sexta-feira, julho 30, 2004
Parece-me que este post é o princípio de um belo silêncio...
É que vou de férias por 3 (três) semanas. Para desligar, mesmo, de tudo, disto também. Por isso, salvo imprevistos, cá nos encontraremos em fins de Agosto. Mais recompostos, espero.
Ora pro nobis...
Ora pro nobis...
quinta-feira, julho 29, 2004
Job, ou o orgulho do justo
Numa altura em que não podia estar mais saturado do meu "job", deu-me para ler e falar de Job como se viu ontem no sítio do costume. Recebi entretanto dois ou três comentários bem pertinentes, sobretudo um do meu caríssimo amigo e conterrâneo Fernando.
Que tem razão: apesar de o ter mencionado, eu não enfatizei suficientemente um aspecto importante que retirei desta minha leitura de Job: citando o Fernando, a injustiça sofrida por Job afinal não é assim tanta quanto poderíamos pensar; Job tem o orgulho dos «justos»; por isso, sofre. No entanto, quando reconhece o seu orgulho, Deus deixa de fazer pender sobre ele o sofrimento.
A partir daí, e remetendo também para os "Irmão Karamazov" de Dostoievski, o que diz afinal Job é que, para os inocentes o sofrimento não é eterno; a vida de Job, do inocente Job, o final de Job, quando é inocente, quando se torna inocente pelo seu arrependimento, é no final de contas uma prova em terra da Justiça de Deus!
Faltou-me de facto dizer isto. Um abraço pois ao Fernando.
Queria dizer também algo mais: esta leitura de Job foi para mim uma revelação de muitas coisas. Uma delas, a que mais me impressionou, foi uma inesperada identificação minha com a personagem. Também eu, como Job, tento honestamente levar direita a minha vidinha. Também eu, como ele, acabo por andar satisfeito com ela. Embora eu não possua milhares de vacas e milhares de ovelhas nem tenha sete filhos e três filhas, o facto é que tenho sido abençoado com muita coisa boa na minha vida.
E penso às vezes, quase às escondidas de mim próprio, que tenho sabido merecer essa sorte. Eu sei que é miserável mas é verdade que às vezes penso isso. E que sou um gajo porreiro e um bom pai e um tipo sério e um marido amante e um filho atento e por aí adiante...Parece até que sou eu que beneficio Deus e os meus irmãos com a minha existência.
Quando é precisamente o contrário, porra!
Que a sorte que eu tenho tido me obriga a ser um gajo muitíssimo melhor do que sou. Que os meus filhos e a minha mulher e os meus amigos e tantas pessoas por esse mundo precisam muito mais de mim do que eu lhes dou!
E no fundo, no fundo, já há muito que eu sei isto. E é por isso mesmo que eu entendi tão bem o pobre Job quando ele disse: Porquanto o temor, que temia, me veio e me aconteceu o que receava. Também há muito que eu receio que a sorte mude, apenas porque sim, porque é perfeitamente possível que isso aconteça, porque sou um filho de Deus como outro qualquer.
Rezo pois a Deus que não seja necessário que Ele me atinja com a sua mão para que eu vença finalmente esse abjecto e pecaminoso orgulho do "justo".
Que tem razão: apesar de o ter mencionado, eu não enfatizei suficientemente um aspecto importante que retirei desta minha leitura de Job: citando o Fernando, a injustiça sofrida por Job afinal não é assim tanta quanto poderíamos pensar; Job tem o orgulho dos «justos»; por isso, sofre. No entanto, quando reconhece o seu orgulho, Deus deixa de fazer pender sobre ele o sofrimento.
A partir daí, e remetendo também para os "Irmão Karamazov" de Dostoievski, o que diz afinal Job é que, para os inocentes o sofrimento não é eterno; a vida de Job, do inocente Job, o final de Job, quando é inocente, quando se torna inocente pelo seu arrependimento, é no final de contas uma prova em terra da Justiça de Deus!
Faltou-me de facto dizer isto. Um abraço pois ao Fernando.
Queria dizer também algo mais: esta leitura de Job foi para mim uma revelação de muitas coisas. Uma delas, a que mais me impressionou, foi uma inesperada identificação minha com a personagem. Também eu, como Job, tento honestamente levar direita a minha vidinha. Também eu, como ele, acabo por andar satisfeito com ela. Embora eu não possua milhares de vacas e milhares de ovelhas nem tenha sete filhos e três filhas, o facto é que tenho sido abençoado com muita coisa boa na minha vida.
E penso às vezes, quase às escondidas de mim próprio, que tenho sabido merecer essa sorte. Eu sei que é miserável mas é verdade que às vezes penso isso. E que sou um gajo porreiro e um bom pai e um tipo sério e um marido amante e um filho atento e por aí adiante...Parece até que sou eu que beneficio Deus e os meus irmãos com a minha existência.
Quando é precisamente o contrário, porra!
Que a sorte que eu tenho tido me obriga a ser um gajo muitíssimo melhor do que sou. Que os meus filhos e a minha mulher e os meus amigos e tantas pessoas por esse mundo precisam muito mais de mim do que eu lhes dou!
E no fundo, no fundo, já há muito que eu sei isto. E é por isso mesmo que eu entendi tão bem o pobre Job quando ele disse: Porquanto o temor, que temia, me veio e me aconteceu o que receava. Também há muito que eu receio que a sorte mude, apenas porque sim, porque é perfeitamente possível que isso aconteça, porque sou um filho de Deus como outro qualquer.
Rezo pois a Deus que não seja necessário que Ele me atinja com a sua mão para que eu vença finalmente esse abjecto e pecaminoso orgulho do "justo".
quarta-feira, julho 28, 2004
Está na altura de irmos prá Terra
Na sua última edição antes de férias, a Terra da Alegria dá sinais da vitalidade de sempre. O Timshel, o Rui, o Fernando e o Miguel escreveram hoje por lá coisas que devem ser lidas. Eu é que enfiei para lá uma estucha de todo tamanho, boa para se ler nas férias, na preparação da sesta...
terça-feira, julho 27, 2004
Genocídio não anunciado
No Sudão ocorre uma catástrofe de proporções bíblicas. O seu governo chefiado por um tenebroso fundamentalista islâmico, Omar Al-Bashir, vem promovendo desde há anos uma limpeza étnica das tribos cristãs da região do Darfur, a qual assume contornos dum verdadeiro genocídio. É absolutamente chocante como igualmente chocante é a falta de eco que este genocídio tem encontrado no resto do Mundo, particularmente o Ocidental. À falta de iniciativas concretas da ONU e dos grandes estados, com os EUA à cabeça, junta-se uma cobertura quase envergonhada pelos media a uma quase total ausência de reacção da sociedade civil, dos movimentos políticos e até das Igrejas. Onde estão as petições, onde estão as vigílias e os cordões humanos? Parece que a ocorrência de um genocídio só justifica a acção e agitação política desde que isso sirva as nossas causas ideológicas. Mas este caso parece não servir à causa maior de ninguém. E daí o silêncio ensurdecedor que se escuta. Este silêncio choca-me e irrita-me porque se pressente resultar dum desprezo intenso por aqueles que sofrem num sítio tão afastado da nossa geografia e da nossa mundividência. Choca-me sobretudo o silêncio dos arautos da anti-globalização e dos defensores do terceiro-mundo e dos militantes contra a exclusão. Fico com a terrível dúvida se o facto de, neste caso, os Estados Unidos parecerem isentos de culpa, não estar a contribuír para esse silêncio.
