sexta-feira, janeiro 30, 2004
Verdade e coerência
Caro Pedro Leal, amigo e irmão:
Leio hoje você a dizer algo que já me disse em conversa que tivemos. E hoje, ao ler a história que conta vejo bem a medida do valor que você dá à coerência. Desta vez não a propósito do tal camponês do Uttar Pradesh (lembra-se?) mas sim dum patrício dele, o Paresh. Conta você da sua surpresa ao saber que este seu amigo hindu “também fora, com a família, em peregrinação ao Santuário da Cova da Iria. Fiquei surpreendido. Mostrei o meu espanto, e expliquei-lhe. Um hindu a participar numa celebração católica? Didáctico e paciente, ele desmontou a aparente contradição. Se o Hinduísmo é politeísta, abrigando milhões e milhões de deuses, que habitam inúmeros lugares e seres; se a Índia está lá tão longe, com os seus santuários e os seus rios sagrados; então porque não aproveitar este lugar “espiritual” aqui mais perto? O que importa, dizia o Paresh, é exercitar a espiritualidade, e assim estar de bem consigo e com o Universo”.
Perante isto, você, como já me dissera a mim, você “a quem ofereciam, agora, um papel agradável” e de quem “para rematar o final feliz, esperavam o aceno concordante e a frase bonita acerca da fraternidade humana(...)Qual a diferença entre uma vela acesa à santa ou a um deus com seis braços?”, você optou de novo pela coerência, a sua coerência, optou pela fidelidade ao Filho de Deus, que disse um dia a frase que você e eu amamos tanto: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”.
Pensei um bom bocado no que escreveu e sobre como eu reagiria no seu lugar. Eu até lhe posso dizer que mantenho uma certa reserva mental perante o fenómeno de Fátima, que nada acrescentou à minha condição de católico. Não deixo contudo de reconhecer que das poucas vezes que lá fui, nunca em dias de grandes cerimónias mas sim em dias vazios e despidos de significado, sempre saí de lá impressionado com a espiritualidade do lugar em si, apesar daquele folclore todo à volta dele.
Mas voltemos ao Paresh. Eu tenho a certeza que se fosse a mim que ele tivesse dito aquilo, eu, pelo menos moralmente, teria-o abraçado comovido. E sendo assim, aquilo que me questiono é tão simplesmente isto: serei eu menos coerente na minha Fé em Cristo do que o Pedro? Vale a pena demorar-me um pouco com esta questão.
É certo que, devido a esta minha sanha ecuménica, eu saiba talvez um poucochinho mais sobre o Hinduísmo do que você, Pedro. Sei por exemplo que o Hinduísmo, que descende duma tradição religiosa antiquíssima, 4 ou 5 vezes milenar, não é rigorosa e simplesmente uma religião politeísta. O Hinduísmo é o resultado da miscigenação das antiquíssimas tradições védicas arianas (que seriam monoteístas) com as tradições religiosas dravidianas existentes na Índia antes da ocupação ariana. É talvez por isso que o Hinduísmo, com as suas Grande e Pequena Tradições, tem uma essência monoteísta com uma aparência politeísta. Com efeito, acredita-se num Eu Universal (Brahman) mas veneram-se as suas múltiplas manifestações ou avatares, algumas das quais efectivamente representadas com seis braços. No hinduísmo como noutras religiões, como a nossa, como sobretudo a minha, há uma diferença visível entre a essência da fé, não inteligível para todos, e as múltiplas manifestações e figurações da fé da gente simples que precisa de ter uma noção sensorial daquilo em que acredita.
Este paleio todo não se destina a mostrar a minha erudição sobre o hinduísmo, a qual aliás se resume a pouco mais do que isto. Destina-se sim a dizer-lhe que para mim o hinduísmo é uma religião merecedora pelo menos de todo o respeito intelectual dos que reflectem sobre a fé dos homens. Mas adiante.
Voltemos sim à questão da coerência de quem tem Fé em Cristo. Deixe-me dizer-lhe que Cristo, que viveu e morreu com absoluta coerência, nem sempre falou com coerência: há momentos de profundo amor e mansidão mas também há trechos terríveis, duros, exigentes, que ainda hoje nos confundem e que exigem muita interpretação para os aceitarmos. Contudo, eu sei do fundo do meu coração que Cristo falou sempre com verdade, com a Verdade do Pai.
Quero com isto dizer que a nossa coerência tem um valor relativo, não é um fim em si mesmo, sobretudo para quem, como eu, não consegue ainda entender a Verdade de Deus na sua plenitude. Onde se exige coerência é, aí sim e falhamos tanto, entre aquilo que acreditamos e a forma como o vivemos.
Tendo tudo isto presente, eu volto a dizer aquilo que já várias vezes aqui disse: eu, você, nós somos herdeiros de Cristo. Foi por Ele, pela Sua vida e morte, pela Sua Palavra que Deus se nos revelou como Pai que nos ama. E nós conhecêmo-lo porque somos também herdeiros do contexto cultural, civilizacional, étnico, geográfico, político onde Ele surgiu, viveu e morreu por nós.
Ele foi a prova maior do amor de Deus por nós, humanidade criada à sua imagem e semelhança. E, face à evidência desse amor, eu não posso simplesmente aceitar que Deus tenha reservado apenas para uma parte dos seus filhos o caminho da salvação, o caminho que conduz até Ele.
É pois por isto que não vejo qualquer incoerência, qualquer falta de verdade da nossa Fé, em aceitar que outras religiões possam também ter em si sementes de Verdade Divina, sementes apropriadas para se desenvolverem nos "terrenos" onde surgiram essas religiões.
A Palavra de Cristo foi para mim uma semente que me transformou e me aproximou do essencial. Todos os homens tem direito a uma semente que neles, na sua natureza, possa produzir fruto.
Leio hoje você a dizer algo que já me disse em conversa que tivemos. E hoje, ao ler a história que conta vejo bem a medida do valor que você dá à coerência. Desta vez não a propósito do tal camponês do Uttar Pradesh (lembra-se?) mas sim dum patrício dele, o Paresh. Conta você da sua surpresa ao saber que este seu amigo hindu “também fora, com a família, em peregrinação ao Santuário da Cova da Iria. Fiquei surpreendido. Mostrei o meu espanto, e expliquei-lhe. Um hindu a participar numa celebração católica? Didáctico e paciente, ele desmontou a aparente contradição. Se o Hinduísmo é politeísta, abrigando milhões e milhões de deuses, que habitam inúmeros lugares e seres; se a Índia está lá tão longe, com os seus santuários e os seus rios sagrados; então porque não aproveitar este lugar “espiritual” aqui mais perto? O que importa, dizia o Paresh, é exercitar a espiritualidade, e assim estar de bem consigo e com o Universo”.
Perante isto, você, como já me dissera a mim, você “a quem ofereciam, agora, um papel agradável” e de quem “para rematar o final feliz, esperavam o aceno concordante e a frase bonita acerca da fraternidade humana(...)Qual a diferença entre uma vela acesa à santa ou a um deus com seis braços?”, você optou de novo pela coerência, a sua coerência, optou pela fidelidade ao Filho de Deus, que disse um dia a frase que você e eu amamos tanto: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”.
Pensei um bom bocado no que escreveu e sobre como eu reagiria no seu lugar. Eu até lhe posso dizer que mantenho uma certa reserva mental perante o fenómeno de Fátima, que nada acrescentou à minha condição de católico. Não deixo contudo de reconhecer que das poucas vezes que lá fui, nunca em dias de grandes cerimónias mas sim em dias vazios e despidos de significado, sempre saí de lá impressionado com a espiritualidade do lugar em si, apesar daquele folclore todo à volta dele.
Mas voltemos ao Paresh. Eu tenho a certeza que se fosse a mim que ele tivesse dito aquilo, eu, pelo menos moralmente, teria-o abraçado comovido. E sendo assim, aquilo que me questiono é tão simplesmente isto: serei eu menos coerente na minha Fé em Cristo do que o Pedro? Vale a pena demorar-me um pouco com esta questão.
É certo que, devido a esta minha sanha ecuménica, eu saiba talvez um poucochinho mais sobre o Hinduísmo do que você, Pedro. Sei por exemplo que o Hinduísmo, que descende duma tradição religiosa antiquíssima, 4 ou 5 vezes milenar, não é rigorosa e simplesmente uma religião politeísta. O Hinduísmo é o resultado da miscigenação das antiquíssimas tradições védicas arianas (que seriam monoteístas) com as tradições religiosas dravidianas existentes na Índia antes da ocupação ariana. É talvez por isso que o Hinduísmo, com as suas Grande e Pequena Tradições, tem uma essência monoteísta com uma aparência politeísta. Com efeito, acredita-se num Eu Universal (Brahman) mas veneram-se as suas múltiplas manifestações ou avatares, algumas das quais efectivamente representadas com seis braços. No hinduísmo como noutras religiões, como a nossa, como sobretudo a minha, há uma diferença visível entre a essência da fé, não inteligível para todos, e as múltiplas manifestações e figurações da fé da gente simples que precisa de ter uma noção sensorial daquilo em que acredita.
Este paleio todo não se destina a mostrar a minha erudição sobre o hinduísmo, a qual aliás se resume a pouco mais do que isto. Destina-se sim a dizer-lhe que para mim o hinduísmo é uma religião merecedora pelo menos de todo o respeito intelectual dos que reflectem sobre a fé dos homens. Mas adiante.
Voltemos sim à questão da coerência de quem tem Fé em Cristo. Deixe-me dizer-lhe que Cristo, que viveu e morreu com absoluta coerência, nem sempre falou com coerência: há momentos de profundo amor e mansidão mas também há trechos terríveis, duros, exigentes, que ainda hoje nos confundem e que exigem muita interpretação para os aceitarmos. Contudo, eu sei do fundo do meu coração que Cristo falou sempre com verdade, com a Verdade do Pai.
Quero com isto dizer que a nossa coerência tem um valor relativo, não é um fim em si mesmo, sobretudo para quem, como eu, não consegue ainda entender a Verdade de Deus na sua plenitude. Onde se exige coerência é, aí sim e falhamos tanto, entre aquilo que acreditamos e a forma como o vivemos.
Tendo tudo isto presente, eu volto a dizer aquilo que já várias vezes aqui disse: eu, você, nós somos herdeiros de Cristo. Foi por Ele, pela Sua vida e morte, pela Sua Palavra que Deus se nos revelou como Pai que nos ama. E nós conhecêmo-lo porque somos também herdeiros do contexto cultural, civilizacional, étnico, geográfico, político onde Ele surgiu, viveu e morreu por nós.
Ele foi a prova maior do amor de Deus por nós, humanidade criada à sua imagem e semelhança. E, face à evidência desse amor, eu não posso simplesmente aceitar que Deus tenha reservado apenas para uma parte dos seus filhos o caminho da salvação, o caminho que conduz até Ele.
É pois por isto que não vejo qualquer incoerência, qualquer falta de verdade da nossa Fé, em aceitar que outras religiões possam também ter em si sementes de Verdade Divina, sementes apropriadas para se desenvolverem nos "terrenos" onde surgiram essas religiões.
A Palavra de Cristo foi para mim uma semente que me transformou e me aproximou do essencial. Todos os homens tem direito a uma semente que neles, na sua natureza, possa produzir fruto.
Bibliofilia e unidade
Ainda no passado domingo, na missa que assinalava o encerramento da semana de unidade entre os cristãos, se leu muito a propósito o Livro de Neemias (8,2-6.8-10). Fala-se aí da chegada a Jerusalém dos judeus regressados do exílio em Babilónia. Ao chegarem surge o choque entre a realidade da Jerusalém desolada, despojada das grandezas passadas, e a Jerusalém sonhada durante todo o exílio. Surge também o choque entre os judeus do exílio e os que tinham ficado, os am ha-arez, ou seja, os judeus pobres que tinham sido deixados para trás pelos babilónios e permanecido em Judá. Parece ter ali terminado a aliança de Deus com os judeus. Parece que o exílio iria continuar na sua própria terra. E é aí que “O sacerdote Esdras apresentou, pois, a Lei diante da assembleia de homens e mulheres e de todos quantos eram capazes de a compreender. (...) Esdras leu o livro, desde a manhã até à tarde, na praça que fica diante da porta das Águas, e todo o povo escutava com atenção a leitura do livro da Lei. (...) Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, pois achava-se num lugar elevado acima da multidão. Quando o escriba abriu o livro, todo o povo se levantou. Então, Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todo o povo respondeu, levantando as mãos: «Ámen! Ámen!» Depois, inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor, com a face por terra. E liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura.”
Foi a apresentação do Livro, a sua leitura e explicação que fez todos unirem-se de novo no propósito comum de reconstruir Jerusalém. Foi perante o Livro que os Judeus assumiram de novo o projecto de Deus nas suas vidas.
Ora, é também em torno do Livro, do nosso Livro, da Bíblia, que será possível o regresso dos cristãos dos exílios a que todos eles, católicos, ortodoxos, protestantes, se auto-sujeitaram afastando-se da essência da Palavra de Cristo quando pensavam estar a escolher o caminho certo para Ele. Será perante o Livro que conseguiremos livrar-nos todos de toda a “tralha figurativa” como dizia alguém, de todos os enxertos que colocámos na árvore da Fé, de todo o espírito concorrencial de quem escolheu caminhos diferentes para o mesmo destino, de todas as mágoas por desfeitas passadas, de toda a mistura entre perspectivas de Fé e culturas diferentes. É em torno do Livro que reencontraremos todos o projecto de Cristo para as nossas vidas.
