor,
assim como Tu queres que os outros se conservem no meu.
Eu estou em tuas mãos e toda a força e bondade estão em Ti.
Dá-me pois um espírito puro – para que eu Te possa ver.
Dá-me um espírito humilde – para que eu Te possa ouvir.
Dá-me um espírito amoroso – para que eu Te possa servir
Dá-me um espírito fiel – para que eu possa permanecer em Ti.

Furar o silêncio 

Nas alturas em que o Espí­rito Santo nos abandona e nem rezar nos reconcilia connosco próprios, faz bem ouvi-Lo falar através doutros crentes. Dizia-me um amigo há umas semanas: "Deus dá mais do que aquilo que alguma vez sonhámos porque dá na exacta medida daquilo que merecemos". Hoje agradeço estas palavras.


Silêncio em mim 

Há dias, como o que passou, em que sou verdadeiramente indigno da Fé que tenho em mim. Nesses dias não sei o que dizer a Deus, não sei o que escrever aqui. Nesses dias parece que o Espírito Santo me abandona. Nesses dias parece que Deus me castiga silenciando-Se em mim.
Tenho que rezar, tenho que de alguma forma me redimir. Tenho que voltar a ter a vida em Seu nome.
São como este os dias em que eu melhor percebo que a Fé, só por si, não chega: é necessário a Graça.

terça-feira, novembro 04, 2003

Salvação 

Caro Pedro,
Venho infelizmente responder-lhe de novo via blogue. O facto é que a minha caixa de mail sapo cada vez que de lá sai um mail para um hotmail pede-me confirmação do login e acaba por não enviar nada. Se você ou alguém me puder ajudar ficarei grato. Vamos então aos meus comentários aos seus.
Queria dizer-lhe em primeiro lugar que concordo com muito daquilo que o Pedro escreve. Todavia acho que o Pedro não está a avaliar as minhas opiniões com total equidade. Se analisar bem o que tenho escrito verá bem que à Salvação eu dou todo o relevo! A possibilidade da Salvação é mesmo para mim o pilar essencial da minha Fé: conforme lhe respondi anteriormente "Acredito que Cristo foi-nos enviado para nos mostrar o caminho até Ele e para nos mostrar que a Salvação nos espera a todos no fim desse caminho". Se me permite vou citar-lhe algumas das minhas próprias toscas tentativas poéticas, nas quais contudo exprimo melhor os fundamentos da minha fé: "Eu sou um homem assim, mas quero ser melhor/Eu sou um homem assim, mas Deus ama-me/Pois sou Seu filho e Ele quer-me de volta"; "Mas como Pai que ama seus filhos,/Tu queres ver-nos crescer/e ver-nos cumprir o divino que temos em nós./Para tal, foste-Te revelando ao longo dos tempos./Para tal, enviastes o Teu Filho para morrer às nossas mãos./Mostraste-nos assim que não há maior amor do que dar a vida por quem se ama./Mostraste-nos assim que, como diz Paulo,/tudo nos é permitido mas nem tudo nos convém./Mostraste-nos assim que o Teu Amor nos espera."
Repare bem nesta frase final. Para mim a Salvação é mesmo o reencontro com Deus, é o retorno a Ele e ao seu Amor. João, no seu Apocalipse, diz-nos que os que serão salvos irão ver a Deus tal como Ele é. Sendo assim o Pedro verá bem que a minha Fé não existiria sem eu acreditar na Salvação que Deus nos ofereceu e continua a oferecer por intermédio de Cristo, Seu Filho. Isto significa, meu caro Pedro, que, como nos disse João naquele lindíssimo final do seu evangelho cap.20,31), temos de acreditar que "Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhamos a vida em seu nome".
Se assim o fizermos isso naturalmente tem e deve ter profundas implicações e consequências em termos da nossa ética pessoal, da nossa paz interior, do nosso desejo de modificações sociais para um mundo melhor mas isto não é seguramente um fim em si mesmo. Eu não tenho Fé para ter paz interior: para isso chegava-me o ioga. Eu tenho Fé porque quero ser salvo, quero retornar a Deus, quero ver a Sua Face, quero vir a estar com Deus ou, usando a sua expressão, não ficar separado Dele.
Posto isto verá então que neste essencial estamos de acordo.
Convidar as pessoas a virem até à presença de Deus por intermédio de Cristo para assim serem salvas ou dizer-lhes que como você o faz que "sem Cristo, elas estão condenadas à separação eterna de Deus" é no fundo o mesmo. São contudo metodologias diferentes, historicamente sempre em confronto na Igreja. Tem sobretudo a ver com duas visões sobre o Homem, uma mais optimista outra mais pessimista, ambas legítimas, ambas fundamentadas e respeitáveis. Pessoalmente vou mais pela primeira, não por estar absolutamente convicto dela mas por ser a mais de acordo com a minha visão do mundo e de Deus enquanto criador de todas as coisas.
Uma outra coisa que penso ser relevante: ao dizermos que "só a mensagem integral de Jesus Cristo faz a diferença", que só ela permite a nossa salvação, temos de ter bem presente de que "nós" estamos a falar. Eu concordo totalmente com essa afirmação mas é minha convicção profunda que esses "nós" são os herdeiros directos ou indirectos do contexto cultural e civilizacional em que o Cristianismo surgiu e se desenvolveu. Inclui também aqueles que pela evangelização feita ao longo dos séculos tiveram acesso e adoptaram a mensagem de Cristo. Será legítimo exigir a um camponês do Uttar Pradesh, herdeiro de uma tradição bramânica quatro vezes milenar, que siga a mensagem de Cristo para ser salvo? Peço desculpa mas vou novamente citar um post meu anterior (o 2º): "A ideia de que a verdadeira revelação e correspondente possibilidade de salvação só foi posta à disposição de uma parte da humanidade é totalmente inaceitável","A assumpção profunda da Verdade da nossa religião obriga-nos a aceitar e respeitar a Verdade das outras religiões". Isto é verdadeiramente o fundamento do ecumenismo e da comunhão inter-religiosa.
Não quero terminar sem lhe dizer que, no nosso caso específico, o que nos une é imensamente mais do que o que nos separa. E dizer-lhe que com todo este arrazoado não pretendo convencê-lo ou mostrar que está errado. Só quero explicar-lhe qual é verdadeiramente a minha opinião.
Quero também dizer-lhe que respeito e partilho inteiramente aquilo que diz quanto à necessidade dos Cristãos mostrarem a sua Fé tal qual ela é, na sua integralidade, sem a suavizarem para assim serem mais simpáticos com os outros. Ser Cristão e mostrá-lo não é fácil nos dias de hoje. Enfrentamos o desprezo, a incompreensão, o paternalismo irónico os quais muitas vezes custam mais a enfrentar do que o ódio puro e simples.
Um grande abraço dum seu irmão na Fé.