Felizmente, há quem se preocupe e se manifeste. O Nuno Guerreiro é um deles. Um grande abraço para ele. Parece que é preciso conhecer na pele o que é um genocídio para se reagir contra qualquer genocídio...
A propósito disto vou citar umas palavras da Helena Matos no Público de 19/4/03 e que deixo à vossa consideração:
Às novas sibilas nem sequer as perturba o facto de noutros locais estarem a ocorrer dramas imensos que não lhes merecem a piedade dum olhar. Porquê? Porque não foram vaticinados por si mesmas e as razões que movem os seus protagonistas não estão descritas nos livros por onde predizem o futuro. Assim nada retirará do livro do esquecimento as 966 pessoas recentemente vítimas de conflitos tribais na República Democrática do Congo pois, para os mesmos dias em que elas foram mortas à catanada, as sibilas tinham determinado que a catástrofe tinha de ocorrer no Iraque e que as armas não podiam ser facas ou catanas mas sim bombas. Estes 966 mortos estiveram na catástrofe errada. No lugar errado. E pelos vistos não merecem ser lembrados. Enquanto elas morriam no Congo, nós continuávamos à espera da prometida catástrofe no Iraque e na falta dela até se faziam títulos anunciando-a lá muito ao longe.
Realmente parece que nos comovem mais as catástrofes anunciadas pelas sibilas dos dias de hoje, que as anunciam ao sabor da sua agenda, do que aquelas que não tendo sido anunciadas, não servindo a nenhuma agenda política, estão, essas sim já em curso, bem ao nosso lado mas longe da nossa vista, bem abaixo dela.
Felizmente, há quem se preocupe e se manifeste. O Nuno Guerreiro é um deles. Um grande abraço para ele. Parece que é preciso conhecer na pele o que é um genocídio para se reagir contra qualquer genocídio...
A propósito disto vou citar umas palavras da Helena Matos no Público de 19/4/03 e que deixo à vossa consideração:
Às novas sibilas nem sequer as perturba o facto de noutros locais estarem a ocorrer dramas imensos que não lhes merecem a piedade dum olhar. Porquê? Porque não foram vaticinados por si mesmas e as razões que movem os seus protagonistas não estão descritas nos livros por onde predizem o futuro. Assim nada retirará do livro do esquecimento as 966 pessoas recentemente vítimas de conflitos tribais na República Democrática do Congo pois, para os mesmos dias em que elas foram mortas à catanada, as sibilas tinham determinado que a catástrofe tinha de ocorrer no Iraque e que as armas não podiam ser facas ou catanas mas sim bombas. Estes 966 mortos estiveram na catástrofe errada. No lugar errado. E pelos vistos não merecem ser lembrados. Enquanto elas morriam no Congo, nós continuávamos à espera da prometida catástrofe no Iraque e na falta dela até se faziam títulos anunciando-a lá muito ao longe.
Realmente parece que nos comovem mais as catástrofes anunciadas pelas sibilas dos dias de hoje, que as anunciam ao sabor da sua agenda, do que aquelas que não tendo sido anunciadas, não servindo a nenhuma agenda política, estão, essas sim já em curso, bem ao nosso lado mas longe da nossa vista, bem abaixo dela.
Act.: olhe bem para isto!
segunda-feira, julho 26, 2004
Hombre, qué calor! Si amigo, mucho calor...
Depois de uma semana em que trabalhei vergado pelo peso de um ar condicionado decidido a não funcionar, fui passar um fim de semana num sítio em que a temperatura do ar teimou em manter-se acima dos 40º e a da areia da praia essa esteve sempre acima dos 60º! Um vizinho de toldo quando corria a atravessar o areal até à água hesitou por momentos, parou e ficou logo com queimaduras do 3º grau na planta dos pés! Na noite de sábado para domingo, pelas 3 da manhã tomei uma decisão heróica, inédita para mim desde há mais de 20 anos: dormir ao relento. Acordei pelas 7 da manhã sob um calor insuportável para ir a correr tomar um duche frio. Enfim, tem sido um antegosto do inferno, na sua visão térmica, claro está.
Serve isto tudo para informar quem (ainda) me leia que o meu espírito, ainda que não a minha alma, se encontra em estado de deliquescência acentuada. É extraordinário a correlação directa entre a temperatura ambiente e a ausência de pensamento elaborado...mas é bom dizer que estou a falar de mim próprio, não estou a generalizar, não vão os meus colegas da Terra acusar-me de determinismo geográfico, setentrionalismo sectário e outras coisas feias.
Até porque há ainda gente capaz de pensar e escrever coisas profundas e belas. Senão veja-se a edição de hoje da Terra de Alegria, com o Marco, a Marvi, o Lutz e o Zé Filipe a dar o exemplo da boa utilização dos talentos.
Umas frases apenas, à solta:
"A relatividade cultural nunca devia ser usada como pretexto para violar os direitos humanos, uma vez que estes direitos incorporam os valores mais fundamentais das civilizações humanas."
"A Verdade, que não tem fronteiras nem condições, não é passível de ser organizada... Não é possível fê-la descer para nós, cada um tem que submeter ao esforço para subir para Ela."
"É possível acreditar em Deus apesar do mal, porque as razões de acreditar nada têm a ver com a necessidade de explicar a origem do sofrimento(...)E no meio do sofrimento maior é possível descobrir ainda que há quem avance solitariamente no caminho da renúncia à própria queixa, chegando, como Job, a amar Deus por nada, isto é, a amar por amar."
"Compromisso e oração são duas faces da mesma moeda(...)um cristianismo vivido sem verdadeiro encontro com Jesus Cristo cai em activismo ou ideologia(...)É a oração que evita que a leitura crente se transforme em ideologia. A realidade tem muitas leituras. Quem pode estar certo que a sua é a correcta e inocente?"
Serve isto tudo para informar quem (ainda) me leia que o meu espírito, ainda que não a minha alma, se encontra em estado de deliquescência acentuada. É extraordinário a correlação directa entre a temperatura ambiente e a ausência de pensamento elaborado...mas é bom dizer que estou a falar de mim próprio, não estou a generalizar, não vão os meus colegas da Terra acusar-me de determinismo geográfico, setentrionalismo sectário e outras coisas feias.
Até porque há ainda gente capaz de pensar e escrever coisas profundas e belas. Senão veja-se a edição de hoje da Terra de Alegria, com o Marco, a Marvi, o Lutz e o Zé Filipe a dar o exemplo da boa utilização dos talentos.
Umas frases apenas, à solta:
"A relatividade cultural nunca devia ser usada como pretexto para violar os direitos humanos, uma vez que estes direitos incorporam os valores mais fundamentais das civilizações humanas."
"A Verdade, que não tem fronteiras nem condições, não é passível de ser organizada... Não é possível fê-la descer para nós, cada um tem que submeter ao esforço para subir para Ela."
"É possível acreditar em Deus apesar do mal, porque as razões de acreditar nada têm a ver com a necessidade de explicar a origem do sofrimento(...)E no meio do sofrimento maior é possível descobrir ainda que há quem avance solitariamente no caminho da renúncia à própria queixa, chegando, como Job, a amar Deus por nada, isto é, a amar por amar."
