domingo, fevereiro 29, 2004
As tentações de Cristo
Diz-nos hoje o Evangelho do 1º Domingo da Quaresma (Lucas 4,1-13):
"Cheio do Espírito Santo, Jesus retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde esteve durante quarenta dias e foi tentado pelo diabo. Nada comeu e ao fim desses dias sentiu fome. Disse-lhe o diabo: “Se és Filho de Deus diz as estas pedras que se transformem em pão”. Jesus responde “Nem só de pão vive o homem”. Levando-O a um lugar alto o diabo mostrou-lhe todos os reinos do Universo e disse-Lhe: “Tudo isto será Teu se me adorares”. Jesus respondeu: “Está escrito só ao senhor teu Deus adorarás e prestarás culto”. Em seguida o diabo levou Jesus ao cimo de um pináculo em Jerusalém e disse:”Se és Filho de Deus atira-Te daqui para baixo e os anjos de Teu Pai de salvarão”. Jesus respondeu: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.Tendo esgotado todo o tipo de tentação, o diabo retirou-se".
Ao iniciar a sua vida pública que vai desembocar na Paixão, Cristo Filho de Deus é tentado a exercer as suas prorrogativas divinas. Não o faz. Assume plenamente a sua condição humana, coloca-se irremediavelmente ao nosso nível. Será assim até ao momento da sua morte na Cruz. A sua oferta de Si próprio começou logo aqui.
Já agora é curioso notar que as três tentações a que foi sujeito Cristo-Deus são as três tentações que nós, homens e mulheres, somos diariamente sujeitos e que, mais do que outras, nos afastam de Deus: ter, parecer e poder.
Ter ou a necessidade de possuir.
Parecer ou querer substituir Deus.
Poder ou servir-se em lugar de servir os outros
Desculpem lá o sermão mas apeteceu-me dizer isto.
"Cheio do Espírito Santo, Jesus retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde esteve durante quarenta dias e foi tentado pelo diabo. Nada comeu e ao fim desses dias sentiu fome. Disse-lhe o diabo: “Se és Filho de Deus diz as estas pedras que se transformem em pão”. Jesus responde “Nem só de pão vive o homem”. Levando-O a um lugar alto o diabo mostrou-lhe todos os reinos do Universo e disse-Lhe: “Tudo isto será Teu se me adorares”. Jesus respondeu: “Está escrito só ao senhor teu Deus adorarás e prestarás culto”. Em seguida o diabo levou Jesus ao cimo de um pináculo em Jerusalém e disse:”Se és Filho de Deus atira-Te daqui para baixo e os anjos de Teu Pai de salvarão”. Jesus respondeu: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.Tendo esgotado todo o tipo de tentação, o diabo retirou-se".
Ao iniciar a sua vida pública que vai desembocar na Paixão, Cristo Filho de Deus é tentado a exercer as suas prorrogativas divinas. Não o faz. Assume plenamente a sua condição humana, coloca-se irremediavelmente ao nosso nível. Será assim até ao momento da sua morte na Cruz. A sua oferta de Si próprio começou logo aqui.
Já agora é curioso notar que as três tentações a que foi sujeito Cristo-Deus são as três tentações que nós, homens e mulheres, somos diariamente sujeitos e que, mais do que outras, nos afastam de Deus: ter, parecer e poder.
Ter ou a necessidade de possuir.
Parecer ou querer substituir Deus.
Poder ou servir-se em lugar de servir os outros
Desculpem lá o sermão mas apeteceu-me dizer isto.
Frases que eu gostaria de ter escrito
Encontram-se como vai sendo habitual nos Animais de 6ªfeira. Desta vez quero destacar:
Samuel Úria às voltas com as discussões com interlocutores que não discutem, só atacam: "Na Bíblia, a questão de deitar pérolas a porcos não se resume ao facto das pérolas serem demasiado valiosas para os suínos. O problema é que esses querem mesmo ração de porco e estão-se a marimbar para as pérolas. Ainda assim, (...), não nos devemos preocupar se esbanjamos a moralidade com porcos que propositadamente dela se enojam".
Tiago Cavaco fala-nos do problema da linguagem religiosa que em vez de nos aproximar de Deus, nos afasta: "O Messias no caminho de Emaús não foi identificado pelas suas palavras. Depois de uma grande conversa teológica com os dois viajantes, foi pelo partir do pão que foi reconhecido. Quando os olhos dos seus interlocutores se abriram já o Mestre tinha desaparecido. Será que é esta a nossa sina?"
Samuel Úria às voltas com as discussões com interlocutores que não discutem, só atacam: "Na Bíblia, a questão de deitar pérolas a porcos não se resume ao facto das pérolas serem demasiado valiosas para os suínos. O problema é que esses querem mesmo ração de porco e estão-se a marimbar para as pérolas. Ainda assim, (...), não nos devemos preocupar se esbanjamos a moralidade com porcos que propositadamente dela se enojam".
Tiago Cavaco fala-nos do problema da linguagem religiosa que em vez de nos aproximar de Deus, nos afasta: "O Messias no caminho de Emaús não foi identificado pelas suas palavras. Depois de uma grande conversa teológica com os dois viajantes, foi pelo partir do pão que foi reconhecido. Quando os olhos dos seus interlocutores se abriram já o Mestre tinha desaparecido. Será que é esta a nossa sina?"
sexta-feira, fevereiro 27, 2004
Mel e fel (2)
Como seria de esperar, esta polémica sobre o filme "A Paixão de Cristo" ocupou todo o espaço assumindo os contornos habituais: o sectarismo, o politicamente correcto, o patrulhamento anti-anti-semitismo, o próprio anti-semitismo, todos eles levantaram a grimpa e transformaram o debate numa vozearia. Concordo com o Francisco José Viegas quando fala do "Much ado", mas infelizmente não concordo que seja "about nothing".
Com toda esta discussão bizantina e "avant la lettre", quem fica a ganhar são a carteira do Mel Gibson, os anti-judeus, os anti-cristãos e os fanáticos de cada um dos campos.
Quem perde? São vários os que perdem. Entre eles estão os cristãos que, como eu, se predispunham a ver o filme simplesmente para serem confrontados com a (re)visão cénica da paixão e morte de Cristo, aqueles que, como eu, se predispunham ao sofrimento visual para olharem de frente a enormidade da dádiva que Cristo fez de Si próprio.
Nesta altura, em que parece que querem que discutamos de novo quem são os culpados da morte de Cristo, parece também que estamos a deixar esquecer o essencial. É que Cristo podia ter evitado o seu sofrimento e morte. Por várias ocasiões ele podia ter suavizado ou relativizado a sua mensagem, a sua postura. Se o tivesse feito certamente que o não teriam morto pois naquela altura não era nada de grave ser-se chefe de mais uma seita judaica. Ao recusar fazê-lo, Cristo deixou-se ser morto, tornou-se também Ele responsável pela sua própria morte. E Ele que era Deus, sacrificou-se pela sua mensagem aos homens, para que ela hoje possa ainda viver nos corações de quem Nele crê.
E pronto. Já disse tudo o que tinha a dizer sobre este assunto. Também eu já estou farto. Mas quando o filme chegar vou definitivamente vê-lo e, a não ser que seja uma "pastelada" defraudante, nada direi sobre ele. Estamos no domínio da centralidade da minha Fé. Não vou mais discuti-la.
E peço aos meus amigos, crentes de outras fés, que aceitem e compreendam isso.
Com toda esta discussão bizantina e "avant la lettre", quem fica a ganhar são a carteira do Mel Gibson, os anti-judeus, os anti-cristãos e os fanáticos de cada um dos campos.
Quem perde? São vários os que perdem. Entre eles estão os cristãos que, como eu, se predispunham a ver o filme simplesmente para serem confrontados com a (re)visão cénica da paixão e morte de Cristo, aqueles que, como eu, se predispunham ao sofrimento visual para olharem de frente a enormidade da dádiva que Cristo fez de Si próprio.
Nesta altura, em que parece que querem que discutamos de novo quem são os culpados da morte de Cristo, parece também que estamos a deixar esquecer o essencial. É que Cristo podia ter evitado o seu sofrimento e morte. Por várias ocasiões ele podia ter suavizado ou relativizado a sua mensagem, a sua postura. Se o tivesse feito certamente que o não teriam morto pois naquela altura não era nada de grave ser-se chefe de mais uma seita judaica. Ao recusar fazê-lo, Cristo deixou-se ser morto, tornou-se também Ele responsável pela sua própria morte. E Ele que era Deus, sacrificou-se pela sua mensagem aos homens, para que ela hoje possa ainda viver nos corações de quem Nele crê.
E pronto. Já disse tudo o que tinha a dizer sobre este assunto. Também eu já estou farto. Mas quando o filme chegar vou definitivamente vê-lo e, a não ser que seja uma "pastelada" defraudante, nada direi sobre ele. Estamos no domínio da centralidade da minha Fé. Não vou mais discuti-la.
E peço aos meus amigos, crentes de outras fés, que aceitem e compreendam isso.
quinta-feira, fevereiro 26, 2004
Uma palavra a uma recém-chegada
Cara Rosário,
Obrigado em primeiro lugar pelas suas simpáticas palavras sobre o Guia. Sobretudo daquela parte em que você diz: “Pode parecer parvoíce, mas na verdade, lê-lo tem sido um pouco conversar consigo”. É que é isso mesmo que eu pretendo. Fico também satisfeito pelo facto de você, sendo católica em crise de fé, sentir que o Guia a está a ajudar. Essa ajuda, penso eu que virá do facto de que, lendo o que tenho escrito, você tenha vindo a conseguir relativizar o peso da noção do estado de crise da sua fé.
Eu tenho para mim que o estado de crise de fé é uma condição inevitável, eu diria mesmo permanente, de todos os católicos e cristãos conscientes, pois a nossa fé não é uma fé fácil. Ela não se resume a acreditar: necessita também e sobretudo de ser vivida. E é daí que vem normalmente as nossas crises. Acredito porém que no momento em que chegássemos ao ponto em que achássemos que cremos exactamente da forma que devemos crer e vivemos absolutamente de acordo com isso, poderíamos estar a ser muito “católicos” mas estamos a seguramente a ser pouco cristãos. Quero eu dizer com isto que o estado de crise deve ser um estado com que nos devemos habituar a viver, por forma a que não nos afaste de Deus mas antes nos aproxime Dele. É a crise criativa! Para isto ser possível só conheço dois atributos, duas virtudes que devemos cultivar: a esperança e a humildade.
Queria também dizer-lhe que respeito o seu desejo de, pelo menos para já, o seu blogue não ser linkado. Compreendo isso lindamente: garanto-lhe que o período em que o meu blogue foi mais genuíno e honesto foi o daquelas primeiras 4-6 semanas em que eu não tinha visitantes ou pelo menos pensava que não tinha. A partir do momento em que se começa a ter visitantes regulares, mesmo sendo muito bons como é o caso dos meus (é verdade!), começa-se a ficar um pouco condicionado, nem que seja pelo sentimento de obrigação de ir postando com alguma frequência. E isso pode retirar alguma genuidade à nossa prosa.
Quanto ao que li do seu novíssimo blogue houve já duas ou três coisas que me chamaram a atenção. Uma foi uma citação de Bossuet (aos anos que não ouvia falar deste homem!): “tout ce qui se conçoit bien s'énonce clairement”. Eu, como você escreve, também “não sou capaz de passar algo a escrito sem o compreender; ou, pelo menos, ao escrever vou compreendendo, vai-se fazendo luz no meu espírito”. Acredite que esta é talvez a maior vantagem que para mim tem tido o meu blogue: obrigando-me a escrever ajuda-me a compreeender.