Sabemos ou deveríamos saber que a unidade dos Cristãos é desejada por Cristo, pois só unidos estamos verdadeiramente a viver a sua Palavra. Para isso é essencial o conhecimento da Bíblia entre os Cristãos. Só assim eles perceberão os fundamentos da sua Fé e aprenderão a separar o trigo do joio, o acessório do essencial.
Já todos sabemos que neste campo os protestantes levam um bom avanço: leem a Bíblia em vernáculo há mais 400 e tal anos do que nós católicos e 40 anos após o Vaticano II ainda não recuperámos o atraso. Até há coisa de 5 anos eu nunca tinha lido um evangelho inteiro, quanto mais a Bíblia toda! Ainda hoje o Antigo Testamento nem vai a meio. Ora os católicos devem recuperar esse atraso, não para suplantar os protestantes mas até para percebermos melhor o que eles dizem, eles que mesmo sendo leigos já leram a Escritura toda!
E da mesma forma que aos católicos caberá o dever de humildade de deixarem de se considerar como a versão original e autenticada, caberá aos protestantes a caridade de deixarem de se considerar como os detentores da Palavra, os iniciados no Livro, os que souberam deixar de precisar de mediação na relação com Deus.
Tudo o que é necessário para a unidade dos cristãos está lá, na Bíblia: a espírito de pobreza e simplicidade, o espírito de misericórdia, a pureza de coração, o espírito de paz, numa palavra, o Amor tal como Cristo nos ensinou.
E não faz sentido conhecer a Palavra senão vivermos segundo ela.
Foi a apresentação do Livro, a sua leitura e explicação que fez todos unirem-se de novo no propósito comum de reconstruir Jerusalém. Foi perante o Livro que os Judeus assumiram de novo o projecto de Deus nas suas vidas.
Ora, é também em torno do Livro, do nosso Livro, da Bíblia, que será possível o regresso dos cristãos dos exílios a que todos eles, católicos, ortodoxos, protestantes, se auto-sujeitaram afastando-se da essência da Palavra de Cristo quando pensavam estar a escolher o caminho certo para Ele. Será perante o Livro que conseguiremos livrar-nos todos de toda a “tralha figurativa” como dizia alguém, de todos os enxertos que colocámos na árvore da Fé, de todo o espírito concorrencial de quem escolheu caminhos diferentes para o mesmo destino, de todas as mágoas por desfeitas passadas, de toda a mistura entre perspectivas de Fé e culturas diferentes. É em torno do Livro que reencontraremos todos o projecto de Cristo para as nossas vidas.
Sabemos ou deveríamos saber que a unidade dos Cristãos é desejada por Cristo, pois só unidos estamos verdadeiramente a viver a sua Palavra. Para isso é essencial o conhecimento da Bíblia entre os Cristãos. Só assim eles perceberão os fundamentos da sua Fé e aprenderão a separar o trigo do joio, o acessório do essencial.
Já todos sabemos que neste campo os protestantes levam um bom avanço: leem a Bíblia em vernáculo há mais 400 e tal anos do que nós católicos e 40 anos após o Vaticano II ainda não recuperámos o atraso. Até há coisa de 5 anos eu nunca tinha lido um evangelho inteiro, quanto mais a Bíblia toda! Ainda hoje o Antigo Testamento nem vai a meio. Ora os católicos devem recuperar esse atraso, não para suplantar os protestantes mas até para percebermos melhor o que eles dizem, eles que mesmo sendo leigos já leram a Escritura toda!
E da mesma forma que aos católicos caberá o dever de humildade de deixarem de se considerar como a versão original e autenticada, caberá aos protestantes a caridade de deixarem de se considerar como os detentores da Palavra, os iniciados no Livro, os que souberam deixar de precisar de mediação na relação com Deus.
Tudo o que é necessário para a unidade dos cristãos está lá, na Bíblia: a espírito de pobreza e simplicidade, o espírito de misericórdia, a pureza de coração, o espírito de paz, numa palavra, o Amor tal como Cristo nos ensinou.
E não faz sentido conhecer a Palavra senão vivermos segundo ela.
quinta-feira, janeiro 29, 2004
O indicador comum
David, mein brüder:
Ainda hei-de postar qualquer coisa a propósito desse tema muito interessante que você e o Cosme trouxeram: a diferenciação cultural entre católicos e protestantes e o papel que a relação com a Bíblia teve e ainda tem nessa diferenciação. Mas não resisto a comentar já duas coisas. Os "estragos" que você refere foram muito positivos e só pecaram por tardios, muito tardios mesmo. Bendita a hora em que Pierre Valdo primeiro e mais tarde Lutero, perceberam que é em vernáculo que se deve escrever a Bíblia pois ela é para ser lida e não para ser guardada num sacrário.
Quanto à religião dita "oficial", aí eu acho que essa designação está um pouco datada. Eu entendo que a sua perspectiva, a vista desse lado, deve ser diferente da minha, mas acredite que neste momento as nossas duas Igrejas vivem e lutam ambas num mundo pagão, ou secular como hoje se diz.
Sinceramente, acho que a diferença entre as nossas Igrejas pode ser assim descrita em termos contabilísticos: nós temos seguramente mais activo corpóreo e capital circulante; vocês terão com certeza mais activo incorpóreo. Quanto ao goodwill (ou melhor, God will), acho sinceramente que é o mesmo.
Ainda hei-de postar qualquer coisa a propósito desse tema muito interessante que você e o Cosme trouxeram: a diferenciação cultural entre católicos e protestantes e o papel que a relação com a Bíblia teve e ainda tem nessa diferenciação. Mas não resisto a comentar já duas coisas. Os "estragos" que você refere foram muito positivos e só pecaram por tardios, muito tardios mesmo. Bendita a hora em que Pierre Valdo primeiro e mais tarde Lutero, perceberam que é em vernáculo que se deve escrever a Bíblia pois ela é para ser lida e não para ser guardada num sacrário.
Quanto à religião dita "oficial", aí eu acho que essa designação está um pouco datada. Eu entendo que a sua perspectiva, a vista desse lado, deve ser diferente da minha, mas acredite que neste momento as nossas duas Igrejas vivem e lutam ambas num mundo pagão, ou secular como hoje se diz.
Sinceramente, acho que a diferença entre as nossas Igrejas pode ser assim descrita em termos contabilísticos: nós temos seguramente mais activo corpóreo e capital circulante; vocês terão com certeza mais activo incorpóreo. Quanto ao goodwill (ou melhor, God will), acho sinceramente que é o mesmo.
Bibliofilia vs Bibliofobia
O projecto da Bíblia manuscrita pelas escolas, que tanto preocupa a nossa esquerda secular, anda por aí a dar muito que falar. Tem havido discussão entre cristãos e ateus (e ateias...) e também entre protestantes e católicos.
Na minha modesta opinião, trata-se de um projecto sem dúvida importante, mas cujo êxito vai depender muito da forma e do espírito com que fôr executado. Por uma vez na vida eu concordei com um barnabé neste caso com o Rui Tavares e a sua divertida selecção de trechos do Antigo Testamento. Realmente se a cópia pelos estudantes for feita sem uma leitura contextualizada e explicada, os resultados podem ser contraproducentes, mesmo muito contraproducentes. A minha experiência pessoal diz isso mesmo. Já aqui falei sobre quando perdi a Fé em adolescente e o Antigo Testamento, lido com reserva mental, deu a sua ajudinha. Mas isto não quer dizer que esta acção não deva ser feita: tem é que ser muito bem feita!
E bom é que assim seja pois o conhecimento da Bíblia é importantíssimo não só para a formação religiosa dos portugueses mas para a sua formação humana e cultural, para o reconhecimento da nossa indentidade.
Na Bíblia, mais propriamente no Antigo Testamento, encontra-se não só a Palavra de Deus e a promessa de Cristo entre nós, mas também está lá a mítica primordial da humanidade, com muitas coisas comuns a livros sagrados de outras grandes religiões; está lá a história edificante de todo um povo até ao nascimento no seu seio do Redentor de todos os Povos.
Lendo Génesis, Êxodo, Juízes, Reis, Isaías, Jeremias, Job, Jonas, Neemias, Eclesiastes, etc. fica-se com uma perspectiva profunda da condição humana, do que nos limita, daquilo a que aspiramos, daquilo que nos engrandece, daquilo que nos perde. É pois um Livro importantíssimo e lamento só tão tarde ter começado a lê-lo.
Na minha modesta opinião, trata-se de um projecto sem dúvida importante, mas cujo êxito vai depender muito da forma e do espírito com que fôr executado. Por uma vez na vida eu concordei com um barnabé neste caso com o Rui Tavares e a sua divertida selecção de trechos do Antigo Testamento. Realmente se a cópia pelos estudantes for feita sem uma leitura contextualizada e explicada, os resultados podem ser contraproducentes, mesmo muito contraproducentes. A minha experiência pessoal diz isso mesmo. Já aqui falei sobre quando perdi a Fé em adolescente e o Antigo Testamento, lido com reserva mental, deu a sua ajudinha. Mas isto não quer dizer que esta acção não deva ser feita: tem é que ser muito bem feita!
E bom é que assim seja pois o conhecimento da Bíblia é importantíssimo não só para a formação religiosa dos portugueses mas para a sua formação humana e cultural, para o reconhecimento da nossa indentidade.
Na Bíblia, mais propriamente no Antigo Testamento, encontra-se não só a Palavra de Deus e a promessa de Cristo entre nós, mas também está lá a mítica primordial da humanidade, com muitas coisas comuns a livros sagrados de outras grandes religiões; está lá a história edificante de todo um povo até ao nascimento no seu seio do Redentor de todos os Povos.
Lendo Génesis, Êxodo, Juízes, Reis, Isaías, Jeremias, Job, Jonas, Neemias, Eclesiastes, etc. fica-se com uma perspectiva profunda da condição humana, do que nos limita, daquilo a que aspiramos, daquilo que nos engrandece, daquilo que nos perde. É pois um Livro importantíssimo e lamento só tão tarde ter começado a lê-lo.
quarta-feira, janeiro 28, 2004
20 boas e verdadeiras razões para se votar sim no referendo do aborto
Porque é de esquerda
Porque é um direito a mais que conquistamos
Porque é um dever a menos que suportamos
Porque os países civilizados tem
Porque é sinal de modernidade
Porque a Igreja é contra
Porque é mais uma causa
Porque é o principal problema deste país
Porque assim está-se mais à vontade
Porque assim controlo melhor o meu destino
Porque a barriga é minha e só lá está quem eu deixo
Porque já andamos nisto há uma data de tempo
Porque eu choro e os fetos não choram
Porque até fica bem no currículo
Porque me convém
Porque é mainstream
Porque é mais um passo
Porque eu quero
Porque eles não querem
Porque sim
Porque é um direito a mais que conquistamos
Porque é um dever a menos que suportamos
Porque os países civilizados tem
Porque é sinal de modernidade
Porque a Igreja é contra
Porque é mais uma causa
Porque é o principal problema deste país
Porque assim está-se mais à vontade
Porque assim controlo melhor o meu destino
Porque a barriga é minha e só lá está quem eu deixo
Porque já andamos nisto há uma data de tempo
Porque eu choro e os fetos não choram
Porque até fica bem no currículo
Porque me convém
Porque é mainstream
Porque é mais um passo
Porque eu quero
Porque eles não querem
Porque sim
Ateus e Ateias
Peço antecipadamente perdão por continuar a bater no ceguinho, coisa que não é muito cristã. Mas o facto é que ando fascinado com estes ateus e ateias. Descobri agora que são muito mais do que um blogue colectivo: são toda uma organização, baseada numa "American Atheists", com um logotipo engenhoso e carregado de simbolismo e até (ou não fossem exportados da América) uma bem fornecida Loja Ateia. Ando de tal forma agarrado que já aí fiz duas encomendas: uma caneca Laica, para verificar se não será uma homenagem à primeira cadela no espaço e um boné cerebral, para ver se consigo pensar como deve ser.
Eles não descuram os aspectos lúdicos da vida para o que servem uma divertida
secção humorística com uma cuidada selecção de anedotas jacobinas.
E não procuram apenas criticar, eles tem iniciativas de entre as quais avulta, pelo significado e pela tremenda eficácia, uma campanha da desbaptização para a qual recorrem a meios próprios em vez de chamarem a Rentokill. Um desses meios, é a carta de pedido de desbaptização para a qual fornecem minuta:
Senhor Padre/Reverendo,
tendo sido baptizado na igreja da freguesia de [__] no dia [__] de [__] do ano [__] sob o nome [__], eu pretendo ter o meu nome removido do vosso registo de baptismo com a seguinte menção: «declarado apóstata por carta escrita datada de [__]».
De facto, as minhas convicções religiosas e filosóficas não correspondem aquelas das pessoas que estimaram em ter-me baptizado. Assim, os seus escrúpulos da verdade, e os meus, serão aliviados, e os vossos registos ficarão isentos de qualquer ambiguidade.
Aguardando uma confirmação escrita,
Cidade de [__], aos [__] de [__] do ano de [__]
Assinatura:
É todo um mundo que desconhecia inteiramente, quiçá uma nova forma de religião que surge diante de mim.
Prometo a mim próprio que doravante me afastarei deles e não mais os referirei aqui. Antes que a perplexidade do guia se transforme em descrença.
Eles não descuram os aspectos lúdicos da vida para o que servem uma divertida
secção humorística com uma cuidada selecção de anedotas jacobinas.
E não procuram apenas criticar, eles tem iniciativas de entre as quais avulta, pelo significado e pela tremenda eficácia, uma campanha da desbaptização para a qual recorrem a meios próprios em vez de chamarem a Rentokill. Um desses meios, é a carta de pedido de desbaptização para a qual fornecem minuta:
Senhor Padre/Reverendo,
tendo sido baptizado na igreja da freguesia de [__] no dia [__] de [__] do ano [__] sob o nome [__], eu pretendo ter o meu nome removido do vosso registo de baptismo com a seguinte menção: «declarado apóstata por carta escrita datada de [__]».