"Compromisso e oração são duas faces da mesma moeda(...)um cristianismo vivido sem verdadeiro encontro com Jesus Cristo cai em activismo ou ideologia(...)É a oração que evita que a leitura crente se transforme em ideologia. A realidade tem muitas leituras. Quem pode estar certo que a sua é a correcta e inocente?"
quarta-feira, julho 21, 2004
Tu quoque fili
Entretanto o meu texto de hoje suscitou algumas dúvidas. É natural. Feito um bocado à pressa, repescando material antigo aqui do Guia, para substituír algo prometido há tempos mas que não está ainda concluído: uma monumental apologia do Sr. Cónego Melo, que dará brado por essa blogosfera afora!
Mas voltemos ao artigo de hoje. Entre outras coisas obscuras falei por lá dum tal Filioque. Pediram-me para explicar o que é lá isso. É o que vou tentar fazer.
O filioque é uma expressão usada no credo de Nicéia que esteve no centro duma daquelas estéreis polémicas teológicas mas que neste caso foi a causa formal da ruptura entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Diz o credo latino: "Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem: qui ex Patre Filioque procedit." Ou seja: "Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida e procede do Pai e do Filho".
Ora o entendimento da questão trinitária teve aqui mais um episódio interessante: a Igreja Oriental, talvez ainda influenciada por algum arianismo residual, recusou o filioque ou seja que o Espírito Santo precedesse também do Filho. O patriarca Manuel II de Constatinopla propôs em 1244 uma engenhosa solução de compromisso: que o Espírito Santo precedesse do Pai por intermédio do Filho.
Isto chegou a ser aceite por Roma mas a questão misturou-se com a da autoridade papal sobre a Igreja Oriental e depois da morte dos promotores do acordo, o desejo de independência dos patriarcas ortodoxos e a arrogância de alguns papas motivaram o reacendimento da questão teológica à volta do filioque.
Os anos foram passando e a crescente ameaça do Islão sobre Constatinopla levou a uma nova aproximação em que desta vez a aceitação do filioque já estava explicitamente ligada à aceitação da supremacia de Roma. Em 1448, no concílio de Florença, chegou-se finalmente a acordo, aceitando o patriarca de então o filioque e tudo o resto . Todavia o restante clero ortodoxo, apoiado numa violenta reacção popular, acabou por voltar atrás o que culminou na separação total das duas Igrejas.
Quatro anos depois o califa Maomé II conquista Constatinopla sem que o Ocidente latino tenha sequer reagido. As sequelas perduram até hoje. A mais irrelevante de todas é que os católicos e reformados dizem hoje o Credo com o filioque e os ortodoxos não...
É caso para dizer: much ado about (almost) nothing.
Esta é uma das histórias que me fazem embirrar com as minudências das querelas teológicas e com a excessiva importância que assumiram na história do Cristianismo.
Mas quero acreditar no que o Fernando diz hoje na TdA: que "tem havido todo um longo trabalho de reposição e reequilíbrio nas posições. E que isso tem sido feito e tem levado à reposição de muito que durante muito tempo foram dados adquiridos no cerne do pensar cristão". E bom é que assim seja.
Mas voltemos ao artigo de hoje. Entre outras coisas obscuras falei por lá dum tal Filioque. Pediram-me para explicar o que é lá isso. É o que vou tentar fazer.
O filioque é uma expressão usada no credo de Nicéia que esteve no centro duma daquelas estéreis polémicas teológicas mas que neste caso foi a causa formal da ruptura entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Diz o credo latino: "Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem: qui ex Patre Filioque procedit." Ou seja: "Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida e procede do Pai e do Filho".
Ora o entendimento da questão trinitária teve aqui mais um episódio interessante: a Igreja Oriental, talvez ainda influenciada por algum arianismo residual, recusou o filioque ou seja que o Espírito Santo precedesse também do Filho. O patriarca Manuel II de Constatinopla propôs em 1244 uma engenhosa solução de compromisso: que o Espírito Santo precedesse do Pai por intermédio do Filho.
Isto chegou a ser aceite por Roma mas a questão misturou-se com a da autoridade papal sobre a Igreja Oriental e depois da morte dos promotores do acordo, o desejo de independência dos patriarcas ortodoxos e a arrogância de alguns papas motivaram o reacendimento da questão teológica à volta do filioque.
Os anos foram passando e a crescente ameaça do Islão sobre Constatinopla levou a uma nova aproximação em que desta vez a aceitação do filioque já estava explicitamente ligada à aceitação da supremacia de Roma. Em 1448, no concílio de Florença, chegou-se finalmente a acordo, aceitando o patriarca de então o filioque e tudo o resto . Todavia o restante clero ortodoxo, apoiado numa violenta reacção popular, acabou por voltar atrás o que culminou na separação total das duas Igrejas.
Quatro anos depois o califa Maomé II conquista Constatinopla sem que o Ocidente latino tenha sequer reagido. As sequelas perduram até hoje. A mais irrelevante de todas é que os católicos e reformados dizem hoje o Credo com o filioque e os ortodoxos não...
É caso para dizer: much ado about (almost) nothing.
Esta é uma das histórias que me fazem embirrar com as minudências das querelas teológicas e com a excessiva importância que assumiram na história do Cristianismo.
Mas quero acreditar no que o Fernando diz hoje na TdA: que "tem havido todo um longo trabalho de reposição e reequilíbrio nas posições. E que isso tem sido feito e tem levado à reposição de muito que durante muito tempo foram dados adquiridos no cerne do pensar cristão". E bom é que assim seja.
Este post é patrocinado pela TdA
Às vezes, os blogues associados à Terra da Alegria parecem a TVI mais as suas auto-promoções. A diferença é que a gente não promove blogo-lixo. A gente promove um produto de qualidade, genuíno, artesanal, sem corantes nem conservantes. Vão lá vocemecês hoje e dir-me-ão se tenho ou não tenho razão.
terça-feira, julho 20, 2004
O muro das comparações
Pequeno interlúdio sobre construção civil e obras públicas.
O meu amigo Nuno Guerreiro faz uma interessante e pertinente comparação entre o muro da Cisjordânia e outros murosque andam por aí esquecidos, como o Muro de Ceuta. De muros como esse falei já há tempos e acho muito bem que o Nuno os tenha vindo relembrar. Quanto às inevitáveis comparações em termos de valoração moral, abstenho-me de as fazer. Faço apenas uma pequena observação prática, tentando pôr-me nos sapatos de quem está do outro lado do muro. Dessa perspectiva, parece-me haver uma diferença não irrelevante entre os dois, talvez por eu sofrer um bocado de claustrofobia. É que o muro de Ceuta, esse não deixa entrar. E, pelo que julgo saber, o outro não deixa saír. Não é bem a mesma coisa. Para mim não seria.
O meu amigo Nuno Guerreiro faz uma interessante e pertinente comparação entre o muro da Cisjordânia e outros murosque andam por aí esquecidos, como o Muro de Ceuta. De muros como esse falei já há tempos e acho muito bem que o Nuno os tenha vindo relembrar. Quanto às inevitáveis comparações em termos de valoração moral, abstenho-me de as fazer. Faço apenas uma pequena observação prática, tentando pôr-me nos sapatos de quem está do outro lado do muro. Dessa perspectiva, parece-me haver uma diferença não irrelevante entre os dois, talvez por eu sofrer um bocado de claustrofobia. É que o muro de Ceuta, esse não deixa entrar. E, pelo que julgo saber, o outro não deixa saír. Não é bem a mesma coisa. Para mim não seria.
segunda-feira, julho 19, 2004
Vamos à Terra!
