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segunda-feira, agosto 23, 2004

Três semanas depois 

Três semanas. Três semanas interrompidas, logo menos do que três semanas. Mas três semanas reconstrutivas, reparadoras, logo mais do que três semanas. Três semanas de reencontro comigo, com os meus filhos, com a minha mulher, com os velhos amigos desta altura do ano. Reencontro com a minha serenidade. Reencontro com o tempo. Tempo para ler, dormir, espairecer, olhar o céu e ouvir o silêncio sem pensar em nada. Reencontro com o sol, mas sobretudo com a minha sombra preferida, aquela onde há muito anos eu me sento ou me deito, onde leio e cabeceio antes de adormecer, onde namoro ou me isolo, onde me esqueço de tudo, onde me esqueço de mim próprio e me limito a embasbacar para o contraste entre as tonalidades verdes das árvores e o azul do céu, onde escuto sons longínquos de conversas vizinhas, onde me esqueço também de Deus talvez por estar como que no seio Dele, onde sou picado por formigas e moscas mas também por recordações de chatices passadas e antevisões de chatices futuras, onde me vão buscar finalmente para junto daqueles que amo. É uma sombra minha pois só eu lhe dou o valor que ela tem. É uma sombra minha pois só eu fico lá à espera de uma pinha que caia. É uma sombra mansa como são mansos os pinheiros que a geraram. É uma sombra que eu amo e que me ama também pois me embala e filtra tudo o que eu quero deixar de fora: a demasiada luz, o demasiado calor, tudo aquilo que deixei para trás mas que me aguarda de volta. Enfim, foram três boas semanas também porque exactamente iguais às três semanas de há um ano, de há dois anos, de há três e por aí fora.
Penso que às vezes dou a sensação de ser um priveligiado. E sou-o de facto, para incómodo e irritação da minha Fé. Mas estas três semanas deram-me a noção, algo tranquilizadora, de o ser não tanto por ter tudo aquilo que quero mas sim por querer tudo aquilo que tenho. E dar graças por isso. Esse sim é o meu privilégio, aquele do qual eu devia ser merecedor. Mas isso são outras conversas.

Entretanto e reentrando lentamente aqui no Guia, devo dizer que, espiritualmente, as mais fortes impressões destas três semanas foram escutar alguém a dizer aquilo que verdadeiramente sente através da sua Fé, apesar daqueles que querem amaciar os sentimentos daqueles que o escutam: "Num dos mistérios do terço, à entrada da gruta das aparições, João Paulo II disse: Sinto com emoção que cheguei aqui ao termo da minha peregrinação" - palavras cujo sentido o porta-voz do Vaticano, Joaquin Navarro-Vals, se apressou a interpretar como a "expressão de sentimentos de alegria por realizar uma peregrinação há muito esperada". Estás enganado, Joaquin, ou a querer enganar-nos: o que o Papa nos quis dizer, e que todos nós percebemos, foi muito maior do que isso.

E há uma outra impressão, fortíssima. A conselho do meu amigo Fernando, comecei a ler os “Irmãos Karamázov” de Dostoievski. Ainda a meio, posso já dizer que encontrei um livro que, mais do que um dos livros da vida, será um livro para a vida. Muito se falará desse livro por aqui.


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