De facto, as minhas convicções religiosas e filosóficas não correspondem aquelas das pessoas que estimaram em ter-me baptizado. Assim, os seus escrúpulos da verdade, e os meus, serão aliviados, e os vossos registos ficarão isentos de qualquer ambiguidade.
Aguardando uma confirmação escrita,
Cidade de [__], aos [__] de [__] do ano de [__]
Assinatura:
É todo um mundo que desconhecia inteiramente, quiçá uma nova forma de religião que surge diante de mim.
Prometo a mim próprio que doravante me afastarei deles e não mais os referirei aqui. Antes que a perplexidade do guia se transforme em descrença.
terça-feira, janeiro 27, 2004
Amigo
Muito, mas muito obrigado, Fernando. Não resisto a transcrever:
Senhor Deus,
Não tenho a menor ideia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.
Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.
Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.
Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correcto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.
Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
E não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.
Senhor Deus,
Não tenho a menor ideia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.
Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.
Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.
Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correcto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.
Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
E não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.
segunda-feira, janeiro 26, 2004
Saudades
Neste dia de terrível expectativa, não consigo fazer nada de jeito. Para não encarar os que trabalham comigo e gostariam de receber de mim respostas que não tenho para dar, tenho feito uns telefonemas, tenho passeado pela blogosfera, tenho escrito uns posts futuros. E tenho-me lembrado do Vizinho do mar. Ele escreveu muita coisa que eu gostava de ter escrito. Nele não havia este narcisismo que nos afecta e mina a todos nós, bloggers. Era edificante lê-lo. Era às vezes um bálsamo, outras um desafio. Enfim, faz uma falta do caraças. E desgosta-me não ter ido gravando o seu blogue. Só por duas vezes gravei um post seu. E um deles, um dos que só um pai pode apreciar devidamente, é este:
Frases (para a minha filha):
No discurso líquido do poema invento a paisagem do teu nome.
Gosto quando adormeces no meu ombro, sonhando sonhos que só a ti pertencem.
Levo-te pelas ruas, de mãos dadas, sabendo que no teu futuro está a minha morte.
O teu sorriso vem ao encontro do meu; é quase noite e não há mistérios.
Tens os dedos longos da ternura.
O que aprendeste em mim, gosto de o pensar, deve ter sido a voz serena dos dias.
Pai, é o que me dizes melhor.
Olhamo-nos de frente, cúmplices nos gestos e no passado.
Sou tímido quando converso contigo, talvez por saber que as tuas razões são mais importantes do que as minhas memórias.
(para continuar, um dia)
Frases (para a minha filha):
No discurso líquido do poema invento a paisagem do teu nome.
Gosto quando adormeces no meu ombro, sonhando sonhos que só a ti pertencem.
Levo-te pelas ruas, de mãos dadas, sabendo que no teu futuro está a minha morte.
O teu sorriso vem ao encontro do meu; é quase noite e não há mistérios.
Tens os dedos longos da ternura.
O que aprendeste em mim, gosto de o pensar, deve ter sido a voz serena dos dias.
Pai, é o que me dizes melhor.
Olhamo-nos de frente, cúmplices nos gestos e no passado.
Sou tímido quando converso contigo, talvez por saber que as tuas razões são mais importantes do que as minhas memórias.
(para continuar, um dia)
Ainda os meus ateus de estimação
Emocionado, revejo neles a saga dos primeiros cristãos: "Todas as terceiras terças-feiras de cada mês realizam-se encontros informais de ateus e ateias em várias cidades de todo o mundo, incluindo Lisboa e Porto". E são organizados, usam recursos engenhosos: "se estiver interessado na eventual possibilidade de vir a participar num destes encontros informais, pode inscrever-se desde já no atheists' meetup. A inscrição é gratuita, e não implica a confirmação de comparência já no próximo encontro. Uma vez inscrito, receberá duas mensagens por mês: a primeira, na primeira semana de cada mês, pedir-lhe-á para votar num ponto de encontro. Deverá fazê-lo, pois está a eleger o local da sua preferência. Na eventualidade de não haver cinco votos para um ponto de encontro, o meetup dá o encontro por cancelado. Havendo mais de cinco votos, na terceira semana o meetup envia-lhe outro email com o local escolhido, pede-lhe para confirmar a sua presença. Deverá confirmar ou declinar o convite. Havendo mais de cinco pessoas confirmadas, o encontro é oficial. Menos de cinco, e o meetup cancela o evento".
Connosco, os Cristãos, "se estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, eu estarei no meio deles". Com os Ateus, e Ateias, parece que é preciso um bocadinho mais.
E existem códigos de reconhecimento: "Para reconhecer o grupo num primeiro encontro, procure por este papel imprimido que a primeira pessoa a chegar deve colocar em cima da mesa". E são universalistas: "Quando em viagem, participe em meetups de ateus de outras cidades. Para mudar de cidade, vá a My Profile, e altere a cidade definida para o próximo encontro. Assim, conhecerá ainda mais ateus e ateias". E prometem não ficar por aqui: "O Primeiro Encontro de Ateus e Ateias (ENAA), a realizar no próximo dia 27, em Coimbra, já tem 23 inscritos. Começaremos por conquistar Coimbra, depois Portugal e, finalmente... o MUNDO!!!".
A acompanhar com enorme atenção.
Connosco, os Cristãos, "se estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, eu estarei no meio deles". Com os Ateus, e Ateias, parece que é preciso um bocadinho mais.
E existem códigos de reconhecimento: "Para reconhecer o grupo num primeiro encontro, procure por este papel imprimido que a primeira pessoa a chegar deve colocar em cima da mesa". E são universalistas: "Quando em viagem, participe em meetups de ateus de outras cidades. Para mudar de cidade, vá a My Profile, e altere a cidade definida para o próximo encontro. Assim, conhecerá ainda mais ateus e ateias". E prometem não ficar por aqui: "O Primeiro Encontro de Ateus e Ateias (ENAA), a realizar no próximo dia 27, em Coimbra, já tem 23 inscritos. Começaremos por conquistar Coimbra, depois Portugal e, finalmente... o MUNDO!!!".
A acompanhar com enorme atenção.
Loosing my religion
O Tiago prestou-me mais um inestimável serviço: apontou-me o caminho do Diário de uns ateus. Estive agora uma meia horita a lê-los, enquanto espero uma notícia que não queria que chegasse. E sinto aquela exaltação de quem descobriu uma coisa nova, mas de que já suspeitava há muito: descobri um ateísmo confessional, congregacional, ortodoxo e proselitista.
Eles organizam o 1º Encontro Nacional de Ateus e Ateias (ENAA), de que resultou uma declaração pública e até uma fotografia de grupo. Eles tem uma terminologia própria, para iniciados: ICAR significa Igreja Católica e Apostólica Romana, JP2 significa o papa João Paulo II. A declaração final avulta em preciosidades: "A alegada intenção ecuménica de JP2 não foi mais do que uma tentativa canhestra de formar uma holding internacional sob a hegemonia da ICAR, sem liberdade para agnósticos, ateus e todos aqueles que lutam contra o obscurantismo e o fanatismo", "Mais justos que Deus são os homens na sua progressiva marcha para a eliminação de qualquer forma de discriminação","A Europa não pode esquecer que o capricho papal de uma Croácia católica pesou no desmembramento da Jugoslávia, que a Polónia exporta religião e padres de acordo com a obsessão paranóica do Vaticano", "No antigo bloco soviético anda à solta o cristianismo ortodoxo. O Vaticano faz a ponte entre o estalinismo e o concílio de Trento". Mas a frase final, essa, esmagou-me pela sua rústica veemência: "Vale mais o primeiro almoço do que a última ceia".
E eles sabem do que falam e matam toda a esperança do crente: "A maldade da ICAR não pressupõe a bondade de qualquer outra igreja".
Deve ser por isso que a evangélica Voz do Deserto é classificada como católica: no fundo é tudo igual!
E, certamente já fertilizado pela semente da dúvida que estes beneméritos lançam pela blogosfera, eu não resisto a colocá-los, já e agora, nos meus links.
Eles organizam o 1º Encontro Nacional de Ateus e Ateias (ENAA), de que resultou uma declaração pública e até uma fotografia de grupo. Eles tem uma terminologia própria, para iniciados: ICAR significa Igreja Católica e Apostólica Romana, JP2 significa o papa João Paulo II. A declaração final avulta em preciosidades: "A alegada intenção ecuménica de JP2 não foi mais do que uma tentativa canhestra de formar uma holding internacional sob a hegemonia da ICAR, sem liberdade para agnósticos, ateus e todos aqueles que lutam contra o obscurantismo e o fanatismo", "Mais justos que Deus são os homens na sua progressiva marcha para a eliminação de qualquer forma de discriminação","A Europa não pode esquecer que o capricho papal de uma Croácia católica pesou no desmembramento da Jugoslávia, que a Polónia exporta religião e padres de acordo com a obsessão paranóica do Vaticano", "No antigo bloco soviético anda à solta o cristianismo ortodoxo. O Vaticano faz a ponte entre o estalinismo e o concílio de Trento". Mas a frase final, essa, esmagou-me pela sua rústica veemência: "Vale mais o primeiro almoço do que a última ceia".
E eles sabem do que falam e matam toda a esperança do crente: "A maldade da ICAR não pressupõe a bondade de qualquer outra igreja".
Deve ser por isso que a evangélica Voz do Deserto é classificada como católica: no fundo é tudo igual!
E, certamente já fertilizado pela semente da dúvida que estes beneméritos lançam pela blogosfera, eu não resisto a colocá-los, já e agora, nos meus links.
Religiões Comparadas
O Nuno Guerreiro começou a responder às perguntas que eu tinha feito sobre o Credo Judaico, colocado há uns dias na sua excelente Rua da Judiaria. Não quero deixar de agradecer a simpatia e profundidade com que ele o faz.
Duas reflexões apenas.
As minhas migalhas de conhecimento sobre alguns pontos mais específicos da Fé Judaica, nomeadamente a Kabbalah Luriana, das quais o Nuno se surpreende tão amavelmente, devem-se apenas à minha procura das bases primordiais da minha Fé Cristã onde o Judaísmo não pode obviamente deixar de ser considerado. Tenho aqui que referir dois livros que me orientaram e me tem inspirado neste percurso: são ambos de Paul Johnson e da Editora Imago (Bras.), são a "História do Cristianismo" e a "História dos Judeus". Recomendo-os vivamente a quem estiver interessado.
Uma outra sobre o Nuno. Tanto quanto sei dele, é um português, judeu, que exerce a sua profissão de jornalista, neste momento nos Estados Unidos. Tanto quanto sei é leigo, na medida em que os judeus o são. Ou seja não será, penso eu, um sacerdote. No entanto, desde que comecei a ler o seu blogue, não me deixou nunca de me impressionar o grau de conhecimento e interesse que tem pela sua Fé, pela essência e história da sua religião. Nunca deixou de me impressionar o lugar que esta ocupa no seu mundo intelectual. E não resisto a comparar com o conhecimento que nós, católicos, temos da nossa Fé, da História da nossa Igreja. Se o Nuno fosse católico e tivesse o mesmo grau de conhecimento que tem do judaísmo, teria certamente assento na Conferência Episcopal Portuguesa...
Mas isto são coisas para outros posts.
Duas reflexões apenas.
As minhas migalhas de conhecimento sobre alguns pontos mais específicos da Fé Judaica, nomeadamente a Kabbalah Luriana, das quais o Nuno se surpreende tão amavelmente, devem-se apenas à minha procura das bases primordiais da minha Fé Cristã onde o Judaísmo não pode obviamente deixar de ser considerado. Tenho aqui que referir dois livros que me orientaram e me tem inspirado neste percurso: são ambos de Paul Johnson e da Editora Imago (Bras.), são a "História do Cristianismo" e a "História dos Judeus". Recomendo-os vivamente a quem estiver interessado.
Uma outra sobre o Nuno. Tanto quanto sei dele, é um português, judeu, que exerce a sua profissão de jornalista, neste momento nos Estados Unidos. Tanto quanto sei é leigo, na medida em que os judeus o são. Ou seja não será, penso eu, um sacerdote. No entanto, desde que comecei a ler o seu blogue, não me deixou nunca de me impressionar o grau de conhecimento e interesse que tem pela sua Fé, pela essência e história da sua religião. Nunca deixou de me impressionar o lugar que esta ocupa no seu mundo intelectual. E não resisto a comparar com o conhecimento que nós, católicos, temos da nossa Fé, da História da nossa Igreja. Se o Nuno fosse católico e tivesse o mesmo grau de conhecimento que tem do judaísmo, teria certamente assento na Conferência Episcopal Portuguesa...
Mas isto são coisas para outros posts.
sexta-feira, janeiro 23, 2004
Countdown is running
Acabo mais uma semana e não sei o que dizer nem pensar. Mais vale citar Eno, que ontem cantava na 2:,
Here we are,
stucked by this river,
You and I,
underneath the sky
that´s ever falling down.
Through the day,
as if on an ocean,
waiting here,
always failing
to remember why we came,
I wonder why we came.
You talk to me,
as if from a distance,
and I reply
with impressions
chosen from another time.
Nada mais apropriado.
Vou para casa.
Here we are,
stucked by this river,
You and I,
underneath the sky
that´s ever falling down.
Through the day,
as if on an ocean,
waiting here,
always failing
to remember why we came,
I wonder why we came.
You talk to me,
as if from a distance,
and I reply
with impressions
chosen from another time.
Nada mais apropriado.
Vou para casa.
Aí estão eles novamente!