Já devem saber da medida da importância que eu dou ao diálogo inter-religioso. Comecei praticamente este blogue a escrever que “a negação da Verdade das outras religiões prejudica objectivamente a afirmação da Verdade da nossa. A mútua exclusão e anatemização entre Religiões é fonte, talvez a maior, do ateísmo! A assunção profunda da Verdade da nossa religião obriga-nos a aceitar e respeitar a Verdade das outras religiões. O Ecumenismo não deve pois ser um esforço de tolerância: é um imperativo racional e teológico!” Foi pois com imenso interesse que acompanhei na semana passada a cobertura que o jornalista António Marujo fez no Público sobre o Parlamento das Religiões do Mundo em Barcelona. E não é que o temos a ele mesmo, hoje na TdA, a fazer um brilhante comentário-síntese a este evento? Cito-o: “O diálogo inter-religioso é decisivo para as religiões, sim. Mas também para a humanidade, tão carente de se reencontrar consigo mesma”. Exactamente
Mas não é apenas isto que faz a edição de hoje da TdA uma das mais importantes de sempre.
Temos uma nova colaboradora, a Milene, a falar-nos de misticismo, religião e mistério. De como evolui do primeiro para a segunda, onde reencontrou o valor essencial do mistério: “e esse mistério (também) me prende depois de não ter encontrado na Igreja o grupo utópico dos amigos ideais, ter imaginado muitas coisas, ter ficado abismada com as experiências de Amor verdadeiro que nela existem (e que eu não faço), o que me prende a este Corpo é ainda o desejo de O conhecer”.
Temos o Zé Filipe com um comentário brilhante sobre a Carta a um homem religioso da Simone Weil. Ainda e sempre a propósito do diálogo inter-religioso: ´« A religião católica contém explicitamente verdades que outras religiões contêm implicitamente. Mas reciprocamente, outras religiões contêm explicitamente verdades que só são implícitas no cristianismo. O cristão melhor instruído pode ainda aprender muito sobre as coisas divinas noutras tradições religiosas, ainda que a luz interior possa também fazer com que ele perceba tudo através da sua. Todavia, se estas outras religiões desaparecessem da face da terra seria uma perda irreparável.» Simone Weil gostaria de ter lido a declaração do Concílio sobre “A Igreja e as Religiões não-cristãs”...´Sobre os milagres e sobre a sua irrelevância fenomenológica para a construção de uma verdadeira fé. E finalmente, sobre algo que para mim é fundamental, apesar de óbvio: a enorme importância da distinção entre o essencial e o acessório: «”Todo aquele que acredita que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus” (1ª carta de S. João 5,1) Logo, todo aquele que acredita nisto, mesmo se não aderir a mais nada do que afirma a Igreja, tem a verdadeira fé.»
E temos o Marco, que, nestes tempos de conversas entre religiões, nos faz um relato que para os católicos devia ser precedido por um “and now for something completely different”: o sistema eleitoral da Igreja Bahá´i! Obrigatório ler.
Act.: E após uns problemas de edição, temos também o Bernardo que em tempo de diálogo de religiões e citando Guénon, nos traz uma interessante comparação de tradições religiosas e místicas ancestrais no Islão, no Hinduísmo, no Cristianismo e ainda noutras religiões. Trata-se dum outro método, talvez o mais polémico mas sem dúvida fascinante, para reduzir a distância entre as religiões: procurar nelas as suas componentes primordiais comuns, umas de natureza esotérica, outras exotéricas.
Mas não é apenas isto que faz a edição de hoje da TdA uma das mais importantes de sempre.
Temos uma nova colaboradora, a Milene, a falar-nos de misticismo, religião e mistério. De como evolui do primeiro para a segunda, onde reencontrou o valor essencial do mistério: “e esse mistério (também) me prende depois de não ter encontrado na Igreja o grupo utópico dos amigos ideais, ter imaginado muitas coisas, ter ficado abismada com as experiências de Amor verdadeiro que nela existem (e que eu não faço), o que me prende a este Corpo é ainda o desejo de O conhecer”.
Temos o Zé Filipe com um comentário brilhante sobre a Carta a um homem religioso da Simone Weil. Ainda e sempre a propósito do diálogo inter-religioso: ´« A religião católica contém explicitamente verdades que outras religiões contêm implicitamente. Mas reciprocamente, outras religiões contêm explicitamente verdades que só são implícitas no cristianismo. O cristão melhor instruído pode ainda aprender muito sobre as coisas divinas noutras tradições religiosas, ainda que a luz interior possa também fazer com que ele perceba tudo através da sua. Todavia, se estas outras religiões desaparecessem da face da terra seria uma perda irreparável.» Simone Weil gostaria de ter lido a declaração do Concílio sobre “A Igreja e as Religiões não-cristãs”...´Sobre os milagres e sobre a sua irrelevância fenomenológica para a construção de uma verdadeira fé. E finalmente, sobre algo que para mim é fundamental, apesar de óbvio: a enorme importância da distinção entre o essencial e o acessório: «”Todo aquele que acredita que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus” (1ª carta de S. João 5,1) Logo, todo aquele que acredita nisto, mesmo se não aderir a mais nada do que afirma a Igreja, tem a verdadeira fé.»
E temos o Marco, que, nestes tempos de conversas entre religiões, nos faz um relato que para os católicos devia ser precedido por um “and now for something completely different”: o sistema eleitoral da Igreja Bahá´i! Obrigatório ler.
Act.: E após uns problemas de edição, temos também o Bernardo que em tempo de diálogo de religiões e citando Guénon, nos traz uma interessante comparação de tradições religiosas e místicas ancestrais no Islão, no Hinduísmo, no Cristianismo e ainda noutras religiões. Trata-se dum outro método, talvez o mais polémico mas sem dúvida fascinante, para reduzir a distância entre as religiões: procurar nelas as suas componentes primordiais comuns, umas de natureza esotérica, outras exotéricas.
quinta-feira, julho 15, 2004
Coisas grandes, coisas pequenas
Ontem, numa antológica edição da TdA, o meu amigo CC relembrou um lindíssimo trecho evangélico que eu já quase tinha esquecido:
Um fariseu convidou Jesus para comer em sua casa. Jesus foi e sentou-se à mesa. Uma mulher pecadora da cidade, ao saber que Jesus estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume; e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor e ela enxugava-os com os cabelos, beijava-os e ungia-os com o perfume. Ao presenciar isto, o fariseu, que o tinha convidado, dizia consigo mesmo: Se este homem fosse profeta, bem saberia que espécie de mulher é esta que lhe está a tocar nos pés, pois é uma pecadora. Então Jesus disse ao fariseu: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. Fala, Mestre, disse ele. E Jesus falou assim: Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro, cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles o amará mais? Simão respondeu: A meu ver, aquele a quem ele mais perdoou. Jesus replicou-lhe: Julgaste bem. E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas ela lavou-mos com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. Não me recebeste com um beijo; mas ela, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo; mas ela, com perfume, ungiu-me os pés. Por isso te digo: os seus numerosos pecados foram-lhe perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas a quem pouco se perdoa, pouco ama. Depois disse à mulher: Os teus pecados estão perdoados. Nisto, os outros convidados puseram-se a comentar assim:: Quem é este homem que até perdoa pecados? Mas Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: A tua fé te salvou; vai em paz.(Lucas 7,36-50)
A propósito deste trecho (que foi o objecto da tese de doutoramente do padre Tolentino de Mendonça), o CC refere também “que ele foi objecto de disputa teológica até começos do séc. XX, entre as posições católica, que via nele uma prova da necessidade da contrição perfeita para a absolvição dos pecados; e a protestante que argumentava que aí se provava que só a fé poderia ser entendida como verdadeira causa do perdão”.