Outra foi uma reflexão que fez sobre a falta de qualidade das homilias que se ouvem nas missas. É bem verdade que muitas vezes é assim. Mas será que isso é razão para lá deixarmos de ir? Deixe-me dizer-lhe porque é que eu vou sempre à missa aos domingos: o ambiente nem sempre é bom, a música às vezes arrepia, a homilia pode, de quando em quando, deixar-me furioso, mas há uma coisa que é sempre boa - a leitura do Evangelho. E o facto de estarmos todos ali tem um significado profundo, mesmo que nem todos tenham consciência desse significado. E é por isso que eu lá vou.
Quanto à sua dúvida se você conseguirá, como faz o Vincent Bengelsdorff, “agradecer a Deus por tudo, mas mesmo por tudo. Agradecer a esperança plantada em mim pelo divino”, eu espero sinceramente que você, e eu também, venhamos a consegui-lo. Uma das graças maiores que a Fé nos pode dar é saber aceitar o destino, os contratempos, a doença, as desgraças desta vida, talvez não exactamente como sendo a Vontade de Deus (pois acabamos sempre a perguntar o porquê dessa Vontade) mas como o preço da Libertade que Deus ofereceu à sua Criação para que ela se manifeste na sua plenitude.
Rosário: já ouviu com certeza que tudo aquilo que não nos destrói, torna-nos mais fortes. E a Fé é precisamente aquilo que nos faz recusar a destruição pois faz-nos saber que, aconteça o que acontecer, a nossa vida vale sempre a pena pois é sempre um caminho até Deus.
Um abraço e seja bem vinda à Blogosfera, secção da Teosfera, como dizem com piada uns engraçados ateus que por aí andam.
Obrigado em primeiro lugar pelas suas simpáticas palavras sobre o Guia. Sobretudo daquela parte em que você diz: “Pode parecer parvoíce, mas na verdade, lê-lo tem sido um pouco conversar consigo”. É que é isso mesmo que eu pretendo. Fico também satisfeito pelo facto de você, sendo católica em crise de fé, sentir que o Guia a está a ajudar. Essa ajuda, penso eu que virá do facto de que, lendo o que tenho escrito, você tenha vindo a conseguir relativizar o peso da noção do estado de crise da sua fé.
Eu tenho para mim que o estado de crise de fé é uma condição inevitável, eu diria mesmo permanente, de todos os católicos e cristãos conscientes, pois a nossa fé não é uma fé fácil. Ela não se resume a acreditar: necessita também e sobretudo de ser vivida. E é daí que vem normalmente as nossas crises. Acredito porém que no momento em que chegássemos ao ponto em que achássemos que cremos exactamente da forma que devemos crer e vivemos absolutamente de acordo com isso, poderíamos estar a ser muito “católicos” mas estamos a seguramente a ser pouco cristãos. Quero eu dizer com isto que o estado de crise deve ser um estado com que nos devemos habituar a viver, por forma a que não nos afaste de Deus mas antes nos aproxime Dele. É a crise criativa! Para isto ser possível só conheço dois atributos, duas virtudes que devemos cultivar: a esperança e a humildade.
Queria também dizer-lhe que respeito o seu desejo de, pelo menos para já, o seu blogue não ser linkado. Compreendo isso lindamente: garanto-lhe que o período em que o meu blogue foi mais genuíno e honesto foi o daquelas primeiras 4-6 semanas em que eu não tinha visitantes ou pelo menos pensava que não tinha. A partir do momento em que se começa a ter visitantes regulares, mesmo sendo muito bons como é o caso dos meus (é verdade!), começa-se a ficar um pouco condicionado, nem que seja pelo sentimento de obrigação de ir postando com alguma frequência. E isso pode retirar alguma genuidade à nossa prosa.
Quanto ao que li do seu novíssimo blogue houve já duas ou três coisas que me chamaram a atenção. Uma foi uma citação de Bossuet (aos anos que não ouvia falar deste homem!): “tout ce qui se conçoit bien s'énonce clairement”. Eu, como você escreve, também “não sou capaz de passar algo a escrito sem o compreender; ou, pelo menos, ao escrever vou compreendendo, vai-se fazendo luz no meu espírito”. Acredite que esta é talvez a maior vantagem que para mim tem tido o meu blogue: obrigando-me a escrever ajuda-me a compreeender.
Outra foi uma reflexão que fez sobre a falta de qualidade das homilias que se ouvem nas missas. É bem verdade que muitas vezes é assim. Mas será que isso é razão para lá deixarmos de ir? Deixe-me dizer-lhe porque é que eu vou sempre à missa aos domingos: o ambiente nem sempre é bom, a música às vezes arrepia, a homilia pode, de quando em quando, deixar-me furioso, mas há uma coisa que é sempre boa - a leitura do Evangelho. E o facto de estarmos todos ali tem um significado profundo, mesmo que nem todos tenham consciência desse significado. E é por isso que eu lá vou.
Quanto à sua dúvida se você conseguirá, como faz o Vincent Bengelsdorff, “agradecer a Deus por tudo, mas mesmo por tudo. Agradecer a esperança plantada em mim pelo divino”, eu espero sinceramente que você, e eu também, venhamos a consegui-lo. Uma das graças maiores que a Fé nos pode dar é saber aceitar o destino, os contratempos, a doença, as desgraças desta vida, talvez não exactamente como sendo a Vontade de Deus (pois acabamos sempre a perguntar o porquê dessa Vontade) mas como o preço da Libertade que Deus ofereceu à sua Criação para que ela se manifeste na sua plenitude.
Rosário: já ouviu com certeza que tudo aquilo que não nos destrói, torna-nos mais fortes. E a Fé é precisamente aquilo que nos faz recusar a destruição pois faz-nos saber que, aconteça o que acontecer, a nossa vida vale sempre a pena pois é sempre um caminho até Deus.
Um abraço e seja bem vinda à Blogosfera, secção da Teosfera, como dizem com piada uns engraçados ateus que por aí andam.
segunda-feira, fevereiro 23, 2004
Novos links
São cada vez mais...:
Para quê dizer mais?
Invitation to the blues
O melhor blog description da blogosfera
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domingo, fevereiro 22, 2004
Crítica da Razão pura
Caro Carlos Esperança,
Agradeço o ter-se dado ao trabalho de responder ao meu comentário ao seu post sobre a dita "venerável Alexandrina", sobretudo tendo em conta que ele não era muito agradável. Isso mostra fair-play e seriedade da sua parte. De facto o meu comentário não foi muito agradável por uma razão bem determinada e que lhe irei explicar.
Eu tenho Fé mas já houve tempos em que não a tive. Por isso nada me move contra agnósticos e ateus, até porque actualmente o mais fácil e o mais provável é ser-lo. Agora, meu caro Carlos, se me permite que o trate desse modo, há no vosso Diário de uns ateus algo que me incomoda e me perturba quanto à vossa forma de o serem. Há algo de congregacional nos vossos ENA, há algo de confessional em vós quando celebram os vossos "santos" (Darwin, por ex.) e quando nos contam como foi a revelação do poder da vossa razão que vos iluminou quanto à inexistência de Deus. E há algo de fundamentalista na vossa afirmação como ateus. Sinceramente, acho que se um crente consciente não pode afirmar a sua certeza na existência de Deus, um ateu que o seja pelo uso da razão e não da paixão ou de qualquer iluminação mística, também não deveria poder afirmar a certeza da não existência de Deus. Deixe-me que lhe diga que conheço e sou amigo de muitos ateus mas em todos eles, como em mim, existe a consciência ou a humildade de reconhecer a incerteza quanto a esta questão. Mas em vocês não. Vocês não tem quaisquer dúvidas! Vocês simplesmente sabem que Deus não existe! E isso, como muitas outras coisas (daí o nome do meu blogue), isso deixa-me perplexo.
Há outra coisa que, acima de tudo, me incomoda e perturba ao ler o vosso blogue. E incomoda-me porque a acho inestética e, também, não ética. Eu explico. Vocês defendem o primado absoluto da razão humana. Defendem que é a razão que deve nortear a vida do Homem e a evolução da Humanidade. E como deixa claro na sua referência às paupérrimas habilitações literárias da pobre Alexandrina, vocês sabem bem que o uso da razão não é igual para todos. Há quem não passe da 1ª classe e há quem, como o seu colega André Esteves tenha aprendido sózinho aos 12 anos a programar em BASIC e que, mais tarde, por uma revelação epifânica da sua poderosa razão pensante, tenha chegado também sózinho à resolução do algoritmo de Erastótenes. E naturalmente, são esses, os de razão clara e poderosos recursos intelectuais, são esses a quem caberá determinar o curso da Humanidade. Temos pois algo interessante: os ateus e ateias, que sabem que a razão irá sempre prevalecer, que desmantelam as incongruências do clero da ICAR, esses iluminados, esses beneméritos, reinventaram uma nova Teocracia, uma teocracia sem Deus, uma logocracia daqueles que foram priveligiados com a luz da inteligência. São eles os alfas mais mais de Huxley.
Estamos talvez no limiar da vossa Era. A glória e o poder sejam vossos ó ateus e ateias da razão pura! Louvados sejam Darwin, Kant, Russell, louvados sejam todos aqueles que endireitaram as veredas do vosso caminho! E ai de vós, ó pobres de espírito! O reino que vos prometeram foi-vos retirado! A partir de agora só vão apanhar bonés! E bem aventurados sejam os inteligentes e os ricos na razão!
Caríssimo Carlos, é possível e provável que eu esteja a ser injusto consigo e convosco. Estou seguramente a ser um pouco áspero. Peço desculpa por isso. Mas de vós só conheço aquilo que escrevem.
Um abraço de quem tem fé e por isso não tem certezas.
Agradeço o ter-se dado ao trabalho de responder ao meu comentário ao seu post sobre a dita "venerável Alexandrina", sobretudo tendo em conta que ele não era muito agradável. Isso mostra fair-play e seriedade da sua parte. De facto o meu comentário não foi muito agradável por uma razão bem determinada e que lhe irei explicar.
Eu tenho Fé mas já houve tempos em que não a tive. Por isso nada me move contra agnósticos e ateus, até porque actualmente o mais fácil e o mais provável é ser-lo. Agora, meu caro Carlos, se me permite que o trate desse modo, há no vosso Diário de uns ateus algo que me incomoda e me perturba quanto à vossa forma de o serem. Há algo de congregacional nos vossos ENA, há algo de confessional em vós quando celebram os vossos "santos" (Darwin, por ex.) e quando nos contam como foi a revelação do poder da vossa razão que vos iluminou quanto à inexistência de Deus. E há algo de fundamentalista na vossa afirmação como ateus. Sinceramente, acho que se um crente consciente não pode afirmar a sua certeza na existência de Deus, um ateu que o seja pelo uso da razão e não da paixão ou de qualquer iluminação mística, também não deveria poder afirmar a certeza da não existência de Deus. Deixe-me que lhe diga que conheço e sou amigo de muitos ateus mas em todos eles, como em mim, existe a consciência ou a humildade de reconhecer a incerteza quanto a esta questão. Mas em vocês não. Vocês não tem quaisquer dúvidas! Vocês simplesmente sabem que Deus não existe! E isso, como muitas outras coisas (daí o nome do meu blogue), isso deixa-me perplexo.