Saiu o 3º número dos Animais Evangélicos e eis que se confirmam como um repositório de pensamento cristão de altíssima qualidade. Hoje destacam-se dois textos importantíssimos.
Samuel Nunes diz o que já precisava de ser dito sobre a pedofilia, em relação à qual o relativismo moral começou a dar sinais. Diz ele: "Da mesma forma, as crianças terão atitudes voluntárias mas não escolhas morais deliberadas. Certamente que terão algum conhecimento e terão noções de princípios morais, mas a sua apreensão não é completa. Daí que ter sexo com crianças será sempre um crime, porque mesmo quando consentem na pratica sexual, elas são incapazes de deliberar. (...)Obviamente que o emancipado sexual não acredita em padrões normativos quando se fala de sexo. Para ele o sexo é puro prazer. Nada mais! E aqui coloca-se a pergunta: se o sexo é apenas prazer, então por que não deixar que as crianças pratiquem sexo à vontade. Afinal elas também sabem o que dá e não dá prazer! E, assim resvalamos para a escravidão sexual de menores. Não admira! Sem premissas, resta a permissividade".
Samuel Úria produz um conjunto de desapaixonadas e lúcidas reflexões sobre a atitude actual dos evangélicos. Já muitas vezes pensei em termos semelhantes para os católicos, agora que também somos minoria religiosa. Católicos e evangélicos, todos temos que enfiar a carapuça do Samuel: "As facilidades e a liberdade de expressão do jovem evangélico estão a manifestar-se num assustador fenómeno: o do surgimento da nada cultural “cultura evangélica” (...)não me parece correcto o sistema da referida cultura evangélica: abstrai-se do mundo para se deleitar numa “relação cor-de-rosa” com Deus (...) Custa-me que se amaldiçoe a intelectualidade secular e privilegie uma confortável e imperturbável troca de demagogias. (...) Não nos deixamos corromper pelo mundo, mas não nos corromperemos pelas nossas concupiscências religiosas? (...).".
Decididamente a lucidez é uma das qualidades humanas que mais aprecio e é seguramente aquela que mais falta.
Samuel Nunes diz o que já precisava de ser dito sobre a pedofilia, em relação à qual o relativismo moral começou a dar sinais. Diz ele: "Da mesma forma, as crianças terão atitudes voluntárias mas não escolhas morais deliberadas. Certamente que terão algum conhecimento e terão noções de princípios morais, mas a sua apreensão não é completa. Daí que ter sexo com crianças será sempre um crime, porque mesmo quando consentem na pratica sexual, elas são incapazes de deliberar. (...)Obviamente que o emancipado sexual não acredita em padrões normativos quando se fala de sexo. Para ele o sexo é puro prazer. Nada mais! E aqui coloca-se a pergunta: se o sexo é apenas prazer, então por que não deixar que as crianças pratiquem sexo à vontade. Afinal elas também sabem o que dá e não dá prazer! E, assim resvalamos para a escravidão sexual de menores. Não admira! Sem premissas, resta a permissividade".
Samuel Úria produz um conjunto de desapaixonadas e lúcidas reflexões sobre a atitude actual dos evangélicos. Já muitas vezes pensei em termos semelhantes para os católicos, agora que também somos minoria religiosa. Católicos e evangélicos, todos temos que enfiar a carapuça do Samuel: "As facilidades e a liberdade de expressão do jovem evangélico estão a manifestar-se num assustador fenómeno: o do surgimento da nada cultural “cultura evangélica” (...)não me parece correcto o sistema da referida cultura evangélica: abstrai-se do mundo para se deleitar numa “relação cor-de-rosa” com Deus (...) Custa-me que se amaldiçoe a intelectualidade secular e privilegie uma confortável e imperturbável troca de demagogias. (...) Não nos deixamos corromper pelo mundo, mas não nos corromperemos pelas nossas concupiscências religiosas? (...).".
Decididamente a lucidez é uma das qualidades humanas que mais aprecio e é seguramente aquela que mais falta.
Verdade e Fé
O Vincent tem obviamente razão quando diz que o cerne deste “equívoco” reside na semântica da palavra Verdade. A minha Verdade, aquela que eu procuro, aquela que eu sei que nesta vida não a vou encontrar, é a Verdade total, a revelação plena, a visão de Deus tal qual ele é, como diz S.João acerca da salvação. E esta Verdade nunca esteve até agora perante este pobre pecador, que não viu nenhuma sarça ardente, que não teve a sua visão na estrada de Damasco, que não foi nunca interpelado por nenhum Anjo.
Contudo fui, isso sim, posto perante a Palavra de Cristo, o Verbo Divino feito homem entre nós. E acreditei nela, acredito nela profundamente, crescentemente. E essa Palavra, se o Vincent me permite utilisar, agora sim, o jargão católico, essa Palavra é que é a razão da minha esperança. A minha Fé baseia-se pois numa profunda esperança criada em mim pela palavra de Deus. E é por de entre essa esperança que eu sinto de forma quase material a Graça de Deus, o seu amor de Pai, a acção do Espírito Santo no meu coração e no meu espírito humano. É através dessa esperança que sinto em mim o cumprimento da promessa da “vida em abundância”. Vou-lhe confessar aqui uma coisa, caríssimo Vincent, a minha Fé, como penso que a sua também, já teve crises. Já muitas vezes receei, como Sta.Teresa de Jesus, vir a encontrar no lado de lá a escuridão do nada. Mas mesmo nesses períodos de crise, até aqui sempre resolvidos, nunca deixei de ver claramente visto, que a Fé me alimenta, me torna alguém melhor, me dá um sentido profundo para tudo isto. Tanto que só pode ser um dom, uma graça de Deus nosso Pai. Usando a frase de S.Paulo que você citou e bem, eu digo que agora vejo em parte e amo já o que vejo mas o que me anima, me constrói, me define, é a esperança, enorme, de que um dia, ou melhor depois de um certo dia que lá vem, eu verei face a face. Até lá eu procuro, com dificuldades é certo, viver na Fé que tenho. Viver na tal Verdade é algo que não parece estar ao meu alcance.
Quanto à noção de “Deus a actuar nas nossas vidas” deixe-me dizer-lhe que isso é algo que episodicamente já senti, por coisas que em dadas alturas me aconteceram, mas, mais do que isso, é algo que eu sinto todos os dias simplesmente pela Fé que Nele tenho.
Para terminar, Vincent, meu amigo e irmão na Fé, gostaria de lhe fazer uma pergunta vinda de alguém que só agora na blogosfera começou a conhecer e respeitar o pensamento protestante: nestas diferenças de conceitos que agora dirimimos existe algo de catolicismo e protestantismo em confronto? Se houver gostaria sinceramente de saber o quê.
Contudo fui, isso sim, posto perante a Palavra de Cristo, o Verbo Divino feito homem entre nós. E acreditei nela, acredito nela profundamente, crescentemente. E essa Palavra, se o Vincent me permite utilisar, agora sim, o jargão católico, essa Palavra é que é a razão da minha esperança. A minha Fé baseia-se pois numa profunda esperança criada em mim pela palavra de Deus. E é por de entre essa esperança que eu sinto de forma quase material a Graça de Deus, o seu amor de Pai, a acção do Espírito Santo no meu coração e no meu espírito humano. É através dessa esperança que sinto em mim o cumprimento da promessa da “vida em abundância”. Vou-lhe confessar aqui uma coisa, caríssimo Vincent, a minha Fé, como penso que a sua também, já teve crises. Já muitas vezes receei, como Sta.Teresa de Jesus, vir a encontrar no lado de lá a escuridão do nada. Mas mesmo nesses períodos de crise, até aqui sempre resolvidos, nunca deixei de ver claramente visto, que a Fé me alimenta, me torna alguém melhor, me dá um sentido profundo para tudo isto. Tanto que só pode ser um dom, uma graça de Deus nosso Pai. Usando a frase de S.Paulo que você citou e bem, eu digo que agora vejo em parte e amo já o que vejo mas o que me anima, me constrói, me define, é a esperança, enorme, de que um dia, ou melhor depois de um certo dia que lá vem, eu verei face a face. Até lá eu procuro, com dificuldades é certo, viver na Fé que tenho. Viver na tal Verdade é algo que não parece estar ao meu alcance.
Quanto à noção de “Deus a actuar nas nossas vidas” deixe-me dizer-lhe que isso é algo que episodicamente já senti, por coisas que em dadas alturas me aconteceram, mas, mais do que isso, é algo que eu sinto todos os dias simplesmente pela Fé que Nele tenho.
Para terminar, Vincent, meu amigo e irmão na Fé, gostaria de lhe fazer uma pergunta vinda de alguém que só agora na blogosfera começou a conhecer e respeitar o pensamento protestante: nestas diferenças de conceitos que agora dirimimos existe algo de catolicismo e protestantismo em confronto? Se houver gostaria sinceramente de saber o quê.
quinta-feira, janeiro 22, 2004
Anabaptistas, Menoritas, Ebionitas, Docetas & Ca.
Os irmãos Bengelsdorff andam às voltas com os Anabaptistas. Dessa seita cristã pouco conheço excepto aquilo que retive da "Obra ao Negro" da Yourcenar. E o que retive não me é agradável, lembra-me um pouco aquelas seitas milenaristas que foram aparecendo e desaparecendo ao longo destes dois milénios. Mas não gosto de falar daquilo que pouco conheço.
Contudo no post de hoje do David, há algo que me perturba quando eles nos fala da "alegria e a perplexidade causadas pela descoberta da Verdade". É que para a mim a Fé, a sua grandeza, reside na procura da Verdade e não na sua descoberta. A descoberta da Verdade não está simplesmente ao nosso alcance enquanto andamos por este mundo. A procura, essa sim, é o que nos define a nós crentes. E é o que nos dignifica pois é uma procura humilde, que sabe que não vai terminar. A descoberta da Verdade é algo parecido com o comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal do Génesis.
Para mim todos os que procuram Deus, sejam católicos, evangélicos, ortodoxos, nestorianos, maronitas, sejam cristãos ou não cristãos, todos eles tem a mesma dignidade e legitimidade. Agora daqueles que já descobriram Deus, que já descobriram a Verdade, eu diria que, independentemente do seu credo, esses é que são os verdadeiros heréticos.
"Felizes os puros de coração, pois esses irão ver a Deus". Acredito profundamente que sim. Mas a seu tempo.
Contudo no post de hoje do David, há algo que me perturba quando eles nos fala da "alegria e a perplexidade causadas pela descoberta da Verdade". É que para a mim a Fé, a sua grandeza, reside na procura da Verdade e não na sua descoberta. A descoberta da Verdade não está simplesmente ao nosso alcance enquanto andamos por este mundo. A procura, essa sim, é o que nos define a nós crentes. E é o que nos dignifica pois é uma procura humilde, que sabe que não vai terminar. A descoberta da Verdade é algo parecido com o comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal do Génesis.
Para mim todos os que procuram Deus, sejam católicos, evangélicos, ortodoxos, nestorianos, maronitas, sejam cristãos ou não cristãos, todos eles tem a mesma dignidade e legitimidade. Agora daqueles que já descobriram Deus, que já descobriram a Verdade, eu diria que, independentemente do seu credo, esses é que são os verdadeiros heréticos.
"Felizes os puros de coração, pois esses irão ver a Deus". Acredito profundamente que sim. Mas a seu tempo.
Curta
Eis-nos finalmente perante a derradeira porta.
Corremos para ela, largando tudo o que nos restava.
Mas a porta parece estar a fechar-se.
Meu Deus e meu Pai:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
Corremos para ela, largando tudo o que nos restava.
Mas a porta parece estar a fechar-se.
Meu Deus e meu Pai:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
Preocupação
Vizinho do mar, irmão e amigo, por onde andas tu? Não podes deixar a blogosfera assim, sem avisar. Ou será que avisaste?
Agradecimento
Quero agradecer à comunidade diocesana de Braga o facto terem colocado o Guia na lista de links do seu excelente blogue. Sinto-me honrado por isso. E também me sinto especialmente feliz pelo signifcado de vocês terem lá colocado também uma voz evangélica.
quarta-feira, janeiro 21, 2004
Unidade dos Cristãos 2
Muito interessante o que o Rui diz sobre este assunto. Sobretudo por ser muito realista: "Os entusiasmos precipitados (sobre o ecumenismo) podem-nos levar à confusão. Às tantas, com tanta partilha e suposta unidade podemos ficar sem saber o que é importante e o que não é. A relativização dos valores religiosos adquiridos ao longo de uma vida pode ser fatal. Não faz sentido abdicar de valores que sempre se tiveram como certos apenas por uma questão de mero entendimento momentâneo".
Como sabem eu sou um entusiasta do ecumenismo, em nome do qual iniciei este blogue. Acho porém que a minha Igreja vai por um caminho de muito duvidoso resultado. Para mim a unidade dos cristãos reside no back to basics. Já aqui disse que eu e muitos outros não vemos o ecumenismo como o regresso de irmãos transviados à Verdade Pura e Eterna da Igreja Católica: o ecumenismo deve sim representar o regresso de todo povo cristão à essência profunda e verdadeira da Fé que nasceu em Cristo.
Agora este movimento não será nunca fácil e o maior erro será ignorar, como diz e bem Rui Almeida, "as concepções e ideias distintas de uma fé que decerto radica no mesmo Senhor, Jesus Cristo". De facto, estas especificidades, estes valores próprios, são muitas vezes o maior suporte da Fé dos cristãos, às vezes mais do que a própria palavra de cristo.
Como sabem eu sou um entusiasta do ecumenismo, em nome do qual iniciei este blogue. Acho porém que a minha Igreja vai por um caminho de muito duvidoso resultado. Para mim a unidade dos cristãos reside no back to basics. Já aqui disse que eu e muitos outros não vemos o ecumenismo como o regresso de irmãos transviados à Verdade Pura e Eterna da Igreja Católica: o ecumenismo deve sim representar o regresso de todo povo cristão à essência profunda e verdadeira da Fé que nasceu em Cristo.