Ao ler isto fiquei, como sempre, estarrecido pela absurda e bizantina subtileza das disputas teológicas! Perante a espantosa luminosidade daquelas palavras de Jesus, como é possível obscurecê-la com minúcias do tipo se é a contrição ou a fé que nos limpa dos pecados? Pois não está Jesus a dizer-nos que não há verdadeira Fé sem verdadeiro arrependimento e verdadeiro arrependimento sem verdadeira Fé e que ambos se confundem com o próprio Amor?
Ou estarei a ver mal a coisa?
Um fariseu convidou Jesus para comer em sua casa. Jesus foi e sentou-se à mesa. Uma mulher pecadora da cidade, ao saber que Jesus estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume; e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor e ela enxugava-os com os cabelos, beijava-os e ungia-os com o perfume. Ao presenciar isto, o fariseu, que o tinha convidado, dizia consigo mesmo: Se este homem fosse profeta, bem saberia que espécie de mulher é esta que lhe está a tocar nos pés, pois é uma pecadora. Então Jesus disse ao fariseu: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. Fala, Mestre, disse ele. E Jesus falou assim: Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro, cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles o amará mais? Simão respondeu: A meu ver, aquele a quem ele mais perdoou. Jesus replicou-lhe: Julgaste bem. E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas ela lavou-mos com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. Não me recebeste com um beijo; mas ela, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo; mas ela, com perfume, ungiu-me os pés. Por isso te digo: os seus numerosos pecados foram-lhe perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas a quem pouco se perdoa, pouco ama. Depois disse à mulher: Os teus pecados estão perdoados. Nisto, os outros convidados puseram-se a comentar assim:: Quem é este homem que até perdoa pecados? Mas Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: A tua fé te salvou; vai em paz.(Lucas 7,36-50)
A propósito deste trecho (que foi o objecto da tese de doutoramente do padre Tolentino de Mendonça), o CC refere também “que ele foi objecto de disputa teológica até começos do séc. XX, entre as posições católica, que via nele uma prova da necessidade da contrição perfeita para a absolvição dos pecados; e a protestante que argumentava que aí se provava que só a fé poderia ser entendida como verdadeira causa do perdão”.
Ao ler isto fiquei, como sempre, estarrecido pela absurda e bizantina subtileza das disputas teológicas! Perante a espantosa luminosidade daquelas palavras de Jesus, como é possível obscurecê-la com minúcias do tipo se é a contrição ou a fé que nos limpa dos pecados? Pois não está Jesus a dizer-nos que não há verdadeira Fé sem verdadeiro arrependimento e verdadeiro arrependimento sem verdadeira Fé e que ambos se confundem com o próprio Amor?
Ou estarei a ver mal a coisa?
quarta-feira, julho 14, 2004
O que é que esta Terra tem que é diferente das outras?
terça-feira, julho 13, 2004
A propósito do Mal
De que Mal falava há pouco? De todas as suas infinitas variedades. Deste Mal, também. Que está entre nós, no seio da nossa Igreja. Que é intolerável. Que é propagável, pois ao ser exercido assegura a sua perenidade. Que é duplamente Mal. Os maiores inimigos da nossa Fé encontram-se entre os seus mais zelosos e ultra-conservadores guardiões. Temos que acabar com isto. De vez.
O Rio Místico
(Pensando em Dave Boyle, o que entrou no carro. A métrica usada é só para se perceber melhor o que quero dizer. Longíssimo de mim ser poeta...)
Fomos criados à Sua imagem
e à Sua semelhança
mas entre nós não ficámos iguais,
a alguns foi retirada a esperança.
Diz-se: fomos criados livres e iguais
mas isso não é verdade
pois sermos ambas as coisas
é uma impossibilidade.
A liberdade dada ao mundo
produz a diferença
sobre cada um de nós,
desde criança.
Pois nós somos o que somos
e aquilo que nos acontece.
E o Mal que nos é feito
não mais desaparece.
Fica em nós,
aloja-se na alma,
altera-nos a voz,
mata-nos a calma.
E o Bem que nos é dado
apenas porque sim,
é isso que nos constrói,
pelo menos a mim.
Mas sabemos bem
que podia não ser assim,
podia o Mal que por aí há
ter vindo até mim.
E hoje não seria quem sou
mas um outro qualquer
e tu serias também diferente,
logo desde o nascer.
É por isso que aqueles
que à partida foram poupados
não podem esquecer os outros,
os que foram marcados.
Diz-se que a salvação
depende dos pecados,
da sua contagem,
mesmo dos que são herdados.
Mesmo daqueles que fazemos
por termos sido marcados
pelo Mal que se propaga
desde os tempos passados.
Mas eu digo que Deus
de todos é Pai,
tanto do que se eleva
como daquele que cai.
E como Pai que é,
como Pai que nos ama,
a todos salva,
a todos chama.
Diz-se que quem salva um homem,
salva toda a humanidade
e que é já nesta vida
e não para a eternidade.
E se é verdade ser já nesta vida
que se deve procurar a salvação,
então que eu só a alcance
através da do meu irmão.
Daquele que me é igual
mas com uma vida diferente,
estragada pelo Mal
que lhe deram de presente.
Rezo para que eu possa ser melhor,
para que não me contente
com o que me foi dado
mas que eu sirva finalmente
para repôr no outro aquilo que
de algum modo lhe foi retirado.
Ora assim sendo,
rezo um pedido tremendo:
que a todos nós, criaturas de Deus,
seja possível ainda em vida,
entrever por um momento
a nossa condição de amados filhos Seus.
Fomos criados à Sua imagem
e à Sua semelhança
mas entre nós não ficámos iguais,
a alguns foi retirada a esperança.
Diz-se: fomos criados livres e iguais
mas isso não é verdade
pois sermos ambas as coisas
é uma impossibilidade.
A liberdade dada ao mundo
produz a diferença
sobre cada um de nós,
desde criança.
Pois nós somos o que somos
e aquilo que nos acontece.
E o Mal que nos é feito
não mais desaparece.
Fica em nós,
aloja-se na alma,
altera-nos a voz,
mata-nos a calma.
E o Bem que nos é dado
apenas porque sim,
é isso que nos constrói,
pelo menos a mim.
Mas sabemos bem
que podia não ser assim,
podia o Mal que por aí há
ter vindo até mim.
E hoje não seria quem sou
mas um outro qualquer
e tu serias também diferente,
logo desde o nascer.
É por isso que aqueles
que à partida foram poupados
não podem esquecer os outros,
os que foram marcados.
Diz-se que a salvação
depende dos pecados,
da sua contagem,
mesmo dos que são herdados.
Mesmo daqueles que fazemos
por termos sido marcados
pelo Mal que se propaga
desde os tempos passados.
Mas eu digo que Deus
de todos é Pai,
tanto do que se eleva
como daquele que cai.
E como Pai que é,
como Pai que nos ama,
a todos salva,
a todos chama.
Diz-se que quem salva um homem,
salva toda a humanidade
e que é já nesta vida
e não para a eternidade.