Há outra coisa que, acima de tudo, me incomoda e perturba ao ler o vosso blogue. E incomoda-me porque a acho inestética e, também, não ética. Eu explico. Vocês defendem o primado absoluto da razão humana. Defendem que é a razão que deve nortear a vida do Homem e a evolução da Humanidade. E como deixa claro na sua referência às paupérrimas habilitações literárias da pobre Alexandrina, vocês sabem bem que o uso da razão não é igual para todos. Há quem não passe da 1ª classe e há quem, como o seu colega André Esteves tenha aprendido sózinho aos 12 anos a programar em BASIC e que, mais tarde, por uma revelação epifânica da sua poderosa razão pensante, tenha chegado também sózinho à resolução do algoritmo de Erastótenes. E naturalmente, são esses, os de razão clara e poderosos recursos intelectuais, são esses a quem caberá determinar o curso da Humanidade. Temos pois algo interessante: os ateus e ateias, que sabem que a razão irá sempre prevalecer, que desmantelam as incongruências do clero da ICAR, esses iluminados, esses beneméritos, reinventaram uma nova Teocracia, uma teocracia sem Deus, uma logocracia daqueles que foram priveligiados com a luz da inteligência. São eles os alfas mais mais de Huxley.
Estamos talvez no limiar da vossa Era. A glória e o poder sejam vossos ó ateus e ateias da razão pura! Louvados sejam Darwin, Kant, Russell, louvados sejam todos aqueles que endireitaram as veredas do vosso caminho! E ai de vós, ó pobres de espírito! O reino que vos prometeram foi-vos retirado! A partir de agora só vão apanhar bonés! E bem aventurados sejam os inteligentes e os ricos na razão!
Caríssimo Carlos, é possível e provável que eu esteja a ser injusto consigo e convosco. Estou seguramente a ser um pouco áspero. Peço desculpa por isso. Mas de vós só conheço aquilo que escrevem.
Um abraço de quem tem fé e por isso não tem certezas.
De nada
Eu é que agradeço, caro Tomás. E gosto da "incerteza límpida". Agora que o dizes, parece-me que é isso mesmo.
sexta-feira, fevereiro 20, 2004
6ªs feiras, pelas 19h
Neste dia da semana e a esta hora, quando acaba a minha semana de trabalho, costumo mergulhar em negros pensamentos ao concluir que não foi ainda desta. É altura em que costumo postar um ou outro desabafo.
E hoje ia fazê-lo mas aconteceu que li antes o Vincent e resolvi não o fazer. A dignidade do sofrimento alheio faz apagar o nosso. Quando Vincent diz "agradeço a Deus por tudo, mas mesmo por tudo. Agradeço a esperança plantada em mim pelo divino. Sim, essa é a maior força que posso ter. Tudo irá correr pelo melhor." sinto-me muito próximo dele. Vincent, envio-te um forte e fraternal abraço e digo-te que hoje rezarei por ti e pelos teus.
E hoje ia fazê-lo mas aconteceu que li antes o Vincent e resolvi não o fazer. A dignidade do sofrimento alheio faz apagar o nosso. Quando Vincent diz "agradeço a Deus por tudo, mas mesmo por tudo. Agradeço a esperança plantada em mim pelo divino. Sim, essa é a maior força que posso ter. Tudo irá correr pelo melhor." sinto-me muito próximo dele. Vincent, envio-te um forte e fraternal abraço e digo-te que hoje rezarei por ti e pelos teus.
O Grande Arquitecto
Há na blogosfera uma zona interessante e com a qual muito simpatizo: a arquitectosfera. Com efeitos os blogues de arquitectos, individuais ou colectivos, são quase sempre interessantes pois neles se discute uma grande variedade de assuntos, normalmente com muita profundidade. Penso que a qualidade e prolixidade destes blogues são resultantes da boa bagagem cultural que tem os arquitectos e tambem um interessante efeito secundário da difusão do Autocad pelos gabinetes de arquitectura. Nos tempos do estirador nada disto seria possível...
De entre os blogues que vou lendo há um que quero realçar pois é de alguém que, não tendo fé, segundo diz, reflecte de forma honesta e profunda sobre ela. Estou a falar do quase em português. Ainda hoje o Lutz, a propósito de se rever na postura moral de Cristo, diz uma coisa bem interessante: "A minha moral - em grande parte coincidente - não é conscientemente edificada em cima das bases do evangelho. Recuso sem rodeios a autoridade exterior deste livro: A biblia não me convence por que é a bíblia; a bíblia convence-me porque convence". Tambem a mim a Bíblia me convence só pelo que lá esta escrito e por Aquilo que nela vejo e entrevejo.
De entre os blogues que vou lendo há um que quero realçar pois é de alguém que, não tendo fé, segundo diz, reflecte de forma honesta e profunda sobre ela. Estou a falar do quase em português. Ainda hoje o Lutz, a propósito de se rever na postura moral de Cristo, diz uma coisa bem interessante: "A minha moral - em grande parte coincidente - não é conscientemente edificada em cima das bases do evangelho. Recuso sem rodeios a autoridade exterior deste livro: A biblia não me convence por que é a bíblia; a bíblia convence-me porque convence". Tambem a mim a Bíblia me convence só pelo que lá esta escrito e por Aquilo que nela vejo e entrevejo.
quinta-feira, fevereiro 19, 2004
Recados
Quero dar daqui os meus sinceros e emocionados parabéns ao meu amigo CC e seus colegas da Quinta Coluna pela subida honra que lhes foi concedida. Há muito que era merecida e é sempre com prazer que vejo os meus amigos a subir na vida.
Um outro recado, mais sério mas igualmente sincero. Quero saudar o David Bengelsdorff pelo seu último post com o qual concordo totalmente. Prometo que um dia hei-de postar aquilo que penso sobre esta problemática fracturante, como eles dizem.
Para acabar, um recado mais críptico: parece que para além do João Baptista a blogosfera vai ter também João Evangelista. Parece-me bem.
Um outro recado, mais sério mas igualmente sincero. Quero saudar o David Bengelsdorff pelo seu último post com o qual concordo totalmente. Prometo que um dia hei-de postar aquilo que penso sobre esta problemática fracturante, como eles dizem.
Para acabar, um recado mais críptico: parece que para além do João Baptista a blogosfera vai ter também João Evangelista. Parece-me bem.
Patrulhamento linguístico
Já há tempos que leio alguns bloggers, alguns dos quais meus amigos, manifestar a sua preocupação pela onda de patrulhamento ideológico que percorre a blogosfera. Felizmente e creio que não por acaso o meu humilde Guia tem passado ao lado dessas disputas. Contudo ontem foi o dia em que, via mail, o meu Guia foi interpelado por uma nova espécie de patrulhamento: o linguístico. Com efeito um sábio indivíduo, usando o expectável pseudónimo de Camilo, interpelou-me veementemente sobre a estilística usada no Guia.
Quanto ao conteúdo do Guia, Camilo foi benévolo: "Como agnóstico que sou dizem-me muito pouco as pias considerações que usa fazer nas sua notas. Porém o tom geral é pacífico e bem intencionado pelo que passa sem reparo". Fico-lhe grato, meu caro Camilo. E genuinamente surpreendido por, apesar do seu agnosticismo, ter esmiuçado tanto o meu blogue.
Já quanto à gramática e a sintaxe o Camilo arrasa-me sem piedade. E encontrou exemplos , muitos exemplos, que me fazem corar de vergonha. Claro que, com a sua benevolência, Camilo admite que a pressa com que se fazem posts ou melhor, notas, possa levar a descuidos linguísticos. Porém cita-me uma dúzia de blogues (aqui Camilo cede ao neologismo) em que reluz a impecabilidade do português utilizado. Desde já o informo que os puz já na minha lista de "favoritos" para minha aprendizagem futura.
Uma coisa que irrita profundamente Camilo, para além do uso imoderado de estrangeirismos, é a "coloquialidade excessiva e mal feita" da minha escrita. Diz ele e com razão que para se ser coloquial é necessário um domínio da língua que eu não possuo.
O uso excessivo das vírgulas é outra falha grande da minha escrita. Lembra-me Camilo o nobre exemplo de Mark Twain que para "se desintoxicar do vício da vírgula raspou o respectivo cunho da sua máquina de escrever". No meu caso, e que Camilo me perdoe, não posso seguir este exemplo, pois não tenho coragem de desfigurar o teclado do meu computador, bom e fiel colega de trabalho.
Para terminar a crítica estilística, last but not the least , o grande Camilo aponta-me o uso desbragado e sem justificação de itálicos e bolds. Aí, meu caro Camilo, tenho que lhe dizer uma coisa: isso tem a ver com o meu tal estilo coloquial. É que, efectivamente, eu pretendo aqui escrever mais ou menos como falo. E acontece que eu falo muitas vezes em itálico e em bold. Capisce?
Não quero acabar sem agradecer a Camilo a atenção que lhe mereceu o meu blogue e dizer-lhe que lhe enviei por mail uma lista de blogues selecionados para o Camilo poder continuar a exercer a sua diligente vigilância.
Realmente a blogosfera é um universo onde nos aparecem as mais estranhas coisas...
Quanto ao conteúdo do Guia, Camilo foi benévolo: "Como agnóstico que sou dizem-me muito pouco as pias considerações que usa fazer nas sua notas. Porém o tom geral é pacífico e bem intencionado pelo que passa sem reparo". Fico-lhe grato, meu caro Camilo. E genuinamente surpreendido por, apesar do seu agnosticismo, ter esmiuçado tanto o meu blogue.
Já quanto à gramática e a sintaxe o Camilo arrasa-me sem piedade. E encontrou exemplos , muitos exemplos, que me fazem corar de vergonha. Claro que, com a sua benevolência, Camilo admite que a pressa com que se fazem posts ou melhor, notas, possa levar a descuidos linguísticos. Porém cita-me uma dúzia de blogues (aqui Camilo cede ao neologismo) em que reluz a impecabilidade do português utilizado. Desde já o informo que os puz já na minha lista de "favoritos" para minha aprendizagem futura.
Uma coisa que irrita profundamente Camilo, para além do uso imoderado de estrangeirismos, é a "coloquialidade excessiva e mal feita" da minha escrita. Diz ele e com razão que para se ser coloquial é necessário um domínio da língua que eu não possuo.
O uso excessivo das vírgulas é outra falha grande da minha escrita. Lembra-me Camilo o nobre exemplo de Mark Twain que para "se desintoxicar do vício da vírgula raspou o respectivo cunho da sua máquina de escrever". No meu caso, e que Camilo me perdoe, não posso seguir este exemplo, pois não tenho coragem de desfigurar o teclado do meu computador, bom e fiel colega de trabalho.
Para terminar a crítica estilística, last but not the least , o grande Camilo aponta-me o uso desbragado e sem justificação de itálicos e bolds. Aí, meu caro Camilo, tenho que lhe dizer uma coisa: isso tem a ver com o meu tal estilo coloquial. É que, efectivamente, eu pretendo aqui escrever mais ou menos como falo. E acontece que eu falo muitas vezes em itálico e em bold. Capisce?
Não quero acabar sem agradecer a Camilo a atenção que lhe mereceu o meu blogue e dizer-lhe que lhe enviei por mail uma lista de blogues selecionados para o Camilo poder continuar a exercer a sua diligente vigilância.
Realmente a blogosfera é um universo onde nos aparecem as mais estranhas coisas...
terça-feira, fevereiro 17, 2004
Mel e fel
Duas notas adicionais ao assunto do momento:
1- Diz-nos o Nuno que "Mel Gibson está a considerar a possibilidade de colocar uma frase no final do seu The Passion of the Christ. Uma pequena frase, dizem as notícias, recomendada por historiadores e clérigos cristãos preocupados com a possibilidade do filme reacender antigas chamas de antisemitismo. Aqui vai a frase:“Durante a ocupação romana, 250 mil judeus foram crucificados pelos romanos, mas apenas um se levantou de entre os mortos”.
Que frase tão eficaz e tão estúpida! Ou puro humor negro. Parece um slogan vindo duma agência de publicidade contratada para promover o filme. Só que não este filme. Seria muito mais adequada para a "Vida de Brian" do que para a "Paixão de Cristo". Tremo só de pensar nas variações que os verdadeiros anti-semitas e também os anti-cristãos irão fazer sobre esta frase...