segunda-feira, novembro 03, 2003

Novos links  

Saúdo mais dois blogues companheiros de jornada: um já veterano, Religionline e outro novíssimo: No Adro. Passo a citar o blog description deste último: Entre o templo e a vida, no adro conversa-se, discute-se e partilham-se ideias, anseios e sonhos. Em que Deus acreditamos, que Igreja desejamos e que humanidade queremos?
Um abraço para ambos.


Vida eterna (2) 

A propósito do último post sobre este assunto deveras transcendente já me chamaram a atenção para o facto de eu ter posições pouco canónicas sobre este e outros assuntos. So what?
Seja como fôr, na missa do último sábado, escutava eu o padre, ainda por cima dominicano, às voltas com o apocalipse de S.João, com as bem-aventuranças, com os santos, quando escuto:
"A eternidade não a conseguimos discernir. O que sabemos dela é que significa ver a Deus tal qual Ele é". "A maior das bem-aventuranças é pois a dos puros de coração pois eles é que irão ver a Deus". "A pureza de coração é o principal atributo dos santos". "A devoção aos santos não consiste em acender-lhes velinhas. Consiste sim em conhecer a sua vida e como a tiveram em nome de Cristo. Consiste em tentar seguir o seu exemplo"."Há quem critique o Papa por ter feito tantos santos e por não esperar muito tempo após a sua morte para os canonizar. Ora os passos que temos que seguir são o dos santos do nosso tempo pois é neste tempo que temos a nossa vida".
Não sei se o que ele disse era canónico ou não. Sei sim que é a Verdade.

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