E se é verdade ser já nesta vida
que se deve procurar a salvação,
então que eu só a alcance
através da do meu irmão.
Daquele que me é igual
mas com uma vida diferente,
estragada pelo Mal
que lhe deram de presente.
Rezo para que eu possa ser melhor,
para que não me contente
com o que me foi dado
mas que eu sirva finalmente
para repôr no outro aquilo que
de algum modo lhe foi retirado.
Ora assim sendo,
rezo um pedido tremendo:
que a todos nós, criaturas de Deus,
seja possível ainda em vida,
entrever por um momento
a nossa condição de amados filhos Seus.
segunda-feira, julho 12, 2004
Olhá TdA
Eis de novo a TdA de 2ªfeira. Excelentes textos sobre a Morte e Eternidade, o direito à intimidade de quem sofre, a espada do Islão e também uma carta dum leitor. A primeira a ser publicada. Sobre a direita, esquerda e fé cristã. Venham muitas mais.
Mystic River, finalmente
A falta de tempo e os filhos pequenos lá em casa fazem que eu não vá muito ao cinema. Sendo assim guardo-me para filmes que penso serem efectivamente bons. E tenho por hábito não ir aos filmes logo que estreiam. Guardo-me normalmente para o fim do seu período de exibição. Talvez porque sempre preferi as salas de cinema quase vazias. O risco deste método é que por vezes o filme que quero ver sai de cena inopinadamente. Foi o caso de Mystic River. Durante meses fui observando a rarefacção das salas até que já se encontrava apenas no Corte Inglés. Foi então que resolvi ir. Mas adiei ainda por uns dias e já foi tarde demais. Fiquei então, como noutros casos, à espera do DVD.
Foi na semana passada que finalmente o comprei e vi em casa. E queria apenas dizer que fiquei absolutamente esmagado por este filme. Decididamente um dos grandes filmes da minha lista. A personagem de Tim Robbins, aquele Dave Boyle, aquele dos três miúdos que, por fatal acaso, foi o que foi levado no carro daqueles monstros, a dignidade com que ressurgiu adulto, o amor que tinha pelo seu filho, a fatalidade que o levou a expiar um crime que não cometeu, consequência remota da indignidade a que foi sujeito em criança, e o desfile final, a tristeza absoluta do filho que ficou orfão, o remorso desesperado da sua mãe, que provocou a morte de Dave por achar que o que lhe tinham feito o tornou para sempre indigno, tudo aquilo me comoveu e perturbou imenso. Tudo aquilo me fez pensar em muitas coisas. Sobretudo na forma como nós olhamos aqueles que foram verdadeiramente vítimas do Mal. A compaixão que sentimos nunca é sinónimo de proximidade, de atenção, de verdadeiro amor por aqueles que sofrem à nossa frente. Isto não devia ser assim.
Ainda ontem na missa, o fariseu perguntava a Jesus “e quem é o meu próximo?”. Esta é a pergunta fatal que quase todos fazemos quando se nos depara alguém que precisa mesmo da nossa ajuda e, como diz o Timshel, da nossa atenção. Pois Jesus não nos diz explicitamente quem é esse nosso próximo. Mas na parábola do bom samaritano, Ele é absolutamente claro: o nosso próximo é precisamente aquele que nos é mais afastado, é alguém que não conhecemos, com quem não temos empatia, que nada tem para nos dar. Esse é normalmente o outro, quiçá o que precisa mesmo de nós mas aquele de quem desviamos o olhar.
Nós arrogamo-nos o direito de construirmos a nossa teia de proximidades. E fazemo-lo com critérios apuradamente egoístas. Confundimos proximidade com semelhança: ao ajudar os que amo estou também a ajudar-me a mim próprio. Jesus pede-nos muitíssimo mais do que isso. Pede-nos, como pediu ao fariseu, que entendamos interiormente o seu conceito de “próximo”. Só assim estaremos próximos Dele.
Foi na semana passada que finalmente o comprei e vi em casa. E queria apenas dizer que fiquei absolutamente esmagado por este filme. Decididamente um dos grandes filmes da minha lista. A personagem de Tim Robbins, aquele Dave Boyle, aquele dos três miúdos que, por fatal acaso, foi o que foi levado no carro daqueles monstros, a dignidade com que ressurgiu adulto, o amor que tinha pelo seu filho, a fatalidade que o levou a expiar um crime que não cometeu, consequência remota da indignidade a que foi sujeito em criança, e o desfile final, a tristeza absoluta do filho que ficou orfão, o remorso desesperado da sua mãe, que provocou a morte de Dave por achar que o que lhe tinham feito o tornou para sempre indigno, tudo aquilo me comoveu e perturbou imenso. Tudo aquilo me fez pensar em muitas coisas. Sobretudo na forma como nós olhamos aqueles que foram verdadeiramente vítimas do Mal. A compaixão que sentimos nunca é sinónimo de proximidade, de atenção, de verdadeiro amor por aqueles que sofrem à nossa frente. Isto não devia ser assim.
Ainda ontem na missa, o fariseu perguntava a Jesus “e quem é o meu próximo?”. Esta é a pergunta fatal que quase todos fazemos quando se nos depara alguém que precisa mesmo da nossa ajuda e, como diz o Timshel, da nossa atenção. Pois Jesus não nos diz explicitamente quem é esse nosso próximo. Mas na parábola do bom samaritano, Ele é absolutamente claro: o nosso próximo é precisamente aquele que nos é mais afastado, é alguém que não conhecemos, com quem não temos empatia, que nada tem para nos dar. Esse é normalmente o outro, quiçá o que precisa mesmo de nós mas aquele de quem desviamos o olhar.
Nós arrogamo-nos o direito de construirmos a nossa teia de proximidades. E fazemo-lo com critérios apuradamente egoístas. Confundimos proximidade com semelhança: ao ajudar os que amo estou também a ajudar-me a mim próprio. Jesus pede-nos muitíssimo mais do que isso. Pede-nos, como pediu ao fariseu, que entendamos interiormente o seu conceito de “próximo”. Só assim estaremos próximos Dele.
domingo, julho 11, 2004
Crise presidencial (2)
Terminemos de vez o comentário político aqui no Guia. Apenas para escrever 2 ou 3 considerações finais.
Perante a surpreendente decisão presidencial o meu primeiro sentimento foi de alegria, embora não de alívio. Essa alegria fugaz talvez se tenha devido a um pavloviano reflexo ideológico da minha parte. Ou talvez ao gozo que o inesperado sempre produz em mim. Agora passados 2 dias, esse sopro de alegria já se desvaneceu por força da perplexidade do “e agora?”. Mas há uma outra coisa que me fica.
Eu mantenho o que disse na 6ªfeira sobre o Presidente. Continuo a achar que esta crise devia ter sido morta à nascença, através duma posição rápida e clara do PR, logo à partida. Tenho para mim que os problemas devem sobretudo ser evitados, muito mais do que resolvidos. Principalmente para um PR.