Agora este movimento não será nunca fácil e o maior erro será ignorar, como diz e bem Rui Almeida, "as concepções e ideias distintas de uma fé que decerto radica no mesmo Senhor, Jesus Cristo". De facto, estas especificidades, estes valores próprios, são muitas vezes o maior suporte da Fé dos cristãos, às vezes mais do que a própria palavra de cristo.
Unidade dos Cristãos ?
O meu futuro amigo Tiago lembra-nos hoje que estamos na semana de oração pela unidade dos cristãos. E, com boa vontade, abstém-se de, sobre a qualidade dum bitoque que comeu junto com um católico amigo, tirar ilações sobre a utilidade de tudo isto.
No domingo passado, na minha missa paroquial, o nosso bom padre lê-nos, um pouco hesitante, uma nota do prior sobre esta semana de oração, nota que constava do boletim dominical que nos é distribuído à saída. Dizia aquele naco de prosa:
"A divisão da Igreja no Ocidente, que se verificou a partir do séc.XVI, constitui uma dolorosa chaga eclesial. A crise da Igreja Católica que procurou sanar-se após o concílio de Trento, está em boa parte na origem da proliferação de numerosas igrejas, que reclamam o nome de cristãs(!), embora vivam separadas umas das outras e às vezes com divergências profundas. A unidade da única Igreja de Cristo, pela qual Ele orou na última ceia, está infelizmente ainda longe de ser refeita, apesar de todos os esforços de carácter ecuménico que se tem realizado. (...) Somos assim chamados a orar fervorosamente pela unidade da Igreja (...) e lembremo-nos de que a oração comunitária tem especial eficácia".
Fiquei estarrecido e pensei de novo que assim não vamos lá!
Depois dum silêncio, o Padre disse-nos que a propósito desta questão e tendo-a em mente, devíamos reler as leituras do dia, especialmente a Carta de S.Paulo aos Coríntios (1 Cor 12, 4-11), sobre a diversidade dos dons espirituais pelos quais se manifesta em nós o Espírito Santo. E disse: "Nas leituras da Missa é que está a palavra de Deus e essa é a que verdadeiramente interessa". Penso que compreendi o que ele queria dizer.
No domingo passado, na minha missa paroquial, o nosso bom padre lê-nos, um pouco hesitante, uma nota do prior sobre esta semana de oração, nota que constava do boletim dominical que nos é distribuído à saída. Dizia aquele naco de prosa:
"A divisão da Igreja no Ocidente, que se verificou a partir do séc.XVI, constitui uma dolorosa chaga eclesial. A crise da Igreja Católica que procurou sanar-se após o concílio de Trento, está em boa parte na origem da proliferação de numerosas igrejas, que reclamam o nome de cristãs(!), embora vivam separadas umas das outras e às vezes com divergências profundas. A unidade da única Igreja de Cristo, pela qual Ele orou na última ceia, está infelizmente ainda longe de ser refeita, apesar de todos os esforços de carácter ecuménico que se tem realizado. (...) Somos assim chamados a orar fervorosamente pela unidade da Igreja (...) e lembremo-nos de que a oração comunitária tem especial eficácia".
Fiquei estarrecido e pensei de novo que assim não vamos lá!
Depois dum silêncio, o Padre disse-nos que a propósito desta questão e tendo-a em mente, devíamos reler as leituras do dia, especialmente a Carta de S.Paulo aos Coríntios (1 Cor 12, 4-11), sobre a diversidade dos dons espirituais pelos quais se manifesta em nós o Espírito Santo. E disse: "Nas leituras da Missa é que está a palavra de Deus e essa é a que verdadeiramente interessa". Penso que compreendi o que ele queria dizer.
Vésperas
Ontem saí daqui derreado, como de costume, vergado pela ideia de que o damage control é já só o que me resta fazer.
Mas cheguei a casa e deparei com o amor visível de três pessoas que amo e que ontem, como noutros dias, olharam bem para mim e me trataram realmente bem. Até a minha filha de sete anos resolveu ser dessa vez ela a contar-me uma história de antes de dormir. E leu-a concentradamente, soberbamente, com esforços de entoação e tudo.
Depois de me ter desenfarpelado e deixado os miúdos a dormir puz-me a ver a Dois. E tive a sorte de estar a dar aquele série de viagens do Michael Palin pelo Sahara, desta vez de Dakar até Timbuktu, com cenas hilariantes pelo meio. Viajando pelo rio Niger, em direcção à mítica Timbuktu, Palin encontra uma missionária protestante norueguesa há 15 anos no Mali, em terras do Islão. Palin pergunta-lhe quantos muçulmanos ela tinha convertido. E ela, simpatica mas firmemente, recusou responder a essa pergunta tão ridícula como perigosa. Dizia ela, suavemente, que um, cem ou mil era exactamente igual. Interessava sim viver no meio deles, como eles, ajudá-los, mostrar que os ama e que quer ser amada por eles. Lindo.
Depois, enquanto a minha mulher se ia deitando puz finalmente o LC a tocar. E de novo embasbaquei perante os Sketch for dawn I e II, o Messidor, o fantástico Never known, o The act committed, seguido da primeira música que conheci dos Durutti ouvida no genérico dum qualquer programa de rádio: Detail for Paul. A terminar uma preciosidade ao piano: The sweet cheat gone. Lizt e Satie, não fariam melhor.
Enfim, fui deitar-me redimido, com a alma limpa de toda a amargura. Dei graças a Deus por tudo isto.
Mas cheguei a casa e deparei com o amor visível de três pessoas que amo e que ontem, como noutros dias, olharam bem para mim e me trataram realmente bem. Até a minha filha de sete anos resolveu ser dessa vez ela a contar-me uma história de antes de dormir. E leu-a concentradamente, soberbamente, com esforços de entoação e tudo.
Depois de me ter desenfarpelado e deixado os miúdos a dormir puz-me a ver a Dois. E tive a sorte de estar a dar aquele série de viagens do Michael Palin pelo Sahara, desta vez de Dakar até Timbuktu, com cenas hilariantes pelo meio. Viajando pelo rio Niger, em direcção à mítica Timbuktu, Palin encontra uma missionária protestante norueguesa há 15 anos no Mali, em terras do Islão. Palin pergunta-lhe quantos muçulmanos ela tinha convertido. E ela, simpatica mas firmemente, recusou responder a essa pergunta tão ridícula como perigosa. Dizia ela, suavemente, que um, cem ou mil era exactamente igual. Interessava sim viver no meio deles, como eles, ajudá-los, mostrar que os ama e que quer ser amada por eles. Lindo.
Depois, enquanto a minha mulher se ia deitando puz finalmente o LC a tocar. E de novo embasbaquei perante os Sketch for dawn I e II, o Messidor, o fantástico Never known, o The act committed, seguido da primeira música que conheci dos Durutti ouvida no genérico dum qualquer programa de rádio: Detail for Paul. A terminar uma preciosidade ao piano: The sweet cheat gone. Lizt e Satie, não fariam melhor.
Enfim, fui deitar-me redimido, com a alma limpa de toda a amargura. Dei graças a Deus por tudo isto.
terça-feira, janeiro 20, 2004
Durutti
Bloggers amigos falam por aí duma inesperada notícia: os Durutti Column ainda existem e vão dar um concerto em Lisboa. Há um disco deles, o LC, que me acompanha há cerca de 20 anos. Tive até a sorte de uma vez ter feito uma viagem de comboio Porto-Lisboa, ao lado do Vini Reilly, conversando com ele. LC é um disco que me conforta e me confronta comigo próprio.
Conforta-me pela sua música etérea, sempre diferente quando a ouço, uma música que me dá paz sempre quando dela preciso. Mas confronta-me pelo facto do meu primeiro exemplar do LC me ter sido oferecido por um grande amigo que morreu há 12 anos e que era um grande fã deles, talvez dos primeiros. Morreu zangado e desiludido comigo e eu só soube disso depois da sua morte. Nunca me perdoei por isso e ao ouvir Durutti Column recordo-me dele e reconheço que mantenho ainda os defeitos que nos afastaram e impediram que eu o pudesse ter ajudado na sua longa agonia.
Seja como fôr continuei sempre a ouvir o LC: dá-me paz de espírito e dá-me a justa medida das minhas lacunas humanas.
Hoje contudo vou de novo ouvir Vini, vou rezar pelo Jorge, talvez para que ele saiba que não o esqueci e que ainda hoje lamento.
Conforta-me pela sua música etérea, sempre diferente quando a ouço, uma música que me dá paz sempre quando dela preciso. Mas confronta-me pelo facto do meu primeiro exemplar do LC me ter sido oferecido por um grande amigo que morreu há 12 anos e que era um grande fã deles, talvez dos primeiros. Morreu zangado e desiludido comigo e eu só soube disso depois da sua morte. Nunca me perdoei por isso e ao ouvir Durutti Column recordo-me dele e reconheço que mantenho ainda os defeitos que nos afastaram e impediram que eu o pudesse ter ajudado na sua longa agonia.
Seja como fôr continuei sempre a ouvir o LC: dá-me paz de espírito e dá-me a justa medida das minhas lacunas humanas.
Hoje contudo vou de novo ouvir Vini, vou rezar pelo Jorge, talvez para que ele saiba que não o esqueci e que ainda hoje lamento.
segunda-feira, janeiro 19, 2004
Diálogos inter-religiosos : Judaísmo
Se já é bastante espessa a ignorância de muitos cristãos sobre as bases essencias da nossa Fé, então que dizer da ignorância que temos sobre a religião de onde surgiu a nossa? É bem sabido que tendo S.Paulo universalizado definitivamente o cristianisno, retirando-o da matriz judaica onde se formou, foi iniciado um longo caminho de diferenciação e de antagonismo.
Nos primeiros séculos a Igreja procurou diferenciar-se do judaísmo pois só assim poderia deixar de ser a Fé de um povo e ser uma Fé de todos os povos. A Carta a Diogneto, de que já aqui falei, dedica uma boa parte à explicação da diferença entre cristãos e judeus. Mas simultâneamente, a Igreja não rejeitou a Torah (o Pentateuco) nem mesmo a Tanakh (a Bíblia judaica) que, através da Septuaginta, tradução para grego feita por judeus de Alexandria, passou a constituir o Antigo Testamento cristão. Nele e por ele, a Igreja encontrava e mostrava ao mundo qual era o seu Deus e, sobretudo, que a vinda de Cristo enquanto Messias, enquanto sinal vivo da Nova Aliança de Deus tinha sido há muito anunciada ao mundo tal como também tinha sido anunciada a rejeição dessa Nova Aliança pelos detentores da Antiga. E essa rejeição foi usada recorrentemente para transformar diferenciação em antagonismo, tantas vezes de forma intolerável e monstruosa.
Mas do que agora venho falar é duma consequência e também causa desse antagonismo e que é a enorme nossa ignorância da matriz judaica da nossa Fé, da dívida que lhe tem o Cristianismo. É bem sabido que, sobretudo nos católicos, o Antigo Testamento, apesar de ser todos os dias lido nas missas é profundamente ignorado com excepção do Génesis, do Êxodo, talvez do livro de Job. Até há bem pouco tempo eu não via qualquer contributo desse lado para a minha Fé. Há 2 ou 3 anos contudo foi editada a primeira parte duma obra soberba pela Editora Três Sinais que era uma colecção de todos os livros da Bíblia, prefaciada por conhecidas pessoas de craveira intelectual inatacável. E foi assim que comecei um percurso, ainda muito longe de estar terminado, e que é conhecer o Antigo Testamento o que traz automaticamente a conhecer um pouco melhor a base da Fé judaica. E digo base pois para além do Tanakh há o Talmude, a Mishnah, a Kabbalah, uma imensidão de coisas que nem sequer aspiro a ver a capa e de cujo inter-relacionamento e inter-prevalência não tenho qualquer vislumbre.
Vem isto a propósito de um excelente blogue que já aqui referi, a Rua da Judiaria onde o Nuno vem fazendo um esforço sério de divulgação do Judaísmo. Eu ia dizer enquanto religião mas aqui hesito pois para mim o judaísmo é algo mais do que uma religião. Mas isso são também outras conversas.
Na semana passada houve um utilíssimo post em que o Nuno nos deu um interessante resumo do credo judaico, tão mal conhecido por nós que viemos e abjurámos dele.
Todavia há ali alguns pontos que me suscitam dúvidas e comentários.
Um diz respeito ao Messias que Nuno diz não fazer parte do Judaísmo. Mas a ideia do Messias não foi lançada por Isaías? E se avançarmos dois milénios não vemos a ideia messiânica definitivamente instalada no misticismo judaico da Kabalah, por Isaac Luria ?
Segundo li algures o judaísmo ou o misticismo judaico assimilou a crença de que as infelicidades judaicas eram sintoma de ruptura no cosmos, no qual o povo judeu é símbolo e agente activo. Enquanto símbolo, as injúrias infligidas pelos gentios são como o Mal que fere a Luz. Mas, enquanto agentes cabe aos judeus restaurar o cosmos. E, quando pela mais estrita observância da Lei, terminar o exílio da Luz, então virá o Messias, o Terceiro Templo e a redenção cósmica. Houve na história do Judaísmo (por ex. nos Sec. XVI e XVII) vários iluminados que foram acolhidos esperançadamente como Messias. Não houve também ao longo da história da Diáspora e dos seus sofrimentos e opressões um sentimento místico comum aos Judeus em que o seu sofrimento quanto mais inominável fosse mais fazia apressar a vinda do Messias?