2- Li hoje no Público que Mel Gibson, sucumbindo à pressão da opinião, sobretudo judaica, já está a cortar cenas do seu filme, não as mais violentas, mas aquelas que "poderão ser maior causa de recrudescimento de anti-semitismo".
Mas será que ninguém percebe que neste mundo ocidental, ateu e secular, a morte de Cristo já há muito que não é pretexto de anti-semitismos, quanto mais causa!
O anti-semitismo existe e não tende a diminuir. Mas não será pelo reavivar da memória da paixão de Cristo. As causas profundas do anti-semitismo de hoje são inteiramente outras, como aliás o Nuno tem referido. Pergunto-me se todo este alvoroço à volta dum filme, que provavelmente nada de novo vem acrescentar, não será maior fonte de anti-semitismo junto dos cristãos do que o próprio visionamento do filme. Eis uma questão que gostaria de colocar ao meu amigo Nuno.
1- Diz-nos o Nuno que "Mel Gibson está a considerar a possibilidade de colocar uma frase no final do seu The Passion of the Christ. Uma pequena frase, dizem as notícias, recomendada por historiadores e clérigos cristãos preocupados com a possibilidade do filme reacender antigas chamas de antisemitismo. Aqui vai a frase:“Durante a ocupação romana, 250 mil judeus foram crucificados pelos romanos, mas apenas um se levantou de entre os mortos”.
Que frase tão eficaz e tão estúpida! Ou puro humor negro. Parece um slogan vindo duma agência de publicidade contratada para promover o filme. Só que não este filme. Seria muito mais adequada para a "Vida de Brian" do que para a "Paixão de Cristo". Tremo só de pensar nas variações que os verdadeiros anti-semitas e também os anti-cristãos irão fazer sobre esta frase...
2- Li hoje no Público que Mel Gibson, sucumbindo à pressão da opinião, sobretudo judaica, já está a cortar cenas do seu filme, não as mais violentas, mas aquelas que "poderão ser maior causa de recrudescimento de anti-semitismo".
Mas será que ninguém percebe que neste mundo ocidental, ateu e secular, a morte de Cristo já há muito que não é pretexto de anti-semitismos, quanto mais causa!
O anti-semitismo existe e não tende a diminuir. Mas não será pelo reavivar da memória da paixão de Cristo. As causas profundas do anti-semitismo de hoje são inteiramente outras, como aliás o Nuno tem referido. Pergunto-me se todo este alvoroço à volta dum filme, que provavelmente nada de novo vem acrescentar, não será maior fonte de anti-semitismo junto dos cristãos do que o próprio visionamento do filme. Eis uma questão que gostaria de colocar ao meu amigo Nuno.
segunda-feira, fevereiro 16, 2004
Sagrada Violência ou Jesus Segundo Mel Gibson
Pede-me o Nuno para comentar as impressões que lhe ficaram do visionamento da Paixão de Cristo segundo Mel Gibson. Devo confessar que resisti um pouco a fazê-lo porque o facto é que ainda não vi o filme embora tenha lido alguns artigos, bem díspares, sobre ele. Suspeito por outro lado que o filme que verei será diferente daquele que viu o Nuno. Tanto quanto me apercebo o nosso Mel ainda não decidiu qual vai ser o final cut. Ele está preocupado com a receptividade que o filme vai ter e anda por aí a promover visionamentos a audiências seleccionadas para ir analisando reacções. De certa forma, lamento que assim seja. Concorde ou não com a visão de Gibson, eu gostaria mais de ver a versão que ele queria que víssemos do que uma versão cortada ou acrescentada devido às reacções de outrem. Mas adiante.
Dizia eu que preferia não comentar algo que não vi. Todavia o grande respeito que me merece o Nuno bem como a densidade do post que ele faz sobre este assunto leva-me a pôr aqui alguns comentários.
Primeiramente queria dizer que a Paixão de Cristo, independentemente do modo como fosse filmada, ao sê-lo iria sempre provocar fortes reacções nos meios não cristãos e até mesmo nos meios cristãos. Muito já foi escrito sobre o carácter mórbido duma religião em que o seu ícone supremo é uma cruz com o corpo macerado e sangrento do objecto da sua adoração. De facto esta imagem central do cristianismo pode provocar estranheza, mesmo repulsa intelectual, emocional ou estética de quem está fora da nossa Fé. Acontece porém que é na Paixão que reside o carácter mais essencial, a beleza mais transcendente, o carácter mais distintivo da nossa Fé Cristã. Não pela imagem física, corporal, que dela nos tem sido feita, mas pelo significado profundo que ela tem. Mais do que tudo o resto, a epifania, a encarnação, a ressurreição, a ascenção aos céus, é a Paixão de Cristo o elemento central, definidor da Fé Cristã. E isso, por muitos não é percebido. É pois neste ponto que me vou demorar um pouco.
Comecemos pelo princípio. Ou pelo fim, pois a minha teologia amadora tem dificuldades em distinguir um do outro.
Tenho para mim que uma das coisas que mais distingue o Cristianismo das duas outras grandes religiões monoteístas, o Judaísmo e o Islamismo, é a forma de encarar Deus e a maneira como Ele se relaciona com o Homem. Para os cristãos, penso que diferentemente daqueles nossos irmãos crentes, Deus é o Senhor, sem dúvida, com todos os atributos de omnipotência e omnisciência que aprendemos a respeitar, mas Deus é sobretudo Pai, nosso Pai, no sentido que nos criou à Sua imagem e semelhança, como filhos portanto. E é nessa condição que nos ama e quer que O amemos. Nós acreditamos que Deus nos criou não para simplesmente o adorarmos e glorificarmos, para nos submetermos à sua Vontade revelada. Nós acreditamos que Deus ao criar o mundo quiz que nele existissem seres cuja natureza contivesse algo Dele próprio, quiçá pelo prazer de ver a sua natureza profunda desenvolver-se no Homem sem os atributos de omnipotência, omnisciência, etc. É assim que eu entendo hoje o “à Sua imagem e semelhança” do Génesis. Somos pois filhos de Deus pois contemos em nós algo Dele. E por isso somos amados como filhos. Por isso Ele quer ser amado por nós, como Pai que é. Por isso ele quer que a nossa vida neste mundo seja um caminho de regresso a Ele.
Este atributo paternal de Deus é importantíssimo na minha fé de cristão e católico e só o apreendi plenamente quando tive a oportunidade de, eu próprio, ser pai. Foi nessa altura que descobri em mim o amor paternal, foi nessa altura que percebi plenamente a intensidade e incondicionalidade do amor dos meus Pais por mim. Foi nessa altura que senti profundamente que a relação de Deus comigo é uma relação Pai-filho. À medida que me fui compenetrando da minha condição de pai, fui descobrindo em mim e em relação aos meus filhos, um novo tipo de amor totalmente diferente de qualquer outro. É um amor que se satisfaz pela dádiva de nós próprios, é um amor que se contenta no reconhecimento daquilo que de nosso há na natureza dos nossos filhos, é um amor que quer vê-los desenvolverem-se na sua plenitude de pessoas, é um amor, talvez a única forma de amor, capaz de nos fazer dar verdadeiramente a vida por outrem.
É precisamente daqui que vem a importância da Paixão de Cristo na Fé dos cristãos, mais do que qualquer palavras ou manifestações Dele enquanto viveu entre nós. Com efeito a paixão e morte do Filho de Deus, a entrega à morte pelas mãos dos homens da pessoa encarnada de Deus, é a suprema demonstração do amor que Deus tem por nós. Para que a Palavra de Cristo, que indica aos homens que nele creem o caminho da Salvação, para que essa palavra assumisse total coerência, para que a imagem de Si que Deus nos quer dar fosse totalmente compreendida pelos homens foi necessária a oferta da vida do Seu Filho, elemento integrante da entidade de Deus. Não é a encarnação de Deus entre nós, não é a sua ressurreição que mostra o amor de Deus por nós: apenas mostram o Seu poder inerente à Sua condição divina. O que mostra verdadeiramente o amor de Deus por nós é a Sua morte às nossas mãos. Reconheço que isto não deve ser fácil de entender sem ser à luz da Fé mas é assim que a Morte de Cristo é fonte de Vida para quem nele crê.
Sendo assim nunca é demais contemplarmos a Paixão, esse momento supremo. Nunca é demais contemplá-la como ela aconteceu, como ela nos foi descrita. Nunca é demais naturalmente para nós cristãos pois é a nossa Fé que essa visão fortifica. É por este facto que, ainda sem ter visto o filme de Gibson, pensando que se ele se ateve na descrição dos evangelhos, por muito violentas que sejam as imagens, o visionamento em filme do sofrimento extremo da pessoa de Cristo, feito à luz da nossa Fé, pode ser edificante para esta. Repare-se que por muito violenta que tenha sido a morte de Cristo, não o foi mais do que a de incontáveis milhões de homens ao longo da História. E também isso a carrega de significado.
Agora teremos de admitir que para para os não Cristãos, para quem a Paixão de Cristo é algo difícil de entender, algo de chocante, absurdo e contraditório, para todos esses, este filme e tudo o que envolve não deve trazer nada de positivo, nada que os aproxime da palavra de Cristo.
E é nesse sentido que, insisto, sem ter visto o filme, me questiono sobre a oportunidade de ele ser lançado no circuito normal de distribuição de cinema, exactamente da mesma forma como questionaria um filme sobre a revelação do Corão a Maomé. Isto é, independentemente dos seus méritos e eficácia enquanto agente fortalecedor da nossa fé, o facto é que a sua eficácia não é para todos, não é universal. E hoje nada é mais universal do que os circuitos internacionais de distribuição de cinema. Mas, honestamente, não é isto que me interessa quanto ao filme.
Interessam-me bem mais as preocupações que o Nuno manifesta.
É condição intrínseca e inelutável do Homem não perceber nunca totalmente bem as mensagens que Deus lhe vai revelando ao longo da História. É recorrente irmos buscar significados que não existem e descartar intenções que não nos convém. E, como sempre, à volta da Paixão de Cristo desenvolveram-se uma infinidade de equívocos, mal-entendidos, más consciências, processos de intenção e outras manifestações da natureza humana.
Uma das principais questões, que tantas desgraças gerou na história da Humanidade, foi o facto, histórico, de Cristo ter morrido às mãos dos Judeus embora não pelas mãos dos Judeus. Este facto foi muitas vezes invocado como pretexto das mais abjectas manifestações de anti-semitismo, sustentado numa leitura redutora e simplista das Escrituras. Por outro lado, da parte dos Judeus, sempre houve uma natural má consciência relativamente a este assunto, que aliás se manifesta hoje fortemente na rejeição do filme de Gibson.
A estafada questão da repartição de responsabilidades entre os sacerdotes judeus do Templo e os romanos chefiados por Pôncio Pilatos é uma questão que apenas serve para duas coisas: atribuir aos judeus um opróbio que não merecem ou afastar deles uma má consciênca que não deveriam sentir. Para simplificar, pois o post já vai longo, a Paixão e Morte de Cristo ocorreu em Jerusalém no seio do povo judeu sob a autoridade militar dos romanos, não por os judeus serem judeus ou por Pôncio ser Pilatos. Ocorreu sim porque Deus encarnou no meio dos homens e os confrontou radicalmente com o seu afastamento de Si, com os egoísmos que os desumanizam, com a falta do amor, o mandamento novo, que, só ele, permite a Salvação dos homens. O que aquela elite de sacerdotes ou aquele governador fizeram foi o que outros no seu lugar teriam feito: defender a ordem pública, a estabilidade social, usando para o efeito os meios usados na época. Como muitos outros, antes e depois, viram como ameaça aquilo que não entendiam e reagiram em conformidade.