Contudo, não posso deixar de registar o facto de a decisão tomada, certa ou errada, tê-lo sido contra o que era mais cómodo e mais fácil para quem a tomou. Sampaio optou afrontando, talvez irremediavelmente, toda a sua família política. Abdicou da saída em ombros. Como ele não será masoquista, deduzo que ele decidiu, bem ou mal, atentando apenas ao interesse nacional. O que parece inaudito nestes tempos que correm, em que os políticos fogem para Bruxelas ou para casa, ao avolumar das dificuldades. E como eu aprecio imensamente a coragem dos tímidos, a espécie de coragem que não nasce da panache mas sim duma amarga noção do dever, sinto que tenho de tirar o chapéu a Sampaio. Exclusivamente por isso
Perante a surpreendente decisão presidencial o meu primeiro sentimento foi de alegria, embora não de alívio. Essa alegria fugaz talvez se tenha devido a um pavloviano reflexo ideológico da minha parte. Ou talvez ao gozo que o inesperado sempre produz em mim. Agora passados 2 dias, esse sopro de alegria já se desvaneceu por força da perplexidade do “e agora?”. Mas há uma outra coisa que me fica.
Eu mantenho o que disse na 6ªfeira sobre o Presidente. Continuo a achar que esta crise devia ter sido morta à nascença, através duma posição rápida e clara do PR, logo à partida. Tenho para mim que os problemas devem sobretudo ser evitados, muito mais do que resolvidos. Principalmente para um PR.
Contudo, não posso deixar de registar o facto de a decisão tomada, certa ou errada, tê-lo sido contra o que era mais cómodo e mais fácil para quem a tomou. Sampaio optou afrontando, talvez irremediavelmente, toda a sua família política. Abdicou da saída em ombros. Como ele não será masoquista, deduzo que ele decidiu, bem ou mal, atentando apenas ao interesse nacional. O que parece inaudito nestes tempos que correm, em que os políticos fogem para Bruxelas ou para casa, ao avolumar das dificuldades. E como eu aprecio imensamente a coragem dos tímidos, a espécie de coragem que não nasce da panache mas sim duma amarga noção do dever, sinto que tenho de tirar o chapéu a Sampaio. Exclusivamente por isso
sexta-feira, julho 09, 2004
Crise presidencial
Nunca pensei voltar a falar aqui de política, muito menos citando Vasco Pulido Valente. Eis um tipo que me irrita bastante, com o seu estilo de Cassandra enfurecida, e que depois de ter sido o primeiro a descobrir que "o Mundo está perigoso" tem tido uma divertida e rendosa carreira a disparar sobre tudo o que mexe, rosnando queirozianamente que este país é uma choldra.
Acontece porém que hoje o VPV tem absolutamente toda a razão. Ao lê-lo percebi finalmente que, a propósito desta crise, temos andado todos a bater no ceguinho errado! Vou transcrever na íntegra:
'Com Mário Soares nada disto se teria passado. Mário Soares não teria dito ao dr. Barroso, quando ele se quis «pisgar» para Bruxelas, que a Presidência da Comissão era tão «honrosa» que valia as responsabilidades de primeiro-ministro de Portugal. O dr. Soares não teria deixado a menor dúvida, antes de o caso vir a público, sobre se iria ou não iria dissolver a Assembleia. E, devidamente prevenido e esclarecido, o dr. Barroso resolveria então como entendesse sem qualquer equívoco ou qualquer desculpa. Sampaio, esse, não compreendeu ou não conseguiu fazer o seu papel. Desde o princípio que tornou ambíguo um caso simples. Não decidiu claramente o que vinha primeiro: se a «honra» de Bruxelas, se a estabilidade interna do País. Por um lado, achava a «honra» importantíssima, como mais tarde confessou numa conversa casual com a televisão. Por outro lado, não mediu a gravidade da crise que se arriscava a abrir, se Barroso saísse, e não pensou sequer na maneira de a anular ou limitar. Resultado: convenceu Barroso de que, mesmo se fugisse, a coligação continuava; e ele próprio foi surpreendido pela enorme hostilidade a um Governo, combinado à pressa pelos maiorais do CDS e do PSD, que ninguém elegera e muita gente execrava. Aqui, Sampaio apanhou um susto, porque de repente percebeu que a ele, e só a ele, competia escolher entre Santana e eleições. Escolher não é o forte de Sampaio. Para evitar o inevitável, ouviu uma longa série de «notáveis», manifestamente abstrusa, e convocou o Conselho de Estado. Quando chegar ao fim está no princípio. E, entretanto, sem como de costume perceber, aumentou as suspeitas sobre a conveniência e a legitimidade das duas soluções. Se ele duvidou tanto, tanto tempo, o que será connosco? Quando Sampaio tenta desatar um nó, o nó acaba sempre atado com mais força. Agora, já não escapa a dividir o País, como já não sucedia há quase vinte e cinco anos. Triste Presidente.'
É que é mesmo assim! Agora como estão as coisas, não resta senão marcar eleições antecipadas. Acaba por ser a única solução de acordo com o bom senso. E com a justiça. Mas tudo isto poderia ter morrido à nascença se o triste presidente fosse capaz de tomar uma atitude no momento em que ela se impõe e não após ter pensado em milhões de cenários e possibilidades e depois de ter falado com quase todos os portugueses com habilitações superiores ao 12ºano. Mas as eleições para o Parlamento não bastam: há que pensar seriamente na impugnação do homem por negligência grosseira no exercício das funções presidenciais. Ou por incapacidade insanável para a função.
Acontece porém que hoje o VPV tem absolutamente toda a razão. Ao lê-lo percebi finalmente que, a propósito desta crise, temos andado todos a bater no ceguinho errado! Vou transcrever na íntegra:
'Com Mário Soares nada disto se teria passado. Mário Soares não teria dito ao dr. Barroso, quando ele se quis «pisgar» para Bruxelas, que a Presidência da Comissão era tão «honrosa» que valia as responsabilidades de primeiro-ministro de Portugal. O dr. Soares não teria deixado a menor dúvida, antes de o caso vir a público, sobre se iria ou não iria dissolver a Assembleia. E, devidamente prevenido e esclarecido, o dr. Barroso resolveria então como entendesse sem qualquer equívoco ou qualquer desculpa. Sampaio, esse, não compreendeu ou não conseguiu fazer o seu papel. Desde o princípio que tornou ambíguo um caso simples. Não decidiu claramente o que vinha primeiro: se a «honra» de Bruxelas, se a estabilidade interna do País. Por um lado, achava a «honra» importantíssima, como mais tarde confessou numa conversa casual com a televisão. Por outro lado, não mediu a gravidade da crise que se arriscava a abrir, se Barroso saísse, e não pensou sequer na maneira de a anular ou limitar. Resultado: convenceu Barroso de que, mesmo se fugisse, a coligação continuava; e ele próprio foi surpreendido pela enorme hostilidade a um Governo, combinado à pressa pelos maiorais do CDS e do PSD, que ninguém elegera e muita gente execrava. Aqui, Sampaio apanhou um susto, porque de repente percebeu que a ele, e só a ele, competia escolher entre Santana e eleições. Escolher não é o forte de Sampaio. Para evitar o inevitável, ouviu uma longa série de «notáveis», manifestamente abstrusa, e convocou o Conselho de Estado. Quando chegar ao fim está no princípio. E, entretanto, sem como de costume perceber, aumentou as suspeitas sobre a conveniência e a legitimidade das duas soluções. Se ele duvidou tanto, tanto tempo, o que será connosco? Quando Sampaio tenta desatar um nó, o nó acaba sempre atado com mais força. Agora, já não escapa a dividir o País, como já não sucedia há quase vinte e cinco anos. Triste Presidente.'