Outro ponto que me sucitou dúvidas é o do Julgamento: “Cada pessoa é julgada com base apenas nos seus actos, independentemente de outros factores, tais como crença, etnia ou orientação sexual. Os actos de outras pessoas – quer sejam familiares, antepassados ou homens santos – são irrelevantes”. Aqui recordo-me de passagens do Evangelho em que cegos ou surdos de nascença eram vistos como seres que expiavam pecados dos pais. Pergunto assim ao Nuno: a doutrina evoluiu neste ponto ou os Evangelistas deturparam-no?
Outra questão que ainda me confunde é a da vida depois da Morte. Os judeus acreditam ou não na Vida Eterna? Tanto quanto sei, no tempo de Cristo haviam 4 correntes doutrinárias judaicas: os saduceus, os fariseus e os zelotas. Os fariseus distinguiam-se dos saduceus entre outras coisas por acreditarem que havia existência junto de Deus para além da morte. Tendo sido o farisaísmo que prevaleceu na evolução rabínica, qual é a posição actual predominante?
Há ainda uma outra reserva que faço ao Credo Judaico tal como o Nuno o colocou. Sinceramente e sem qualquer animosidade anti-judaica, que não tenho, parece-me que aquele ponto do Povo Eleito, resvalou um pouco para o politicamente correcto ao dizer que “a expressão tem sido distorcida ao ponto de se fazer crer que os judeus se julgam intrinsecamente superiores aos não-judeus. Esta leitura é completamente falsa. Os judeus são “escolhidos” apenas enquanto portadores da Mensagem (Instrução), e seus guardiões através dos séculos. Não existe qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade implicita”. Um povo que, com toda a legitimidade da Fé, se crê como “povo sacerdotal”, fiel depositário da mensagem divina e que, pelo menos nas suas correntes mais místicas, crê ter um papel de charneira na harmonia cósmica, admito que possa não se sentir superior, mas sem dúvida sentir-se-á muito especial.
Não quero ser mal interpretado: relativamente ao judaísmo sinto apenas admiração e curiosidade. Curiosidade de quem quer conhecer as verdadeiras bases da Fé que possui e que é em Cristo. E de quem quer descobrir aquilo que de essencial une as diferentes religiões.
Nesse sentido tenho esperança que a minha leitura diária da Rua da Judiaria me possa ajudar e que este post seja o início de um diálogo profícuo.
Nos primeiros séculos a Igreja procurou diferenciar-se do judaísmo pois só assim poderia deixar de ser a Fé de um povo e ser uma Fé de todos os povos. A Carta a Diogneto, de que já aqui falei, dedica uma boa parte à explicação da diferença entre cristãos e judeus. Mas simultâneamente, a Igreja não rejeitou a Torah (o Pentateuco) nem mesmo a Tanakh (a Bíblia judaica) que, através da Septuaginta, tradução para grego feita por judeus de Alexandria, passou a constituir o Antigo Testamento cristão. Nele e por ele, a Igreja encontrava e mostrava ao mundo qual era o seu Deus e, sobretudo, que a vinda de Cristo enquanto Messias, enquanto sinal vivo da Nova Aliança de Deus tinha sido há muito anunciada ao mundo tal como também tinha sido anunciada a rejeição dessa Nova Aliança pelos detentores da Antiga. E essa rejeição foi usada recorrentemente para transformar diferenciação em antagonismo, tantas vezes de forma intolerável e monstruosa.
Mas do que agora venho falar é duma consequência e também causa desse antagonismo e que é a enorme nossa ignorância da matriz judaica da nossa Fé, da dívida que lhe tem o Cristianismo. É bem sabido que, sobretudo nos católicos, o Antigo Testamento, apesar de ser todos os dias lido nas missas é profundamente ignorado com excepção do Génesis, do Êxodo, talvez do livro de Job. Até há bem pouco tempo eu não via qualquer contributo desse lado para a minha Fé. Há 2 ou 3 anos contudo foi editada a primeira parte duma obra soberba pela Editora Três Sinais que era uma colecção de todos os livros da Bíblia, prefaciada por conhecidas pessoas de craveira intelectual inatacável. E foi assim que comecei um percurso, ainda muito longe de estar terminado, e que é conhecer o Antigo Testamento o que traz automaticamente a conhecer um pouco melhor a base da Fé judaica. E digo base pois para além do Tanakh há o Talmude, a Mishnah, a Kabbalah, uma imensidão de coisas que nem sequer aspiro a ver a capa e de cujo inter-relacionamento e inter-prevalência não tenho qualquer vislumbre.
Vem isto a propósito de um excelente blogue que já aqui referi, a Rua da Judiaria onde o Nuno vem fazendo um esforço sério de divulgação do Judaísmo. Eu ia dizer enquanto religião mas aqui hesito pois para mim o judaísmo é algo mais do que uma religião. Mas isso são também outras conversas.
Na semana passada houve um utilíssimo post em que o Nuno nos deu um interessante resumo do credo judaico, tão mal conhecido por nós que viemos e abjurámos dele.
Todavia há ali alguns pontos que me suscitam dúvidas e comentários.
Um diz respeito ao Messias que Nuno diz não fazer parte do Judaísmo. Mas a ideia do Messias não foi lançada por Isaías? E se avançarmos dois milénios não vemos a ideia messiânica definitivamente instalada no misticismo judaico da Kabalah, por Isaac Luria ?
Segundo li algures o judaísmo ou o misticismo judaico assimilou a crença de que as infelicidades judaicas eram sintoma de ruptura no cosmos, no qual o povo judeu é símbolo e agente activo. Enquanto símbolo, as injúrias infligidas pelos gentios são como o Mal que fere a Luz. Mas, enquanto agentes cabe aos judeus restaurar o cosmos. E, quando pela mais estrita observância da Lei, terminar o exílio da Luz, então virá o Messias, o Terceiro Templo e a redenção cósmica. Houve na história do Judaísmo (por ex. nos Sec. XVI e XVII) vários iluminados que foram acolhidos esperançadamente como Messias. Não houve também ao longo da história da Diáspora e dos seus sofrimentos e opressões um sentimento místico comum aos Judeus em que o seu sofrimento quanto mais inominável fosse mais fazia apressar a vinda do Messias?
Outro ponto que me sucitou dúvidas é o do Julgamento: “Cada pessoa é julgada com base apenas nos seus actos, independentemente de outros factores, tais como crença, etnia ou orientação sexual. Os actos de outras pessoas – quer sejam familiares, antepassados ou homens santos – são irrelevantes”. Aqui recordo-me de passagens do Evangelho em que cegos ou surdos de nascença eram vistos como seres que expiavam pecados dos pais. Pergunto assim ao Nuno: a doutrina evoluiu neste ponto ou os Evangelistas deturparam-no?
Outra questão que ainda me confunde é a da vida depois da Morte. Os judeus acreditam ou não na Vida Eterna? Tanto quanto sei, no tempo de Cristo haviam 4 correntes doutrinárias judaicas: os saduceus, os fariseus e os zelotas. Os fariseus distinguiam-se dos saduceus entre outras coisas por acreditarem que havia existência junto de Deus para além da morte. Tendo sido o farisaísmo que prevaleceu na evolução rabínica, qual é a posição actual predominante?
Há ainda uma outra reserva que faço ao Credo Judaico tal como o Nuno o colocou. Sinceramente e sem qualquer animosidade anti-judaica, que não tenho, parece-me que aquele ponto do Povo Eleito, resvalou um pouco para o politicamente correcto ao dizer que “a expressão tem sido distorcida ao ponto de se fazer crer que os judeus se julgam intrinsecamente superiores aos não-judeus. Esta leitura é completamente falsa. Os judeus são “escolhidos” apenas enquanto portadores da Mensagem (Instrução), e seus guardiões através dos séculos. Não existe qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade implicita”. Um povo que, com toda a legitimidade da Fé, se crê como “povo sacerdotal”, fiel depositário da mensagem divina e que, pelo menos nas suas correntes mais místicas, crê ter um papel de charneira na harmonia cósmica, admito que possa não se sentir superior, mas sem dúvida sentir-se-á muito especial.
Não quero ser mal interpretado: relativamente ao judaísmo sinto apenas admiração e curiosidade. Curiosidade de quem quer conhecer as verdadeiras bases da Fé que possui e que é em Cristo. E de quem quer descobrir aquilo que de essencial une as diferentes religiões.
Nesse sentido tenho esperança que a minha leitura diária da Rua da Judiaria me possa ajudar e que este post seja o início de um diálogo profícuo.
sexta-feira, janeiro 16, 2004
Me, myself and I (Redux)
As últimas duas semanas trouxeram ao Guia um maior número de leitores, graças certamente à simpática publicidade feita por blogues amigos. Neste momento estimo que os meus leitores regulares andem já pela dúzia. É um número simpático, até simbólico, e é quanto baste. A correspondência que me tem chegado desse leitores costuma ser estimulante e inspiradora.
Aparecem contudo por aí uns transviados. Um deles quer absolutamente saber quem eu sou e diz-me que tem uma ideia muito determinada a esse respeito. E eu digo-lhe que está completamente enganado. O anonimato asssenta-me bem pois não passo de um cidadão anónimo e vulgar.
Confesso-vos um detalhe embaraçoso: é que ao fim de quatro meses de blogue, ninguém mas absolutamente ninguém sabe que o tenho. Nem a mulher que eu amo e respeito e a quem nada escondo. Admito que possa parecer um pouco estranho mas talvez seja uma maneira de, como já disse, poder escrever aqui sem quaisquer condicionamentos mentais, com toda a liberdade interior, sobretudo relativamente a mim próprio.
Mas enfim, para não deixar este meu leitor frustrado na sua tenaz curiosidade, eu vou-lhe dizer não quem sou mas sim como sou. Para isso, e pedindo desculpa aos restantes, vou repescar um post antigo, pois nada encontrei que lhe pudesse acrescentar. Aqui vai a coisa:
Eu sofro, mas amo
Eu morrerei, mas vivo
Eu perco, mas luto
Eu ganho, mas nem sempre
Eu desprezo, mas sou amado
Eu sou causa de sofrimento, mas sou perdoado
Eu sou fraco, mas aguento tudo
Eu sou forte, mas sucumbo à tentação
Eu amo, mas sofro por amor
Eu tenho, mas não é meu
Eu quero, mas não devia querer tanto
Eu vivo, mas não para sempre
Eu sou feliz, mas não o mereço
Eu sou infeliz, mas nem sempre
Eu recebo, mas não me dou
Eu sei, mas não sinto
Eu sinto, mas não faço
Eu creio, mas não o suficiente
Eu compreendo, mas isso não chega
Eu venho, mas não fico
Eu vou, mas não volto
Eu consolo, mas não sou consolado
Eu sou amado, mas não acredito
Eu sou puro, mas orgulho-me disso
Eu sou pecador, mas arrependo-me
Eu sou impuro, mas amo meus defeitos
Eu não sou santo, mas quero sê-lo
Eu quero ser santo, mas tenho medo da santidade
Eu não perdoo, mas quero ser perdoado
Eu não perdoo, mas quero saber perdoar
Eu não sou puro de coração, mas quero ver o rosto de Deus
Eu não sou pobre de espírito, mas quero o Reino dos Céus
Eu sou pobre de espírito, mas não o quero reconhecer
Eu sou um homem assim, mas quero ser melhor
Eu sou um homem assim, mas Deus ama-me
Pois sou Seu filho e Ele quer-me de volta
Capisce?
Aparecem contudo por aí uns transviados. Um deles quer absolutamente saber quem eu sou e diz-me que tem uma ideia muito determinada a esse respeito. E eu digo-lhe que está completamente enganado. O anonimato asssenta-me bem pois não passo de um cidadão anónimo e vulgar.
Confesso-vos um detalhe embaraçoso: é que ao fim de quatro meses de blogue, ninguém mas absolutamente ninguém sabe que o tenho. Nem a mulher que eu amo e respeito e a quem nada escondo. Admito que possa parecer um pouco estranho mas talvez seja uma maneira de, como já disse, poder escrever aqui sem quaisquer condicionamentos mentais, com toda a liberdade interior, sobretudo relativamente a mim próprio.
Mas enfim, para não deixar este meu leitor frustrado na sua tenaz curiosidade, eu vou-lhe dizer não quem sou mas sim como sou. Para isso, e pedindo desculpa aos restantes, vou repescar um post antigo, pois nada encontrei que lhe pudesse acrescentar. Aqui vai a coisa:
Eu sofro, mas amo
Eu morrerei, mas vivo
Eu perco, mas luto
Eu ganho, mas nem sempre
Eu desprezo, mas sou amado
Eu sou causa de sofrimento, mas sou perdoado
Eu sou fraco, mas aguento tudo
Eu sou forte, mas sucumbo à tentação
Eu amo, mas sofro por amor
Eu tenho, mas não é meu
Eu quero, mas não devia querer tanto
Eu vivo, mas não para sempre
Eu sou feliz, mas não o mereço
Eu sou infeliz, mas nem sempre
Eu recebo, mas não me dou
Eu sei, mas não sinto
Eu sinto, mas não faço
Eu creio, mas não o suficiente
Eu compreendo, mas isso não chega
Eu venho, mas não fico
Eu vou, mas não volto
Eu consolo, mas não sou consolado
Eu sou amado, mas não acredito
Eu sou puro, mas orgulho-me disso
Eu sou pecador, mas arrependo-me
Eu sou impuro, mas amo meus defeitos
Eu não sou santo, mas quero sê-lo
Eu quero ser santo, mas tenho medo da santidade
Eu não perdoo, mas quero ser perdoado
Eu não perdoo, mas quero saber perdoar
Eu não sou puro de coração, mas quero ver o rosto de Deus
Eu não sou pobre de espírito, mas quero o Reino dos Céus
Eu sou pobre de espírito, mas não o quero reconhecer
Eu sou um homem assim, mas quero ser melhor
Eu sou um homem assim, mas Deus ama-me
Pois sou Seu filho e Ele quer-me de volta
Capisce?