Eles não perceberam o que Cristo tinha vindo fazer e trazer ao mundo. E por isso mataram-no. Como escreveu João no belíssimo prólogo do seu Evangelho: “Ali estava a Luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo näo O conheceu. Veio para o que era Seu, e os Seus näo O receberam”. Ora, se ainda hoje é assim, porque censurar os de então?
Ao olhar para a populaça que apupa, insulta e ridiculariza Jesus quando este carrega a Cruz para o Calvário não devemos ver nem judeus nem romanos. Devemos sim olhar muito bem e verificar se não estaremos a rever-nos a nós próprios.
Nota: Mel Gibson pertence a um grupo católico integrista que rejeita o Concílio Vaticano II e vê no Papa a figura do verdadeiro Anti-Cristo. Algo detestável portanto. Como, repito, não vi o filme não sei se nele é vertido algum do fel destas estranhas formas de cristianismo. Mas tanto quanto li o script do filme é a transcrição fiel dos Evangelhos. E é partindo dessa premissa que escrevi este post.
Dizia eu que preferia não comentar algo que não vi. Todavia o grande respeito que me merece o Nuno bem como a densidade do post que ele faz sobre este assunto leva-me a pôr aqui alguns comentários.
Primeiramente queria dizer que a Paixão de Cristo, independentemente do modo como fosse filmada, ao sê-lo iria sempre provocar fortes reacções nos meios não cristãos e até mesmo nos meios cristãos. Muito já foi escrito sobre o carácter mórbido duma religião em que o seu ícone supremo é uma cruz com o corpo macerado e sangrento do objecto da sua adoração. De facto esta imagem central do cristianismo pode provocar estranheza, mesmo repulsa intelectual, emocional ou estética de quem está fora da nossa Fé. Acontece porém que é na Paixão que reside o carácter mais essencial, a beleza mais transcendente, o carácter mais distintivo da nossa Fé Cristã. Não pela imagem física, corporal, que dela nos tem sido feita, mas pelo significado profundo que ela tem. Mais do que tudo o resto, a epifania, a encarnação, a ressurreição, a ascenção aos céus, é a Paixão de Cristo o elemento central, definidor da Fé Cristã. E isso, por muitos não é percebido. É pois neste ponto que me vou demorar um pouco.
Comecemos pelo princípio. Ou pelo fim, pois a minha teologia amadora tem dificuldades em distinguir um do outro.
Tenho para mim que uma das coisas que mais distingue o Cristianismo das duas outras grandes religiões monoteístas, o Judaísmo e o Islamismo, é a forma de encarar Deus e a maneira como Ele se relaciona com o Homem. Para os cristãos, penso que diferentemente daqueles nossos irmãos crentes, Deus é o Senhor, sem dúvida, com todos os atributos de omnipotência e omnisciência que aprendemos a respeitar, mas Deus é sobretudo Pai, nosso Pai, no sentido que nos criou à Sua imagem e semelhança, como filhos portanto. E é nessa condição que nos ama e quer que O amemos. Nós acreditamos que Deus nos criou não para simplesmente o adorarmos e glorificarmos, para nos submetermos à sua Vontade revelada. Nós acreditamos que Deus ao criar o mundo quiz que nele existissem seres cuja natureza contivesse algo Dele próprio, quiçá pelo prazer de ver a sua natureza profunda desenvolver-se no Homem sem os atributos de omnipotência, omnisciência, etc. É assim que eu entendo hoje o “à Sua imagem e semelhança” do Génesis. Somos pois filhos de Deus pois contemos em nós algo Dele. E por isso somos amados como filhos. Por isso Ele quer ser amado por nós, como Pai que é. Por isso ele quer que a nossa vida neste mundo seja um caminho de regresso a Ele.
Este atributo paternal de Deus é importantíssimo na minha fé de cristão e católico e só o apreendi plenamente quando tive a oportunidade de, eu próprio, ser pai. Foi nessa altura que descobri em mim o amor paternal, foi nessa altura que percebi plenamente a intensidade e incondicionalidade do amor dos meus Pais por mim. Foi nessa altura que senti profundamente que a relação de Deus comigo é uma relação Pai-filho. À medida que me fui compenetrando da minha condição de pai, fui descobrindo em mim e em relação aos meus filhos, um novo tipo de amor totalmente diferente de qualquer outro. É um amor que se satisfaz pela dádiva de nós próprios, é um amor que se contenta no reconhecimento daquilo que de nosso há na natureza dos nossos filhos, é um amor que quer vê-los desenvolverem-se na sua plenitude de pessoas, é um amor, talvez a única forma de amor, capaz de nos fazer dar verdadeiramente a vida por outrem.
É precisamente daqui que vem a importância da Paixão de Cristo na Fé dos cristãos, mais do que qualquer palavras ou manifestações Dele enquanto viveu entre nós. Com efeito a paixão e morte do Filho de Deus, a entrega à morte pelas mãos dos homens da pessoa encarnada de Deus, é a suprema demonstração do amor que Deus tem por nós. Para que a Palavra de Cristo, que indica aos homens que nele creem o caminho da Salvação, para que essa palavra assumisse total coerência, para que a imagem de Si que Deus nos quer dar fosse totalmente compreendida pelos homens foi necessária a oferta da vida do Seu Filho, elemento integrante da entidade de Deus. Não é a encarnação de Deus entre nós, não é a sua ressurreição que mostra o amor de Deus por nós: apenas mostram o Seu poder inerente à Sua condição divina. O que mostra verdadeiramente o amor de Deus por nós é a Sua morte às nossas mãos. Reconheço que isto não deve ser fácil de entender sem ser à luz da Fé mas é assim que a Morte de Cristo é fonte de Vida para quem nele crê.
Sendo assim nunca é demais contemplarmos a Paixão, esse momento supremo. Nunca é demais contemplá-la como ela aconteceu, como ela nos foi descrita. Nunca é demais naturalmente para nós cristãos pois é a nossa Fé que essa visão fortifica. É por este facto que, ainda sem ter visto o filme de Gibson, pensando que se ele se ateve na descrição dos evangelhos, por muito violentas que sejam as imagens, o visionamento em filme do sofrimento extremo da pessoa de Cristo, feito à luz da nossa Fé, pode ser edificante para esta. Repare-se que por muito violenta que tenha sido a morte de Cristo, não o foi mais do que a de incontáveis milhões de homens ao longo da História. E também isso a carrega de significado.
Agora teremos de admitir que para para os não Cristãos, para quem a Paixão de Cristo é algo difícil de entender, algo de chocante, absurdo e contraditório, para todos esses, este filme e tudo o que envolve não deve trazer nada de positivo, nada que os aproxime da palavra de Cristo.
E é nesse sentido que, insisto, sem ter visto o filme, me questiono sobre a oportunidade de ele ser lançado no circuito normal de distribuição de cinema, exactamente da mesma forma como questionaria um filme sobre a revelação do Corão a Maomé. Isto é, independentemente dos seus méritos e eficácia enquanto agente fortalecedor da nossa fé, o facto é que a sua eficácia não é para todos, não é universal. E hoje nada é mais universal do que os circuitos internacionais de distribuição de cinema. Mas, honestamente, não é isto que me interessa quanto ao filme.
Interessam-me bem mais as preocupações que o Nuno manifesta.
É condição intrínseca e inelutável do Homem não perceber nunca totalmente bem as mensagens que Deus lhe vai revelando ao longo da História. É recorrente irmos buscar significados que não existem e descartar intenções que não nos convém. E, como sempre, à volta da Paixão de Cristo desenvolveram-se uma infinidade de equívocos, mal-entendidos, más consciências, processos de intenção e outras manifestações da natureza humana.
Uma das principais questões, que tantas desgraças gerou na história da Humanidade, foi o facto, histórico, de Cristo ter morrido às mãos dos Judeus embora não pelas mãos dos Judeus. Este facto foi muitas vezes invocado como pretexto das mais abjectas manifestações de anti-semitismo, sustentado numa leitura redutora e simplista das Escrituras. Por outro lado, da parte dos Judeus, sempre houve uma natural má consciência relativamente a este assunto, que aliás se manifesta hoje fortemente na rejeição do filme de Gibson.
A estafada questão da repartição de responsabilidades entre os sacerdotes judeus do Templo e os romanos chefiados por Pôncio Pilatos é uma questão que apenas serve para duas coisas: atribuir aos judeus um opróbio que não merecem ou afastar deles uma má consciênca que não deveriam sentir. Para simplificar, pois o post já vai longo, a Paixão e Morte de Cristo ocorreu em Jerusalém no seio do povo judeu sob a autoridade militar dos romanos, não por os judeus serem judeus ou por Pôncio ser Pilatos. Ocorreu sim porque Deus encarnou no meio dos homens e os confrontou radicalmente com o seu afastamento de Si, com os egoísmos que os desumanizam, com a falta do amor, o mandamento novo, que, só ele, permite a Salvação dos homens. O que aquela elite de sacerdotes ou aquele governador fizeram foi o que outros no seu lugar teriam feito: defender a ordem pública, a estabilidade social, usando para o efeito os meios usados na época. Como muitos outros, antes e depois, viram como ameaça aquilo que não entendiam e reagiram em conformidade.
Eles não perceberam o que Cristo tinha vindo fazer e trazer ao mundo. E por isso mataram-no. Como escreveu João no belíssimo prólogo do seu Evangelho: “Ali estava a Luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo näo O conheceu. Veio para o que era Seu, e os Seus näo O receberam”. Ora, se ainda hoje é assim, porque censurar os de então?
Ao olhar para a populaça que apupa, insulta e ridiculariza Jesus quando este carrega a Cruz para o Calvário não devemos ver nem judeus nem romanos. Devemos sim olhar muito bem e verificar se não estaremos a rever-nos a nós próprios.
Nota: Mel Gibson pertence a um grupo católico integrista que rejeita o Concílio Vaticano II e vê no Papa a figura do verdadeiro Anti-Cristo. Algo detestável portanto. Como, repito, não vi o filme não sei se nele é vertido algum do fel destas estranhas formas de cristianismo. Mas tanto quanto li o script do filme é a transcrição fiel dos Evangelhos. E é partindo dessa premissa que escrevi este post.
sexta-feira, fevereiro 13, 2004
Oração
Meu Deus e meu Pai,
Fora de Ti eu aprendi
que nós podemos construir o nosso destino,
que o esforço é sempre recompensado,
que tudo está ao alcance da forte vontade,
que o sucesso é uma questão de preserverança.
Muitas vezes Te agradeci
estas coisas que Tu não me ensinastes,
pois não é esta a Tua Palavra.
Muitas vezes eu Te agradeci
por teres estado ao meu lado, do meu lado,
em coisas que não Te interessam
pois são coisas do mundo,
efémeras, sem transcendência.
Mas agora mostraste-me,
sem margem para dúvidas,
que eu, como qualquer Teu filho,
não sou mais forte que o destino;
que, como todos e em tudo, estou nas tuas mãos;
que Tu, que nos oferecestes a suprema humildade,
a do Teu Filho,
nos pedes também a nossa humildade.
Agora mostraste-me aquilo que eu há muito suspeitava,
aquilo que há muito eu apregoava,
mas no meu íntimo eu não sentia plenamente.
Mostraste-me agora aquilo que verdadeiramente nos ofereces,
pela graça da Fé, pelo exemplo do Teu Filho,
pelos exemplos de tantos que me precederam,
pelos exemplos de quem vive a meu lado.
E aquilo que verdadeiramente nos ofereces
é um sentido para tudo isto,
é uma possibilidade de grandeza,
é uma humanidade mais humana porque mais perto de Ti,
é uma vida mais plena,
é a resignação no sofrimento e no fracasso,
é a humildade no sucesso e na felicidade,
é receber dando,
é Tu amar-nos, para que saibamos também amar,
é a paz em nós, a Tua Paz,
é deixares fazer-Te sentir ao nosso lado,
sempre.