É que é mesmo assim! Agora como estão as coisas, não resta senão marcar eleições antecipadas. Acaba por ser a única solução de acordo com o bom senso. E com a justiça. Mas tudo isto poderia ter morrido à nascença se o triste presidente fosse capaz de tomar uma atitude no momento em que ela se impõe e não após ter pensado em milhões de cenários e possibilidades e depois de ter falado com quase todos os portugueses com habilitações superiores ao 12ºano. Mas as eleições para o Parlamento não bastam: há que pensar seriamente na impugnação do homem por negligência grosseira no exercício das funções presidenciais. Ou por incapacidade insanável para a função.
quinta-feira, julho 08, 2004
Crise existencial
É com alguma alguma melancolia que olho para o meu blogue e constato o esvaziamento de conteúdo ocorrido nas últimas semanas. Aliás, antes de mim, já houve alguns leitores atentos e exigentes que o notaram e mo fizeram notar.
Podia dizer que uma vida profissional cada vez mais complicada é a razão deste facto. Mas não estaria a dizer a verdade toda. O facto é que este blogue tem uma única razão para existir: ser um veículo para eu reflectir sobre a minha Fé e partilhar as minhas reflexões com quem tenha paciência e interesse em me ler. E isto é razão pelo facto de eu ter efectiva necessidade em o fazer. Ajuda-me a crescer na Fé mas também e mais prosaicamente, ajuda-me a manter íntegra a minha sanidade mental que é a sanidade que eu mais prezo. Acreditem que, até há uns tempos, eu sentia uma imperiosa necessidade de pensar, escrever e publicar um post com um mínimo de profundidade, quase diariamente!
Ora acontece que surgiu entretanto aí um projecto fascinante que é a Terra da Alegria. Este dá-me exactamente a mesma remuneração interior que me dá o Guia, acrescida do facto de ser um espaço onde a minha opinião se cruza e confronta com a da malta fantástica que lá encontrei. E, isso não é dispiciente, é um espaço semanal e portanto muito mais fácil e cómodo para gerir o meu tempo. Acreditem que, mesmo involuntariamente, vou guardando o melhor das minhas reflexões para a Terra da Alegria. E daí a maior dificuldade em manter o Guia.
É claro que eu podia mudar um bocado o carácter que o Guia tem, começar a falar de outros assuntos de que, como terão reparado, nunca falei. Tornar o Guia num blogue de posts curtos e sobre a actualidades, pôr umas imagens bonitas e dizer umas coisas crípticas e profundas. Acontece porém que não o vou fazer pois não sinto a mínima necessidade de ter um blogue assim. O Guia ou continua como é ou deixa de fazer sentido para mim.
Ora, eis talvez a razão de estar a escrever este post agora e aqui, directamente no blogger. No fundo sinto-me como aqueles poetas da corte da D.Maria I que se arrastavam pelos salões “aguardando mote” para poderem glosar, coitados. E é assim que me encontro. Conto então com os meus leitores, aquela dúzia de pessoas excelentes. Que me digam “lá vai mote” e me mandem mails com perguntas, desafios, insultos, anátemas, o que quiserem. Inspirem-me, caraças! Que eu lá irei respondendo.
Podia dizer que uma vida profissional cada vez mais complicada é a razão deste facto. Mas não estaria a dizer a verdade toda. O facto é que este blogue tem uma única razão para existir: ser um veículo para eu reflectir sobre a minha Fé e partilhar as minhas reflexões com quem tenha paciência e interesse em me ler. E isto é razão pelo facto de eu ter efectiva necessidade em o fazer. Ajuda-me a crescer na Fé mas também e mais prosaicamente, ajuda-me a manter íntegra a minha sanidade mental que é a sanidade que eu mais prezo. Acreditem que, até há uns tempos, eu sentia uma imperiosa necessidade de pensar, escrever e publicar um post com um mínimo de profundidade, quase diariamente!
Ora acontece que surgiu entretanto aí um projecto fascinante que é a Terra da Alegria. Este dá-me exactamente a mesma remuneração interior que me dá o Guia, acrescida do facto de ser um espaço onde a minha opinião se cruza e confronta com a da malta fantástica que lá encontrei. E, isso não é dispiciente, é um espaço semanal e portanto muito mais fácil e cómodo para gerir o meu tempo. Acreditem que, mesmo involuntariamente, vou guardando o melhor das minhas reflexões para a Terra da Alegria. E daí a maior dificuldade em manter o Guia.
É claro que eu podia mudar um bocado o carácter que o Guia tem, começar a falar de outros assuntos de que, como terão reparado, nunca falei. Tornar o Guia num blogue de posts curtos e sobre a actualidades, pôr umas imagens bonitas e dizer umas coisas crípticas e profundas. Acontece porém que não o vou fazer pois não sinto a mínima necessidade de ter um blogue assim. O Guia ou continua como é ou deixa de fazer sentido para mim.
Ora, eis talvez a razão de estar a escrever este post agora e aqui, directamente no blogger. No fundo sinto-me como aqueles poetas da corte da D.Maria I que se arrastavam pelos salões “aguardando mote” para poderem glosar, coitados. E é assim que me encontro. Conto então com os meus leitores, aquela dúzia de pessoas excelentes. Que me digam “lá vai mote” e me mandem mails com perguntas, desafios, insultos, anátemas, o que quiserem. Inspirem-me, caraças! Que eu lá irei respondendo.
quarta-feira, julho 07, 2004
Coisas de Quarta-Feira
O regresso esperado do Rui para nos falar de Sophia. A wordl music segundo o Miguel, onde se fala do grande Nusrat Ali Kahn, muito ouvido cá por casa, sobretudo junto com Eddie Vedder. Tim e a taxa Tobin. Fernando cita o Baalão do Livro dos Números, mais teimoso que a sua jumenta. E eu explico porque é que cito pouco.
Confusos? Deixarão de o estar depois de lerem a Terra da Alegria.
Confusos? Deixarão de o estar depois de lerem a Terra da Alegria.
segunda-feira, julho 05, 2004
Frases que eu gostaria de ter escrito (4)
Estão hoje por toda a edição de 2ªfeira da Terra da Alegria. Da Marvi, do Marco e, pela primeira vez, do Zé Filipe, que percebeu logo o que nos move lá na TdA: "a gente canta apenas porque não nos apetece ficar calados".
Frases que eu gostaria de ter escrito (3)
"As pessoas quando falam não sabem o que vão dizer. As palavras por vezes aparecem como surpresa para elas próprias. É assim que deve ser num filme."
Marlon Brando (1924-2004)
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
e como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner (1919-2004)
Marlon Brando (1924-2004)
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
e como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner (1919-2004)
quinta-feira, julho 01, 2004
Ecumenismo vetero-testamentário
Há tempos, já não sei aonde, li uma coisa bem achada. Dizia mais ou menos isto:
Babel significa literalmente Porta de Deus. Os homens detentores da linguagem única, primordial, não conseguiram o seu intento (a construção da Torre) e ficaram sujeitos à diversidade verbal. Há pois muitas línguas mas o sentido é só um, tal como há muitas religiões e um único Deus. A multiplicidade das línguas, no plano humano, coexiste com a Unidade do Verbo no plano divino.
Babel significa literalmente Porta de Deus. Os homens detentores da linguagem única, primordial, não conseguiram o seu intento (a construção da Torre) e ficaram sujeitos à diversidade verbal. Há pois muitas línguas mas o sentido é só um, tal como há muitas religiões e um único Deus. A multiplicidade das línguas, no plano humano, coexiste com a Unidade do Verbo no plano divino.