Estes protestantes são uns animais racionais
Penso que já aqui disse que uma das grandes descobertas que fiz aqui na blogosfera foi a vitalidade do pensamento cristão protestante. O número de hoje dos Animais Evangélicos vem confirmá-lo eloquentemente. Decididamente vou coleccionar esta revista. Por isso peço ao Tiago para resolver aquele problema das edições anteriores pois eu não gravei a primeira.
E faço a mim próprio uma pergunta chata: onde é que eu conheço 8 católicos com a vontade de fazer algo semelhante a isto?
E faço a mim próprio uma pergunta chata: onde é que eu conheço 8 católicos com a vontade de fazer algo semelhante a isto?
Vespertina
Acaba mais uma semana e em cada semana que termina, novo impasse que encontramos. Até quando durará esta minha demanda por algo que nos salve a todos? Ou a todos perca?
Ocorre-me de novo uma cena do último filme dos Anéis, tão menosprezado aqui na blogosfera. Dizia o Frodo aos seus amigos, sentados numa mesa duma taberna do Shire, depois do regresso da sua saga, totalmente ignorados por quem eles salvaram: "A nossa missão era salvar o Shire. E salvámo-lo. Mas não para mim".
Hoje é claro para mim que o máximo que aqui posso aspirar é algo parecido com isto.
Ocorre-me de novo uma cena do último filme dos Anéis, tão menosprezado aqui na blogosfera. Dizia o Frodo aos seus amigos, sentados numa mesa duma taberna do Shire, depois do regresso da sua saga, totalmente ignorados por quem eles salvaram: "A nossa missão era salvar o Shire. E salvámo-lo. Mas não para mim".
Hoje é claro para mim que o máximo que aqui posso aspirar é algo parecido com isto.
quinta-feira, janeiro 15, 2004
Calvin & Hobbes
O Tiago diz-me, a propósito do seu (proto)calvinismo que "não pode ser militante se ainda não leu o manifesto". Com isto quer dizer, certamente, militante a favor ou militante contra. E tem razão. Eu também não li as tais Institutas. Mas se não li nada dele, li algo sobre ele o que, reconheço, poderá ser enviezado. E o que li, não só pela doutrina mas também pela vida desse iluminado, arrepiou-me um bocado. E pergunto-me onde está o Amor de Cristo na doutrina de Calvino, na vida de Calvino, no meio de tantas certezas de Calvino? Não o vejo, como também não o vejo em vário pilares da minha Igreja.
Definitivamente, como cristão, vou-me fixando cada vez mais no tipo e no modelo de Erasmo.
Definitivamente, como cristão, vou-me fixando cada vez mais no tipo e no modelo de Erasmo.
Daniel Faria
Já aqui há tempos (outubro?) escrevi sobre o Daniel Faria, poeta, frade beneditino, morto aos 28 anos. Li muito pouco da sua poesia, de que tanto agora se fala. Li algo sobre a sua vida. E percebi que era alguém iluminado pela graça de Deus, alguém que já na sua juventude se despojou de quase tudo para estar mais em Deus. Era alguém que, como Sta.Teresa de Ávila ou S.João da Cruz, procurou e encontrou na poesia um modo de expressar o indizível que se lhe revelava. Enquanto poeta tornou-se num pregador, talvez num profeta. Enquanto pregador tornou-se um poeta.
Agora foi descoberto e editam-se livros. E, feito por quem sempre soube o que ele era e o amou, aparece um site sobre o Daniel. Quando ele morreu, estupida e abruptamente, disse um frade lá do seu mosteiro que "Deus vira que ele já estava preparado e por isso o levou". Deus terá visto também que ele era aqui muito amado. Este site mostra bem isso. E é bonito o site, mostra beleza humana, do Daniel, da sua poesia e de quem ficou marcado por ele e assim o homenageia.
É bom atentarmos nas pessoas que são sinal vivo do amor de Deus.
Agora foi descoberto e editam-se livros. E, feito por quem sempre soube o que ele era e o amou, aparece um site sobre o Daniel. Quando ele morreu, estupida e abruptamente, disse um frade lá do seu mosteiro que "Deus vira que ele já estava preparado e por isso o levou". Deus terá visto também que ele era aqui muito amado. Este site mostra bem isso. E é bonito o site, mostra beleza humana, do Daniel, da sua poesia e de quem ficou marcado por ele e assim o homenageia.
É bom atentarmos nas pessoas que são sinal vivo do amor de Deus.
quarta-feira, janeiro 14, 2004
Remar contra a corrente
Estava agora a precisar de desabafar mais um bocado. Mas li outro blog a citar algo que diz exactamente o que me vai na alma, algo que me está na alma:
Remar, Remar - Xutos e Pontapés
Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas
Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Nada me diz
Berras às bestas
Que te sufocam
Em braços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor
Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente
Remar, Remar - Xutos e Pontapés
Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas
Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Nada me diz
Berras às bestas
Que te sufocam
Em braços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor
Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente
segunda-feira, janeiro 12, 2004
Dias de espuma
Como sabem, não gosto nada de fugir ao dharma deste blogue, ou seja, os temas são aqueles que são e evito cuidadosamente polémicas, que entre nós costumam ser estéreis.
Contudo neste caso não resisto. E não resisto porque descobri uma preciosidade bloguística: é o l´écume des jours cuja autora amavelmente nos traduziu para A espuma dos dias. Não o vou pôr nos meus links mas já o puz nos meus favorites. Porque este blogue é lindo. É imenso. É abissal. É isso tudo na sua auto-satisfação erudita e avançada. Não será chique a valer mas é progressista a valer. Não sei quem será esta Salcêde pós-moderna mas filei-a para sempre e todos os dias a irei ler. Não sei se conhecem "O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o meu livro favorito. Tem lá uma parte onde Lampedusa descreve um momento de suprema delícia do príncipe de Salina: "não há prazer maior, mais requintado, do que ver alguém à nossa frente a realizar-se plenamente, absolutamente". E é este prazer que a autora deste blogue me proporcionou por ter escrito aquilo que hoje li. Para perceberem isto vou citar uma preciosidade desta senhora, escrita em 5 de Janeiro deste ano:
"Em Campo de Ourique, algures num cruzamento entre ruas, há um escaparate invulgar que ora aparece ora desaparece. Literatura religiosa, pode ler-se, e, noutro ponto, sirva-se. E eu, não me faço rogada e sirvo-me, sirvo-me 'à discrição'. Assim comecei uma pequena colecção de livros editados na sua maior parte nos idos de 50. Os textos, traduzidos do latim por padres portugueses, devidamente aprovados por reis e patriarcas do tempo da outra senhora (quem seria, essa outra senhora d'antanho?), têm a chancela do Depósito das Escrituras Sagradas - casa que já existiu em pelo menos dois lugares diferentes em Lisboa. Na Praça Luís de Camões e na Rua Passos Manuel - aprendi isto nas fichas técnicas dos livrinhos.
Charmes e mistérios àparte, a verdade é que desde sempre me pergunto se aquele escaparate é lícito. Será lícito, usar assim o passeio público para catequizar os transeuntes? A tolerância - essa palavra terrível - da pseudo-laica sociedade portuguesa para com as actividades directa ou indirectamente relacionadas com a Igreja, dá-me que pensar. Exibisse o escaparate literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver - status quos que impedem a evolução, coisas que inibem a passagem das sociedades a outros estádios, debates que urge concluir, assuntos como a descriminalização do aborto, os direitos dos homossexuais, os dos deficientes, os dos emigrantes e outros excluídos do sistema -, e aposto que os livrinhos já teriam sido confiscados" (os bolds são meus).
Já li nalgum blog amigo, não me lembro já onde nem quando: não há maior intolerância do que a dos militantes da tolerância.
E na minha leitura diária do jornal vou passar a procurar uma notícia que nos fale da apreensão pela PSP ou pelo IGAE de literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver.
Extraordinário.
Contudo neste caso não resisto. E não resisto porque descobri uma preciosidade bloguística: é o l´écume des jours cuja autora amavelmente nos traduziu para A espuma dos dias. Não o vou pôr nos meus links mas já o puz nos meus favorites. Porque este blogue é lindo. É imenso. É abissal. É isso tudo na sua auto-satisfação erudita e avançada. Não será chique a valer mas é progressista a valer. Não sei quem será esta Salcêde pós-moderna mas filei-a para sempre e todos os dias a irei ler. Não sei se conhecem "O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o meu livro favorito. Tem lá uma parte onde Lampedusa descreve um momento de suprema delícia do príncipe de Salina: "não há prazer maior, mais requintado, do que ver alguém à nossa frente a realizar-se plenamente, absolutamente". E é este prazer que a autora deste blogue me proporcionou por ter escrito aquilo que hoje li. Para perceberem isto vou citar uma preciosidade desta senhora, escrita em 5 de Janeiro deste ano:
"Em Campo de Ourique, algures num cruzamento entre ruas, há um escaparate invulgar que ora aparece ora desaparece. Literatura religiosa, pode ler-se, e, noutro ponto, sirva-se. E eu, não me faço rogada e sirvo-me, sirvo-me 'à discrição'. Assim comecei uma pequena colecção de livros editados na sua maior parte nos idos de 50. Os textos, traduzidos do latim por padres portugueses, devidamente aprovados por reis e patriarcas do tempo da outra senhora (quem seria, essa outra senhora d'antanho?), têm a chancela do Depósito das Escrituras Sagradas - casa que já existiu em pelo menos dois lugares diferentes em Lisboa. Na Praça Luís de Camões e na Rua Passos Manuel - aprendi isto nas fichas técnicas dos livrinhos.
Charmes e mistérios àparte, a verdade é que desde sempre me pergunto se aquele escaparate é lícito. Será lícito, usar assim o passeio público para catequizar os transeuntes? A tolerância - essa palavra terrível - da pseudo-laica sociedade portuguesa para com as actividades directa ou indirectamente relacionadas com a Igreja, dá-me que pensar. Exibisse o escaparate literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver - status quos que impedem a evolução, coisas que inibem a passagem das sociedades a outros estádios, debates que urge concluir, assuntos como a descriminalização do aborto, os direitos dos homossexuais, os dos deficientes, os dos emigrantes e outros excluídos do sistema -, e aposto que os livrinhos já teriam sido confiscados" (os bolds são meus).
Já li nalgum blog amigo, não me lembro já onde nem quando: não há maior intolerância do que a dos militantes da tolerância.
E na minha leitura diária do jornal vou passar a procurar uma notícia que nos fale da apreensão pela PSP ou pelo IGAE de literatura contendo informação sobre assuntos que efectivamente importa resolver.
Extraordinário.
Os anéis
Neste sábado fiz finalmente a vontade ao meu filho mais velho (10 anos) e fui com ele ver o "Regresso do Rei". Ele adorou, claro, e eu, que nunca li qualquer dos livros da trilogia, gostei tanto como dos dois primeiros filmes.
No fim, quando já voltávamos os dois para casa, o miúdo recompensou-me plenamente da ida ao cinema. Perguntei-lhe eu, curioso, qual tinha sido para ele o maior herói daquela história. Esperava que ele me respondesse Aragorn ou Frodo. Mas não. Depois de pensar um bocado ele disse-me: "Foi o Samwise". E explicou-me porquê: quando já à beira da fornalha de Mordor, Frodo parecia ter claudicado definitivamente, Sam recusou desistir e disse algo assim: "Sr. Frodo, posso não poder transportar o Anel comigo mas posso transportá-lo a si". E levou-o até aonde tinham de ir.
Já era de noite e o meu filho não reparou nos meus olhos, pelo retrovisor. Mas perguntou-me ao fim de 5 minutos: "Pai, porque é que estás tão calado? Disse alguma coisa de mal?".
Não, Bernardo, disseste uma coisa certíssima. Deus te conserve assim.
No fim, quando já voltávamos os dois para casa, o miúdo recompensou-me plenamente da ida ao cinema. Perguntei-lhe eu, curioso, qual tinha sido para ele o maior herói daquela história. Esperava que ele me respondesse Aragorn ou Frodo. Mas não. Depois de pensar um bocado ele disse-me: "Foi o Samwise". E explicou-me porquê: quando já à beira da fornalha de Mordor, Frodo parecia ter claudicado definitivamente, Sam recusou desistir e disse algo assim: "Sr. Frodo, posso não poder transportar o Anel comigo mas posso transportá-lo a si". E levou-o até aonde tinham de ir.
Já era de noite e o meu filho não reparou nos meus olhos, pelo retrovisor. Mas perguntou-me ao fim de 5 minutos: "Pai, porque é que estás tão calado? Disse alguma coisa de mal?".
Não, Bernardo, disseste uma coisa certíssima. Deus te conserve assim.
Links
E eu que já tinha anunciado o fim de Azimutes!Descobri hoje que, felizmente, a Inês voltou e na sua melhor forma. E quero agradecer-lhe as suas palavras: fico feliz pelo meu humilde blogue poder ser para si uma fonte de paz. Para mim, o seu também o era e vai continuar a ser.
Entretanto descobri através do companheiro secreto outros companheiros de caminho: o Timshel, o Palombella Rossa. Ainda há outros que ainda não pude conhecer bem.
Os meus irmãos evangélicos (sempre eles!) inovam na blogosfera com um blog/semanário: Os Animais Evangélicos, editado pelo Tiago Voz do Deserto. Sai às 6ªs feiras. A seguir com atenção.