Por isso, Meu Deus e Meu Pai,
neste momento de dor e frustração
eu Te dou graças
por teres escolhido ajudar-me a crescer.
E peço-Te que ajudes os outros,
e que me ensines a ajudá-los.
Fora de Ti eu aprendi
que nós podemos construir o nosso destino,
que o esforço é sempre recompensado,
que tudo está ao alcance da forte vontade,
que o sucesso é uma questão de preserverança.
Muitas vezes Te agradeci
estas coisas que Tu não me ensinastes,
pois não é esta a Tua Palavra.
Muitas vezes eu Te agradeci
por teres estado ao meu lado, do meu lado,
em coisas que não Te interessam
pois são coisas do mundo,
efémeras, sem transcendência.
Mas agora mostraste-me,
sem margem para dúvidas,
que eu, como qualquer Teu filho,
não sou mais forte que o destino;
que, como todos e em tudo, estou nas tuas mãos;
que Tu, que nos oferecestes a suprema humildade,
a do Teu Filho,
nos pedes também a nossa humildade.
Agora mostraste-me aquilo que eu há muito suspeitava,
aquilo que há muito eu apregoava,
mas no meu íntimo eu não sentia plenamente.
Mostraste-me agora aquilo que verdadeiramente nos ofereces,
pela graça da Fé, pelo exemplo do Teu Filho,
pelos exemplos de tantos que me precederam,
pelos exemplos de quem vive a meu lado.
E aquilo que verdadeiramente nos ofereces
é um sentido para tudo isto,
é uma possibilidade de grandeza,
é uma humanidade mais humana porque mais perto de Ti,
é uma vida mais plena,
é a resignação no sofrimento e no fracasso,
é a humildade no sucesso e na felicidade,
é receber dando,
é Tu amar-nos, para que saibamos também amar,
é a paz em nós, a Tua Paz,
é deixares fazer-Te sentir ao nosso lado,
sempre.
Por isso, Meu Deus e Meu Pai,
neste momento de dor e frustração
eu Te dou graças
por teres escolhido ajudar-me a crescer.
E peço-Te que ajudes os outros,
e que me ensines a ajudá-los.
Contorcionismos
O Tiago diz hoje nos Animais que "lamenta que tantos evangélicos, tão acostumados a contorcionismos apologéticos para prevenir que as Escrituras não amachuquem as suas elaboradas concepções teológicas, percam a elasticidade para todos os outros escritos". Cá nas minhas bandas fazem-se lamentações parecidas.
quinta-feira, fevereiro 12, 2004
Há Vida em certos blogues
É tocante hoje a Inês Alva, quando nos fala sobre as coisa simples e belas que existem no mundo. Hoje, particularmente hoje, fez-me bem fazer os Azimutes. Obrigado, Inês. É bem verdade que "ao olhar os que amamos sabemos o segredo, sabemos que ocultam as asas que os elevam à condição de anjos. Serão sempre perfeitos aos nossos olhos, a imagem de Deus entre os humanos nesta viagem que fazemos ombro a ombro, até que a vida nos separe".
quarta-feira, fevereiro 11, 2004
Curta
Agora sim, eis-nos perante a derradeira porta. A derradeira das derradeiras. A iminência do desfecho dá-me uma estranha sensação de alívio, de antegosto da vida que haverá para mim e para os outros após tudo isto. Aconteça o que acontecer.
Se correr mal, não perdi a minha integridade. Sairei mais forte do que entrei. Não sairei zangado com Deus nem comigo nem com o mundo. Mas, definitivamente, quero que corra bem. Se tal me for permitido.
Por isso rezo, como os de Missnanga:
Meu Deus e meu Pai:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
Se correr mal, não perdi a minha integridade. Sairei mais forte do que entrei. Não sairei zangado com Deus nem comigo nem com o mundo. Mas, definitivamente, quero que corra bem. Se tal me for permitido.
Por isso rezo, como os de Missnanga:
Meu Deus e meu Pai:
Livra-nos do medo,
livra-nos da frustração,
deixa-nos chegar ao nosso destino.
It´s a hard way
Li ontem num jornal já antigo uma frase dum especialista em boas frases: Churchill. Dizia o grande homem que "o sucesso é a capacidade de ir de um falhanço a um outro sem perder o entusiasmo". E eu digo: a Fé também.
Muitos apontam aos crentes em geral e particularmente aos cristãos, a incapacidade de serem coerentes com a sua Fé, a incapacidade de viverem de acordo com o que acreditam.
Essa incapacidade existe de facto mas não nos define. O que nos define a nós cristãos é a vontade de viver segundo Cristo. Eu diria mais: o que nos define mesmo é essa possibilidade.
Só o aceitar humildemente as nossas derrotas e seguir tentando sempre é que nos fará chegar ao Objectivo. O caminho para Deus não é dos que se faz de vitória em vitória. Faz-se sim de derrota em derrota, até à vitória final.
Há uma música gira cantada pela Mary Chapin Carpenter que diz:
Some will call on destiny, but i just call on faith
That the world won't stop, and actions speak louder
Listen to your heart, to what your heart might say
Everything we got, we got the hard way
Muitos apontam aos crentes em geral e particularmente aos cristãos, a incapacidade de serem coerentes com a sua Fé, a incapacidade de viverem de acordo com o que acreditam.
Essa incapacidade existe de facto mas não nos define. O que nos define a nós cristãos é a vontade de viver segundo Cristo. Eu diria mais: o que nos define mesmo é essa possibilidade.
Só o aceitar humildemente as nossas derrotas e seguir tentando sempre é que nos fará chegar ao Objectivo. O caminho para Deus não é dos que se faz de vitória em vitória. Faz-se sim de derrota em derrota, até à vitória final.
Há uma música gira cantada pela Mary Chapin Carpenter que diz:
Some will call on destiny, but i just call on faith
That the world won't stop, and actions speak louder
Listen to your heart, to what your heart might say
Everything we got, we got the hard way
segunda-feira, fevereiro 09, 2004
Vizinho revisitado
Tenho a agradecer a um bom amigo da blogosfera o ter-me enviado backups de 3 meses do ex-blogue Vizinho do mar. Já aqui falei sobre ele e não tenho a dizer muito mais. Salvo talvez dizer que as qualidades a que eu dou mais valor são precisamente aquelas que não possuo.
Aqui vão pois uns excertos do Vizinho, para quem o não chegou a descobrir:
gosto de aforismos. talvez, por isso, leia e releia a Agustina. é bom, ao fim de trinta páginas, encontrar a frase que justifica uma esperança.
não é a morte que me aproxima da fé; é a fé que me explica a morte.
eu tenho medo das palavras. tenho um medo terrível daquilo que não digo. umas vezes, sinto que sou pecador porque me calo. outras, sei que peco na verbosidade incontida da sedução. escreve-se para seduzir. fala-se para iludir o silêncio.
nada pior do que fazer da fé um pretexto.
mas a fé está no equilíbrio da manhã. naquele interstício do tempo em que se sente a presença d`Ele. absoluta, perene e insubstituível. uma presença que se procura. ou uma inquietação que se disciplina. as dúvidas não são minhas mas d`Ele em relação a mim. a fé não é uma certeza. nem um ritual que me justifique. a fé é a plenitude da vida. por mais escassos que sejam os momentos em que adivinho essa plenitude.
nesse aspecto, os evangélicos levaram a palma aos católicos. tiveram de aprender a ler e fizeram-no com a urgência da fé.
eu expulso o meu orgulho com a minha depressão. a fé também passa pela psiquiatria.
tenho, para mim, uma trindade de inquietações: a fé é indizível; pela história, afastamo-nos de Deus; a santidade é exterior ao mundo. e, no entanto, fé, Deus, santidade, são realidades (realidades, repito) que só as palavras podem transportar.
há o risco de tornar-me uma ficção.
acredito numa vocação irremediável: a de ser disperso e inútil. sei mais do que aquilo que digo, sei menos do que aquilo que deixo silenciar. sou um asceta com filhas.
todas as dores são suspeitas. espera-se o pior, sempre.
não sou ecuménico, sou paciente.
passo o dia a escrever: ofícios, relatórios, lugares-comuns onde se jogam interesses alheios. escritas onde as palavras não me pertencem. e o que sei fazer, de uma forma escorreita e serena. pressinto que há algo de insólito no facto de, nos intervalos do silêncio, juntar palavras inabituais e pô-las aqui à consideração dos vizinhos que vou conhecendo. é como se fosse um outro eu, mais íntimo e diletante, à procura de uma verdade impossível. não tenho nome nem futuro. o que me importa é saber continuar sem uma razão aparente.
o sonho é uma ausência sem mérito. gosto das verdades inelutáveis. daquelas evidências que não consentem o arrependimento.
deve haver uma estética para a fé.
não digo verdades nem mentiras. falo por falar.
descubro que tenho uma ternura imensa pela minha mulher. o ascetismo chega-me com a idade.
sou um parasita dos links alheios. habitualmente, quando quero viajar pelos blogues, bato à porta do tiago e aproveito a boleia dos muitos links que tem referenciados. se a viagem é mais pequena, chega-me a boleia do josé. nisto dos blogues também há estratégias de sobrevivência.
Nov 03 - Jan 04
Reparei também há já alguns dias que a Maria também foi para parte incerta.
Peço a Deus que proteja a Fé de ambos.
Aqui vão pois uns excertos do Vizinho, para quem o não chegou a descobrir:
gosto de aforismos. talvez, por isso, leia e releia a Agustina. é bom, ao fim de trinta páginas, encontrar a frase que justifica uma esperança.
não é a morte que me aproxima da fé; é a fé que me explica a morte.
eu tenho medo das palavras. tenho um medo terrível daquilo que não digo. umas vezes, sinto que sou pecador porque me calo. outras, sei que peco na verbosidade incontida da sedução. escreve-se para seduzir. fala-se para iludir o silêncio.
nada pior do que fazer da fé um pretexto.
mas a fé está no equilíbrio da manhã. naquele interstício do tempo em que se sente a presença d`Ele. absoluta, perene e insubstituível. uma presença que se procura. ou uma inquietação que se disciplina. as dúvidas não são minhas mas d`Ele em relação a mim. a fé não é uma certeza. nem um ritual que me justifique. a fé é a plenitude da vida. por mais escassos que sejam os momentos em que adivinho essa plenitude.
nesse aspecto, os evangélicos levaram a palma aos católicos. tiveram de aprender a ler e fizeram-no com a urgência da fé.
eu expulso o meu orgulho com a minha depressão. a fé também passa pela psiquiatria.
tenho, para mim, uma trindade de inquietações: a fé é indizível; pela história, afastamo-nos de Deus; a santidade é exterior ao mundo. e, no entanto, fé, Deus, santidade, são realidades (realidades, repito) que só as palavras podem transportar.
há o risco de tornar-me uma ficção.
acredito numa vocação irremediável: a de ser disperso e inútil. sei mais do que aquilo que digo, sei menos do que aquilo que deixo silenciar. sou um asceta com filhas.
todas as dores são suspeitas. espera-se o pior, sempre.
não sou ecuménico, sou paciente.
passo o dia a escrever: ofícios, relatórios, lugares-comuns onde se jogam interesses alheios. escritas onde as palavras não me pertencem. e o que sei fazer, de uma forma escorreita e serena. pressinto que há algo de insólito no facto de, nos intervalos do silêncio, juntar palavras inabituais e pô-las aqui à consideração dos vizinhos que vou conhecendo. é como se fosse um outro eu, mais íntimo e diletante, à procura de uma verdade impossível. não tenho nome nem futuro. o que me importa é saber continuar sem uma razão aparente.
o sonho é uma ausência sem mérito. gosto das verdades inelutáveis. daquelas evidências que não consentem o arrependimento.
deve haver uma estética para a fé.
não digo verdades nem mentiras. falo por falar.
descubro que tenho uma ternura imensa pela minha mulher. o ascetismo chega-me com a idade.
sou um parasita dos links alheios. habitualmente, quando quero viajar pelos blogues, bato à porta do tiago e aproveito a boleia dos muitos links que tem referenciados. se a viagem é mais pequena, chega-me a boleia do josé. nisto dos blogues também há estratégias de sobrevivência.
Nov 03 - Jan 04
Reparei também há já alguns dias que a Maria também foi para parte incerta.
Peço a Deus que proteja a Fé de ambos.
Religiões comparadas 3
Confesso a minha impaciência para que o Nuno Guerreiro continue os nossos diálogos inter-religiosos. Apesar do desacordo de alguns irmãos cristãos eu continuo convencido que a procura da natureza essencial comum a todas as religiões é um dos caminhos mais remuneradores para o fortalecimento da Fé dos crentes. Ainda hoje li um texto muito interessante de António Barahona, grande conhecedor do Islamismo e Hinduísmo: "Babel significa literalmente Porta de Deus. Os homens detentores da linguagem única, primordial, não conseguiram o seu intento (a construção da Torre) e ficaram sujeitos à diversidade verbal. Há pois muitas línguas mas o sentido é só um, tal como há muitas religiões e um único Deus. A multiplicidade das línguas, no plano humano, coexiste com a Unidade do Verbo no plano divino".
O 2ºpost do Nuno foi para mim uma surpresa.
Com efeito, não imaginava que o misticismo da Cabala tivesse hoje um lugar tão importante no edifício da Fé Judaica. Surprendeu-me verificar que a exegese da Torah é feita à luz metafísica do Zohar e das teorias de Luria. Significará isso que a construção exegética do judaísmo é fundamentalmente mística? Curiosamente no Cristianismo Romano, a exegese foi essencialmente neo-platónica, ou seja predominantemente racionalista. As interpretações mais místicas foram muitas vezes perseguidas no seio do cristianismo. E pensava eu que no Judaísmo da catedrocracia também era assim.
Outra coisa que me surpreendeu completamente foi a questão da reencarnação e transmigração das almas. Ignorava completamente que esse conceito existisse no Judaísmo. Estranhamente, aquilo que o Nuno escreveu sobre isto e sobre os fragmentos da alma única e primordial faz-me lembrar muito o hinduísmo.
Achei muito curioso fazer um paralelismo com as cinco partes distintas da alma, tal como vem no post da Rua da Judiaria, presumo que da alma primordial, de Adão, que “depois de ‘ter comido da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal’, a sua alma fragmentou-se em milhares e milhares de pedaços [faíscas] – fragmentos e fragmentos de fragmentos – que subsequentemente viriam a encarnar em cada ser humano que nasceu até hoje e que ainda nascerá”, fragmentos esses que, deduzo eu, tenham em cada pessoa proporções desiguais daquelas cinco partes distintas. E esse paralelismo é com as castas do Hinduísmo. A doutrina hindu ensina que nos primórdios havia uma única casta , hamsa, com um grau de espiritualidade muito elevado, hoje excepcional mas então comum a todo o homem. Depois da ruptura da unidade primordial entre Brahman e os seus seres, estes agruparam-se por quatro castas ou varnas: os Brâmanes, os Kxatriyas, os Vaixias e os Sudras por ordem decrescente de espiritualidade e proximidade com a Doutrina e o seu conhecimento. A estas castas foram atribuídas funções sociais: cada qual com o seu Karma. Segundo o Hinduísmo, se cada indivíduo cumprir o seu Dharma, isto é a natureza e função essencial de acordo com o seu karma, ao morrer ele reencarnaria num nível superior, espiritual e social, subindo de casta até alcançar a unidade perfeita, a identificação absoluta com Brahman. Há aqui qualquer coisa de muito parecido com a frase do Nuno: "Após a morte, parte da alma é “reciclada” e volta a encarnar, de forma a efectuar as correcções (Tikkun) necessárias para que possa cumprir o seu destino final de reunificação ao Criador".
Termino pedindo desculpa a quem me leia por estas derivas metafísicas, mas trata-se de algo que me interessa muito enquanto cristão.
E Nuno, vamos aí!
O 2ºpost do Nuno foi para mim uma surpresa.
Com efeito, não imaginava que o misticismo da Cabala tivesse hoje um lugar tão importante no edifício da Fé Judaica. Surprendeu-me verificar que a exegese da Torah é feita à luz metafísica do Zohar e das teorias de Luria. Significará isso que a construção exegética do judaísmo é fundamentalmente mística? Curiosamente no Cristianismo Romano, a exegese foi essencialmente neo-platónica, ou seja predominantemente racionalista. As interpretações mais místicas foram muitas vezes perseguidas no seio do cristianismo. E pensava eu que no Judaísmo da catedrocracia também era assim.
Outra coisa que me surpreendeu completamente foi a questão da reencarnação e transmigração das almas. Ignorava completamente que esse conceito existisse no Judaísmo. Estranhamente, aquilo que o Nuno escreveu sobre isto e sobre os fragmentos da alma única e primordial faz-me lembrar muito o hinduísmo.
Achei muito curioso fazer um paralelismo com as cinco partes distintas da alma, tal como vem no post da Rua da Judiaria, presumo que da alma primordial, de Adão, que “depois de ‘ter comido da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal’, a sua alma fragmentou-se em milhares e milhares de pedaços [faíscas] – fragmentos e fragmentos de fragmentos – que subsequentemente viriam a encarnar em cada ser humano que nasceu até hoje e que ainda nascerá”, fragmentos esses que, deduzo eu, tenham em cada pessoa proporções desiguais daquelas cinco partes distintas. E esse paralelismo é com as castas do Hinduísmo. A doutrina hindu ensina que nos primórdios havia uma única casta , hamsa, com um grau de espiritualidade muito elevado, hoje excepcional mas então comum a todo o homem. Depois da ruptura da unidade primordial entre Brahman e os seus seres, estes agruparam-se por quatro castas ou varnas: os Brâmanes, os Kxatriyas, os Vaixias e os Sudras por ordem decrescente de espiritualidade e proximidade com a Doutrina e o seu conhecimento. A estas castas foram atribuídas funções sociais: cada qual com o seu Karma. Segundo o Hinduísmo, se cada indivíduo cumprir o seu Dharma, isto é a natureza e função essencial de acordo com o seu karma, ao morrer ele reencarnaria num nível superior, espiritual e social, subindo de casta até alcançar a unidade perfeita, a identificação absoluta com Brahman. Há aqui qualquer coisa de muito parecido com a frase do Nuno: "Após a morte, parte da alma é “reciclada” e volta a encarnar, de forma a efectuar as correcções (Tikkun) necessárias para que possa cumprir o seu destino final de reunificação ao Criador".
Termino pedindo desculpa a quem me leia por estas derivas metafísicas, mas trata-se de algo que me interessa muito enquanto cristão.
E Nuno, vamos aí!
sexta-feira, fevereiro 06, 2004
Momento pré-conciliar
in principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum
hoc erat in principio apud Deum
omnia per ipsum facta sunt et sine ipso factum est nihil quod factum est
in ipso vita erat et vita erat lux hominum
et lux in tenebris lucet et tenebrae eam non conprehenderunt
fuit homo missus a Deo cui nomen erat Iohannes
hic venit in testimonium ut testimonium perhiberet de lumine ut omnes crederent per illum
non erat ille lux sed ut testimonium perhiberet de lumine
erat lux vera quae inluminat omnem hominem venientem in mundum
in mundo erat et mundus per ipsum factus est et mundus eum non cognovit
in propria venit et sui eum non receperunt
quotquot autem receperunt eum dedit eis potestatem filios Dei fieri his qui credunt in nomine eius
qui non ex sanguinibus neque ex voluntate carnis neque ex voluntate viri sed ex Deo nati sunt
et Verbum caro factum est et habitavit in nobis et vidimus gloriam eius gloriam quasi unigeniti a Patre plenum gratiae et veritatis
João 1 (1-14)
Glória eterna ao Vaticano II. E a Pierre Valdo, o primeiro a lembrar-se de que para o Povo de Deus perceber a Palavra era melhor saber lê-la.
hoc erat in principio apud Deum
omnia per ipsum facta sunt et sine ipso factum est nihil quod factum est
in ipso vita erat et vita erat lux hominum
et lux in tenebris lucet et tenebrae eam non conprehenderunt
fuit homo missus a Deo cui nomen erat Iohannes
hic venit in testimonium ut testimonium perhiberet de lumine ut omnes crederent per illum
non erat ille lux sed ut testimonium perhiberet de lumine
erat lux vera quae inluminat omnem hominem venientem in mundum
in mundo erat et mundus per ipsum factus est et mundus eum non cognovit
in propria venit et sui eum non receperunt
quotquot autem receperunt eum dedit eis potestatem filios Dei fieri his qui credunt in nomine eius
qui non ex sanguinibus neque ex voluntate carnis neque ex voluntate viri sed ex Deo nati sunt
et Verbum caro factum est et habitavit in nobis et vidimus gloriam eius gloriam quasi unigeniti a Patre plenum gratiae et veritatis
João 1 (1-14)
Glória eterna ao Vaticano II. E a Pierre Valdo, o primeiro a lembrar-se de que para o Povo de Deus perceber a Palavra era melhor saber lê-la.
quinta-feira, fevereiro 05, 2004
Uma pergunta lixada
Todos os domingos vou à Missa. E aí ouço sempre a Palavra. A homilia, essa nem sempre a ouço, às vezes páro de a ouvir para dela não me lembrar; outras vezes ouço-a e não mais me esqueço dela.
Mas no Público aos Domingos há uma outra homilia, sempre boa de ouvir, a de Frei Bento Domingues. Nesta última, ele relembra-me uma frase de Pascal: "o último passo da razão é o de reconhecer que existem infinitas coisas que nos superam".
E diz-nos que andamos distraídos:
Hoje, laicos e religiosos de todas as denominações estão confrontados com um problema que se arrasta: uma minoria de seres humanos está sentada à mesa farta, enquanto grande parte da população está à porta, doente e esfomeada. Os laicos dos países ricos entretêm-se com as ameaças das religiões, em vez de se preocuparem com a ameaça da pobreza. Os religiosos dos países capitalistas festejam o fracasso das ideologias ateias. Alguns dirigentes confessam-se muito cristãos e vivem em conivência com os governantes corruptos e os magnatas dos países prostrados na miséria. Tanto a laicidade como as religiões podem tornar-se figuras da alienação. Segundo a graça do Evangelho, não é pela laicidade ou pela religião que a história e Deus nos julgarão, mas pela resposta à pergunta: "Que fizeste do teu irmão"?
Boa pergunta. Será bom irmos pensando na resposta.
Mas no Público aos Domingos há uma outra homilia, sempre boa de ouvir, a de Frei Bento Domingues. Nesta última, ele relembra-me uma frase de Pascal: "o último passo da razão é o de reconhecer que existem infinitas coisas que nos superam".
E diz-nos que andamos distraídos:
Hoje, laicos e religiosos de todas as denominações estão confrontados com um problema que se arrasta: uma minoria de seres humanos está sentada à mesa farta, enquanto grande parte da população está à porta, doente e esfomeada. Os laicos dos países ricos entretêm-se com as ameaças das religiões, em vez de se preocuparem com a ameaça da pobreza. Os religiosos dos países capitalistas festejam o fracasso das ideologias ateias. Alguns dirigentes confessam-se muito cristãos e vivem em conivência com os governantes corruptos e os magnatas dos países prostrados na miséria. Tanto a laicidade como as religiões podem tornar-se figuras da alienação. Segundo a graça do Evangelho, não é pela laicidade ou pela religião que a história e Deus nos julgarão, mas pela resposta à pergunta: "Que fizeste do teu irmão"?