E, the last but not the least, descobri à uns tempos através do Religionline, um blog muito interessante, penso que ligado oficialmente à diocese de Braga, e onde se faz uma reflexão católica séria e aberta, com muita ênfase na ligação entre a ecclesia e a civitas: é a Igreja na Cidade. É um espaço eclesial mas onde os leigos de Braga escrevem muito e bem.
Entretanto descobri através do companheiro secreto outros companheiros de caminho: o Timshel, o Palombella Rossa. Ainda há outros que ainda não pude conhecer bem.
Os meus irmãos evangélicos (sempre eles!) inovam na blogosfera com um blog/semanário: Os Animais Evangélicos, editado pelo Tiago Voz do Deserto. Sai às 6ªs feiras. A seguir com atenção.
E, the last but not the least, descobri à uns tempos através do Religionline, um blog muito interessante, penso que ligado oficialmente à diocese de Braga, e onde se faz uma reflexão católica séria e aberta, com muita ênfase na ligação entre a ecclesia e a civitas: é a Igreja na Cidade. É um espaço eclesial mas onde os leigos de Braga escrevem muito e bem.
sexta-feira, janeiro 09, 2004
Confissão
Meu Deus e meu Pai,
perdoa-me porque pequei contra Ti
e contra aquilo que de Ti existe em mim.
A Fé que em Ti tenho
não deveria apenas consolar o meu coração
nem satisfazer a minha inteligência.
Deveria sim fazer-me tremer
por não ter a minha vida segundo ela.
Deveria sim fazer-me envergonhar
por querer ser rico em espírito,
por a minha caridade ser uma promessa adiada,
por a minha misericórdia ser tão precária,
por a minha mansidão ser tão calculada,
por o meu amor ser tão condicional,
por a minha humildade ser capa de tão imenso orgulho.
Tão imenso e absurdo é o meu orgulho,
orgulho de ter Fé, orgulho de ser humilde,
que chego a não recear pela minha salvação.
Não valho assim mais do que o beato de sacristia
que julga ter já guardado o seu lugarzinho no Céu.
Meu Deus e meu Pai,
eu devia simplesmente agradecer
as graças e os dons que me destes
e não comprazer-me nelas
e não orgulhar-me deles.
Meu Deus e meu Pai,
Tu deste-me o dom da Fé
e ela aperfeiçoa-me, ela alimenta-me.
Mas, por essa Fé, eu deveria consumir-me,
alimentando dela o meu próximo.
Triste pecador é aquele que, como eu,
tem uma Fé demasiado tranquila
e se serve dela só para si.
Meu Deus e meu Pai,
perdoa-me por ser assim.
Transforma-me.
perdoa-me porque pequei contra Ti
e contra aquilo que de Ti existe em mim.
A Fé que em Ti tenho
não deveria apenas consolar o meu coração
nem satisfazer a minha inteligência.
Deveria sim fazer-me tremer
por não ter a minha vida segundo ela.
Deveria sim fazer-me envergonhar
por querer ser rico em espírito,
por a minha caridade ser uma promessa adiada,
por a minha misericórdia ser tão precária,
por a minha mansidão ser tão calculada,
por o meu amor ser tão condicional,
por a minha humildade ser capa de tão imenso orgulho.
Tão imenso e absurdo é o meu orgulho,
orgulho de ter Fé, orgulho de ser humilde,
que chego a não recear pela minha salvação.
Não valho assim mais do que o beato de sacristia
que julga ter já guardado o seu lugarzinho no Céu.
Meu Deus e meu Pai,
eu devia simplesmente agradecer
as graças e os dons que me destes
e não comprazer-me nelas
e não orgulhar-me deles.
Meu Deus e meu Pai,
Tu deste-me o dom da Fé
e ela aperfeiçoa-me, ela alimenta-me.
Mas, por essa Fé, eu deveria consumir-me,
alimentando dela o meu próximo.
Triste pecador é aquele que, como eu,
tem uma Fé demasiado tranquila
e se serve dela só para si.
Meu Deus e meu Pai,
perdoa-me por ser assim.
Transforma-me.
Não devemos ter medo de ler livros
Um amigo e irmão aqui da blogosfera recomendou-me há uns tempos um livro de Unamuno, "S.Manuel Bom, mártir". E ando há 3 semanas a ler e reler este pequeno e belo livro de 80 páginas. Cada vez que o faço tiro dele uma forte impressão, diferente da anterior, quando não oposta. Hei-de em breve postar sobre ele pois é um livro muito interessante, que suscita muitas reflexões sobre a Fé, reflexões em muitas direcções. Para já, e de momento, a questão com que ele me perturba não é o sentido, a validade da minha Fé mas sim algo mais prosaico: qual a sua utilidade. Não a utilidade para mim, que essa é cada vez mais evidente, mas para os outros, para os que me rodeiam. E as conclusões que tiro são excelentes para abater a minha auto-estima...
quarta-feira, janeiro 07, 2004
À mesa pois!
Bela e boa ideia, meu caro Tiago. E se calhar podíamos até levar alguns amigos de outros blogs para a coisa ser inter, intra e até anti confessional.
terça-feira, janeiro 06, 2004
Ortodoxias
Quando pensamos em João Baptista, a voz que pregava no deserto, estamos habituados a relembrar a sua veemência, o seu carisma, a sua inspiração, a sua intransigência. E por isso costumamos esquecer a sua humildade, a humildade de quem disse "Eu é que careço de ser batizado por ti, e vens tu a mim?" (Mt 3,14). Hoje, é o Tiago, voz do deserto que nos mostra de novo isso. E mostra-nos que entre os Cristãos a humildade é aquilo que nos deve definir. Sobrepondo-se a todas as ortodoxias, a todas as perspectivas que se pretendem únicas. A ortodoxia pretende a preservação da nossa Fé mas é habitualmente o pretexto para a expansão dos nossos orgulhos. E o orgulho é a filoxera da vinha da Fé: enrijece a casca mas destrói o interior.
Quero ainda citar duas coisas certíssimas que o Tiago escreve hoje:
"Em comunidade temos o melhor de nós multiplicado uma série de vezes e temos o pior de nós multiplicado também uma série de vezes. A vivência comunitária da fé, a igreja, não foge a esta regra."
"A minha fé não valida a defesa da verdade. A verdade, existindo, nem sequer precisa de ser defendida, já dizia Kierkegaard. E eu acrescento: nenhum homem possui a verdade. A verdade é que possui alguns homens."
Este católico que aqui escreve quer mandar um abraço fraterno ao Tiago e ao Vincent, dois protestantes que não conhece mas admira.
Quero ainda citar duas coisas certíssimas que o Tiago escreve hoje:
"Em comunidade temos o melhor de nós multiplicado uma série de vezes e temos o pior de nós multiplicado também uma série de vezes. A vivência comunitária da fé, a igreja, não foge a esta regra."
"A minha fé não valida a defesa da verdade. A verdade, existindo, nem sequer precisa de ser defendida, já dizia Kierkegaard. E eu acrescento: nenhum homem possui a verdade. A verdade é que possui alguns homens."
Este católico que aqui escreve quer mandar um abraço fraterno ao Tiago e ao Vincent, dois protestantes que não conhece mas admira.
segunda-feira, janeiro 05, 2004
A sala de jogo da Fé (cont.)
Andam os meus protestantes favoritos arrufados a discutir a ortodoxia dos crentes. A mim que sou católico já imunizado a séculos de ortodoxias rivais, preocupa-me hoje mais a ortodoxia dos ateus. Hoje escuto os outros crentes e distingo inúmeras formas de perceber e viver a Fé. Ouço os ateus a falar sobre o seu ateísmo e escuto quase sempre o mesmo.
Quanto à contaminação que, segundo Vincent, o poder religioso e social exerce sobre a honestidade espiritual dos crentes, ela tem de facto existido. Só que 200 anos de secularismo tem felizmente vindo a fazer as ortodoxias cristãs despir os seus fraques.
Quanto à contaminação que, segundo Vincent, o poder religioso e social exerce sobre a honestidade espiritual dos crentes, ela tem de facto existido. Só que 200 anos de secularismo tem felizmente vindo a fazer as ortodoxias cristãs despir os seus fraques.
Back to work
Meu Deus,
Nós percorremos já desertos sem vida.
Nós atravessámos já montanhas estéreis.
E eis-nos chegados a um lugar
cuja saída não vemos
mas que não é onde aspirámos chegar.
Não podemos ficar aqui
pois aqui é lugar de fim, longe de Ti.
Por isso queremos continuar a andar.
E por isso pedimos-Te, como os de Missnanga:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
Nós percorremos já desertos sem vida.
Nós atravessámos já montanhas estéreis.
E eis-nos chegados a um lugar
cuja saída não vemos
mas que não é onde aspirámos chegar.
Não podemos ficar aqui
pois aqui é lugar de fim, longe de Ti.
Por isso queremos continuar a andar.
E por isso pedimos-Te, como os de Missnanga:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
domingo, janeiro 04, 2004
A sala de jogo da Fé (act.)
Vincent, amigo e irmão na Fé, ao bastar-lhe "uma oração não-associativa a agradecer não estar dentro da sala de jogo, para saber que estou no bom caminho", não estará você também a disputar o lugar no Reino do Céu a eles, aos homens de fraque da sala de jogo? Não formarão os não-associativos também eles uma associação? Provavelmente maioritária.
Inferno
A bordo fala-nos hoje de Sartre e da sua frase lapidar "O inferno são os outros". Isto provocou-me um rewind da minha memória. Levou-me até 22 anos atrás quando no sétimo ano da Alliance Française estudei o "Huis Clos", onde Sartre nos atirou esta frase. Era um livro forte e perturbante pelo menos para a minha adolescência de então.
Cinco ou seis pessoas, depois de morrerem, eram fechadas num quarto eternamente iluminado e com as pálpebras removidas. Aí, sem poderem dormir, sem poderem sequer fechar os olhos, eram confrontadas com a imagem que tinham deixado no Mundo, naqueles com quem viviam; eram confrontadas com o seu passado, com os seus crimes, fraquezas, omissões, crueldades. E com aquela irresistível tendência humana, disparavam para o lado, rematavam para canto, causando assim um sofrimento ainda maior aos seus companheiros de destino. Aí, com o passar do tempo eram confrontadas com o esquecimento dos vivos e com a impossibilidade do regresso, com a impossibilidade da fuga daqueles companheiros onde reviam a sua própria monstruosidade. E por fim percebiam que aquilo ia ser para sempre. Era o Inferno, infinitamente pior do que Bosch imaginara. E Sartre concluia, pela voz dum daqueles desgraçados, que o Inferno eram os outros.
Recordo-me hoje, perfeitamente, ter então achado que a conclusão a tirar não era nada aquela. O que achei, e disse-o numa aula, perante a complacência da professora e dos meus colegas, todos eles mais velhos que eu, o que achei era que o que aquilo tudo queria dizer é que o inferno não são os outros, somos nós próprios.
Mais tarde, quando reaprendi a minha Fé, voltei várias vezes a pensar nisto. E hoje, quando ainda não sei bem o que é o Céu e o Inferno, sei de algum modo que Deus, com a liberdade que nos deu, nos permitiu sermos o nosso próprio Inferno. Ou o nosso Céu. Em vida mas também e sobretudo, depois dela. Quero dizer com isto que acredito um bocado que, quando morremos, nada levamos senão aquilo que somos, aquilo em que nos tornámos. E isso, para o bem ou para o mal, será aquilo que irá ver ou não ver Deus, será aquilo que irá ou não ser visto por Ele. Talvez seja por isto que se diz que a Salvação, embora oferecida por Deus, está em nós próprios exactamente como o está a Condenação.
Mas não sei. Será já areia demais para a minha camioneta.
Cinco ou seis pessoas, depois de morrerem, eram fechadas num quarto eternamente iluminado e com as pálpebras removidas. Aí, sem poderem dormir, sem poderem sequer fechar os olhos, eram confrontadas com a imagem que tinham deixado no Mundo, naqueles com quem viviam; eram confrontadas com o seu passado, com os seus crimes, fraquezas, omissões, crueldades. E com aquela irresistível tendência humana, disparavam para o lado, rematavam para canto, causando assim um sofrimento ainda maior aos seus companheiros de destino. Aí, com o passar do tempo eram confrontadas com o esquecimento dos vivos e com a impossibilidade do regresso, com a impossibilidade da fuga daqueles companheiros onde reviam a sua própria monstruosidade. E por fim percebiam que aquilo ia ser para sempre. Era o Inferno, infinitamente pior do que Bosch imaginara. E Sartre concluia, pela voz dum daqueles desgraçados, que o Inferno eram os outros.
Recordo-me hoje, perfeitamente, ter então achado que a conclusão a tirar não era nada aquela. O que achei, e disse-o numa aula, perante a complacência da professora e dos meus colegas, todos eles mais velhos que eu, o que achei era que o que aquilo tudo queria dizer é que o inferno não são os outros, somos nós próprios.
Mais tarde, quando reaprendi a minha Fé, voltei várias vezes a pensar nisto. E hoje, quando ainda não sei bem o que é o Céu e o Inferno, sei de algum modo que Deus, com a liberdade que nos deu, nos permitiu sermos o nosso próprio Inferno. Ou o nosso Céu. Em vida mas também e sobretudo, depois dela. Quero dizer com isto que acredito um bocado que, quando morremos, nada levamos senão aquilo que somos, aquilo em que nos tornámos. E isso, para o bem ou para o mal, será aquilo que irá ver ou não ver Deus, será aquilo que irá ou não ser visto por Ele. Talvez seja por isto que se diz que a Salvação, embora oferecida por Deus, está em nós próprios exactamente como o está a Condenação.
Mas não sei. Será já areia demais para a minha camioneta.