Boa pergunta. Será bom irmos pensando na resposta.
Epicurtas 2
Decididamente, o Ivan Nunes é daqueles a quem a idade trouxe o bom senso. E desde que se deixou de levar tão a sério passou a ter piada. Senão vejam: "244 pessoas morreram durante o apedrejamento de Satanás. Satanás, porém, saíu incólume". Não tenho a mínima dúvida.
quarta-feira, fevereiro 04, 2004
Epicurtas
O melhor da blogosfera é encontrar frases soltas, curtas, mas que, dizendo muito, ainda não tinham sido ditas. É o caso de ontem, a bordo: O medo é apenas uma percepção de falta de companhia. De ajuda. Nada mais.
Certezas?
Tenho recebido vários mails e lido vários blogues a verberarem as certezas dos cristãos. Neste domínio convirá não se fazer generalizações. Não tenho para já grandes comentários a fazer senão recuperar um post antigo, onde eu justificava a perplexidade do meu guia:
A Fé nunca é uma certeza.
É uma esperança, uma ânsia.
É um corolário entre outros corolários,
mas a que não se chega sózinho.
É uma busca de sentido,
uma procura de grandeza.
É uma angustiada consciência
das nossas humanas limitações.
É uma deriva a querer tornar-se caminho,
um salto em frente que, todavia, é um regresso.
É o conforto precário duma presença
que procuramos no Céu, no mundo,
mas que irrompe em nós mesmos.
Vem da imagem e da semelhança.
É o alfa e o ómega,
é a possibilidade de redenção.
É uma imensa perplexidade
perante um amor que não merecemos,
uma liberdade que nunca soubemos usar
e um silêncio que nos diz Tudo.
É assim que eu vejo a coisa; mas quem sou eu?
A Fé nunca é uma certeza.
É uma esperança, uma ânsia.
É um corolário entre outros corolários,
mas a que não se chega sózinho.
É uma busca de sentido,
uma procura de grandeza.
É uma angustiada consciência
das nossas humanas limitações.
É uma deriva a querer tornar-se caminho,
um salto em frente que, todavia, é um regresso.
É o conforto precário duma presença
que procuramos no Céu, no mundo,
mas que irrompe em nós mesmos.
Vem da imagem e da semelhança.
É o alfa e o ómega,
é a possibilidade de redenção.
É uma imensa perplexidade
perante um amor que não merecemos,
uma liberdade que nunca soubemos usar
e um silêncio que nos diz Tudo.
É assim que eu vejo a coisa; mas quem sou eu?
Religiões comparadas 2
Muito obrigado, amigo Nuno, pela resposta. Reafirmo, com admiração, o que disse em meu post anterior. Temos aqui muito para ler e reflectir. O Nuno já sabe que que "quand on prend du duc on ne saurait jamais trop y prendre". Por isso é natural que surjam mais perguntas a necessitarem a sua sapiência, paciência e de outras coisas terminadas em ência.
Adenda: é deliciosa a fotografia que o Nuno escolheu para este post. Divirto-me imaginando-a como sendo a da comissão de rabinos que preparou a resposta do Nuno. Mas, falando a sério, penso que não haverá imagem que defina mais sinteticamente a identidade do judaísmo do que esta.
Adenda: é deliciosa a fotografia que o Nuno escolheu para este post. Divirto-me imaginando-a como sendo a da comissão de rabinos que preparou a resposta do Nuno. Mas, falando a sério, penso que não haverá imagem que defina mais sinteticamente a identidade do judaísmo do que esta.
segunda-feira, fevereiro 02, 2004
Aquilo que verdadeiramente interessa
É inequívoco que os blogues cristãos, católicos e sobretudo evangélicos, tem ganho uma certa projecção na blogosfera. A questão do aborto sem dúvida catalizou isto e nas últimas duas semanas sentiu-se uma certa irritação na blogoesquerda ateia, republicana e laica. Houve também, até com a participação deste humilde blogue, muita “fundibulagem” entre católicos e protestantes, a propósito da unidade dos cristãos mas sobre as diferenças que nos separam. Ora, neste fim de semana dediquei uma boa horita a rever o que tenho escrito mas também o que tem sido escrito por outros. Reli também uns mails que recebi e fixei-me num deles, duma leitora das primeiras que tive, a propósito dos meus posts sobre aqueles ateus e ateias. Dizia ela que se tinha rido bastante com esses posts mas que não se tinha sentido muito bem com esse facto pois permanecia no seu espírito a questão sobre como é que nós cristãos devemos reagir com aqueles senhores e senhoras do fundamentalismo ateu? E acrescentava ela que melhor do que a ironia era o sorriso de Deus nosso Pai perante a sua Humanidade. E, de facto, ela tem toda a razão: é desse sorriso que os Cristãos devem dar testemunho em vez de desprezos orgulhosos, mesmo que suavizados pela ironia. A ironia é uma virtude somente humana, nada tem de divino.
De facto não é nada fácil dar testemunho de Cristo permanecendo-se inteiramente digno do testemunho que se está a dar. Já num post antigo eu o tinha referido: “Nós cristãos não devemos guardar connosco a nossa Fé. Devemos mostrá-la, explicá-la, vivê-la perante os outros. É nossa obrigação tentar que o nosso próximo receba como nós a graça da Fé, não por proselitismo estéril, mas simplesmente por amor a esse próximo. Acontece porém que isto não é fácil e por variadíssimos motivos. Um deles é a enorme dificuldade de falar sobre a Fé que nos anima sem nos colocarmos, insensivelmente, involuntariamente, num plano superior ao do nosso interlocutor. Nós temos a graça, a iluminação e eles não e, portanto, instala-se logo um desconforto que elimina toda a receptividade. Isso acontece, não só por uma natural reacção epidérmica do interlocutor, mas também porque aquele subtil arzinho de superioridade que ,às vezes e sem o querer, arvoramos contradiz totalmente a essência da nossa Fé”.
Esta reflexão voltou ao meu espírito a propósito do tal mail que recebi e de várias coisas que vi escritas por vários blogues que muito respeito. E dela surgiram-me novamente dúvidas perturbadoras: como falar de Fé a quem não a tem, e a quem tem uma Fé diferente da nossa? Por coincidência , ou talvez não, a 2ªleitura da missa deste domingo deu-me a resposta pela voz, sempre ela, de S.Paulo. É um dos seus textos fundamentais pois se o perdermos de vista, nós Cristãos, não o seremos mais do que nominalmente.
Curiosamente, já o estimável Lutz tinha-nos relembrado isto na semana passada.
E é disto que eu estou a falar:
Ainda que eu fale as línguas dos homens
e dos anjos, se não tiver amor,
serei como o bronze que soa ou como
o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o Dom de profetizar
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto
de transportar montanhas,
se não tiver amor, nada serei.
E ainda que eu distribua todos os
meus bens entre os pobres
e ainda que entregue o meu próprio
corpo para ser queimado,
se não tiver amor,
nada disso me aproveitará.
O amor é paciente, é benigno,
O amor não arde em ciúmes,
não se ufana, não se ensoberbece,
não se conduz inconvinientemente,
não procura os seus interesses,
não se exaspera,
não se ressente do mal;
não se alegra com a injustiça,
mas regozija-se com a verdade.
tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.
O amor jamais acaba.
Mas, havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará.
Porque em parte conhecemos,
e em parte profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito,
o que então é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como um
menino, sentia como um menino.
Quando cheguei a ser homem,
desisti das coisas próprias de menino.
Porque agora vemos como em espelho,
obscuramente, e então veremos face a face;
agora conheço em parte e então,
conhecerei como sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a Fé,
a Esperança e o Amor.
Estes três.
Porém, o maior deles, é o Amor.”
(Paulo: 1ª Carta aos Coríntios, 13)
Nós cristãos não podemos permitir que a força das nossas convicções, a veemência da nossa dialética, a urgência de darmos testemunho da Palavra, nos desvie daquilo, que pelas próprias palavras de Cristo, é a principal coisa que Ele nos pede: "Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei".
É bom relembrar este facto simples, até porque estamos sempre a esquecê-lo. Até porque se o nós o esquecermos, se nós não vivermos assim, quem o virá relembrar aos Homens?
De facto não é nada fácil dar testemunho de Cristo permanecendo-se inteiramente digno do testemunho que se está a dar. Já num post antigo eu o tinha referido: “Nós cristãos não devemos guardar connosco a nossa Fé. Devemos mostrá-la, explicá-la, vivê-la perante os outros. É nossa obrigação tentar que o nosso próximo receba como nós a graça da Fé, não por proselitismo estéril, mas simplesmente por amor a esse próximo. Acontece porém que isto não é fácil e por variadíssimos motivos. Um deles é a enorme dificuldade de falar sobre a Fé que nos anima sem nos colocarmos, insensivelmente, involuntariamente, num plano superior ao do nosso interlocutor. Nós temos a graça, a iluminação e eles não e, portanto, instala-se logo um desconforto que elimina toda a receptividade. Isso acontece, não só por uma natural reacção epidérmica do interlocutor, mas também porque aquele subtil arzinho de superioridade que ,às vezes e sem o querer, arvoramos contradiz totalmente a essência da nossa Fé”.
Esta reflexão voltou ao meu espírito a propósito do tal mail que recebi e de várias coisas que vi escritas por vários blogues que muito respeito. E dela surgiram-me novamente dúvidas perturbadoras: como falar de Fé a quem não a tem, e a quem tem uma Fé diferente da nossa? Por coincidência , ou talvez não, a 2ªleitura da missa deste domingo deu-me a resposta pela voz, sempre ela, de S.Paulo. É um dos seus textos fundamentais pois se o perdermos de vista, nós Cristãos, não o seremos mais do que nominalmente.
Curiosamente, já o estimável Lutz tinha-nos relembrado isto na semana passada.
E é disto que eu estou a falar:
Ainda que eu fale as línguas dos homens
e dos anjos, se não tiver amor,
serei como o bronze que soa ou como
o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o Dom de profetizar
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto
de transportar montanhas,
se não tiver amor, nada serei.
E ainda que eu distribua todos os
meus bens entre os pobres
e ainda que entregue o meu próprio
corpo para ser queimado,
se não tiver amor,
nada disso me aproveitará.
O amor é paciente, é benigno,
O amor não arde em ciúmes,
não se ufana, não se ensoberbece,
não se conduz inconvinientemente,
não procura os seus interesses,
não se exaspera,
não se ressente do mal;
não se alegra com a injustiça,
mas regozija-se com a verdade.
tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.
O amor jamais acaba.
Mas, havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará.
Porque em parte conhecemos,
e em parte profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito,
o que então é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como um
menino, sentia como um menino.
Quando cheguei a ser homem,
desisti das coisas próprias de menino.
Porque agora vemos como em espelho,
obscuramente, e então veremos face a face;
agora conheço em parte e então,
conhecerei como sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a Fé,
a Esperança e o Amor.
Estes três.
Porém, o maior deles, é o Amor.”
(Paulo: 1ª Carta aos Coríntios, 13)
Nós cristãos não podemos permitir que a força das nossas convicções, a veemência da nossa dialética, a urgência de darmos testemunho da Palavra, nos desvie daquilo, que pelas próprias palavras de Cristo, é a principal coisa que Ele nos pede: "Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei".
É bom relembrar este facto simples, até porque estamos sempre a esquecê-lo. Até porque se o nós o esquecermos, se nós não vivermos assim, quem o virá relembrar aos Homens?