terça-feira, novembro 30, 2004
A Portuguese tragedy
Curva-Te e escuta o nosso lamento,
Os nossos governantes terrenos vacilam,
O nosso povo definha e morre,
As paredes de ouro sepultam-nos,
As espadas do escárnio dividem-nos,
Não nos retires o Teu trovão,
Mas retira-nos o nosso orgulho.
(G. K. Chesterton; English Hymnal)
segunda-feira, novembro 29, 2004
E pur si muove
quarta-feira, novembro 24, 2004
Tremor de terra
"A mim Deus não liga nenhuma importância. Isto é, coloca-me no meu devido lugar, reduzindo-me à minha humilde significância. Assim, como tenho dificuldades em comunicar com Ele, em O conhecer (e, portanto, de O amar), fico-me pela tentativa de amar os meus irmãos". (Carlos dixit)
terça-feira, novembro 23, 2004
Que ganda susto!
Sendo eu um leitor não-literalista da Bíblia, custa-me como custa ao meu amigo Miguel, ver crentes como nós a arremessar furiosamente versículos vetero-testamentários para zurzir na dita homossexualidade, na contracepção e em coisas assim. Até porque acho contraproducente o uso de versículos fora do seu contexto. Lembro-me de, quando eu era agnóstico, passar pelo Levítico e pelo Livro dos Números à cata de versículos escalofriantes, como se diz para lá de Badajoz. Por isso até concordo com aquilo que o Miguel diz hoje. Quero com isto dizer que aquilo que penso dos homossexuais não se baseia na Bíblia e varia enormemente de indivíduo para indivíduo. E do que penso deles não vou falar aqui, não interessa a ninguém.
O coordenador do PortugalGay considera que a Bíblia ofende todas as perspectivas do ponto citado da Constituição e cita como exemplo algumas das passagens, como o versículo 25:44 do Levítico, que em sua opinião apoia a escravidão. De acordo com o coordenador do PortugalGay, além da discriminação contra homossexuais, outras passagens bíblicas defendem a discriminação com base na deficiência (Levítico 21:17), a pena de morte (Deuteronómio 17:2), desprezo pelos direitos da mulher (Deuteronómio 24:1) e a intolerância religiosa (Deuteronómio 12:2).
Ou seja: este homem fatal quer declarar a inconstitucionalidade da Bíblia ! Tremendo já perante as incalculáveis consequências deste facto fui logo fazer algo que nunca fiz até aqui: ler o nosso texto fundamental.
Já desesperava quando encontrei um artigo salvador para nós cristãos. Bem sei que irão dizer que é um expediente formal e não substancial. Mas não interessa. Funciona e salva-nos a todos! Estou a falar naturalmente do:
Artigo 282.º
(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
Ora lá está: a Constituição é toda ela posterior à Bíblia. Ora, assim sendo, produzindo efeitos apenas a partir da sua entrada em vigor, este artigo singelo liberta então a Bíblia da sua revogação!
Louvado seja Deus nosso Senhor! Louvada seja a Virgem, raínha e padroeira de Portugal, que vela ainda e sempre por nós!
Desta vez parece que nos safámos. Até quando?
sexta-feira, novembro 19, 2004
Dos líquidos
fiquei mal situado
com a vida em suspenso
fora dos mapas
sem horários
como que com os pés fora do chão
com filhos quase órfãos
e mulher quase viúva.
Há muito que
fiquei agitado
e sem sítio onde pousar.
Há muito que
ando por caminhos esburacados
a querer passar por atalhos inventados.
Há muito que
ando separado de outros destinos.
Às vezes pergunto-me
o que sobrará
após a negação das estratégias.
Às vezes ando escondido
como um mau artista
e ando encarcerado
fechando-me na casca.
Às vezes penso ter danos inconfessados.
Às vezes penso ser um sobrevivente viúvo.
Às vezes penso ser um homem que foi tirado
do lugar.
Às vezes vejo-me
numa esplanada
já virado para a velhice
muito danificado pelas intempéries.
Às vezes sinto-me
cheio de energia
mas ligado à terra
parado à espera
de um recomeço possível
para o eu interior.
Às vezes ando
revoltado por modo de ser
com um olhar fixo sem ver nada
caminhando ao encontro
de mim mesmo.
E eu que sou
tão preparado e tão prevenido
para o que der e vier
ando ao vento com as mãos nos olhos
sonhando regressos.
Tão impreparado afinal
tão desprevenido
tão confuso à espera
de um oásis qualquer
onde me seja possível
uma sombra ter.
Há muito que ando
dobrado pelo pensamento.
Há muito que vim devagar
e quis correr
as persianas
para ver no escuro
como era o presente.
Há muito que tapo
dia após dia o sofrimento.
Há muito que percorro na sombra
uma demanda cerebral.
Há muito que chuto
a pedra da loucura
fechando as pupilas.
Há muito que abro caminho
à procura dessa pedra temida.
Eu tenho a cabeça aberta
condenada ao pensamento
que procura sempre
um lugar onde amanheça.
Há muito que me quero
sentar para ver uma manhã.
Há muito que espero
o meu lugar
para a saída.
Dos sólidos
quarta-feira, novembro 17, 2004
Soap
terça-feira, novembro 16, 2004
KKK
Desde que conheço o Fernando Macedo e com ele converso sobre a Fé que partilhamos, verifiquei uma coisa curiosa: de forma recorrente e sistemática, ele cita, invoca, evoca, a propósito de quase tudo, um livro. Não um livro sagrado mas um livro profano, russo, novecentista, de Dostoievski: Os Irmãos Karamazov. Desde os meus 18 anitos, em que recuperando de um acidente de moto, despachei dum trago quase todo o Tolstoi, não tenho contactado muito a literatura russa. Não é que não tenha gostado, muito pelo contrário. A “Guerra e Paz” que nunca mais reli, ficou como um dos livros da minha vida do qual, passados 20 anos me lembro ainda de quase tudo. Mas tive então a minha overdose de literatura russa e a ela não mais voltei.
Eis senão quando o Fernando e as suas citações acabaram por me convencer a voltar àquele estranho universo russo e lá comprei os Irmãos. Depois de longos meses em lista de espera, já durante as férias de Verão, lá comecei a ler o primeiro dos dois volumes. E fiquei inevitavelmente embatucado, embasbacado, maravilhado com o raio do livro. Com o estilo coloquial de Dostoievski, com a sua verve exótica, com a sua religiosidade torturada e torturante, com a sua profunda humanidade. E, sobretudo, com a fascinante personalidade de Dostoievski que está lá espalhada por quase todas as personagens do livro. Disse Alberto Moravia: “Qual a razão porque sentimos que o romance de Dostoievski é mais moderno, por exemplo, que o de Tolstoi? Porque os personagens de Tolstoi quase nunca são o próprio Tolstoi, enquanto os personagens de Dostoievski são quase sempre o próprio Dostoievski. Por outras palavras, interessamo-nos mais pelo escritor que pelas suas criaturas. Procurar-se-ia inútilmente em Dostoievski a descrição completa duma sociedade como em Guerra e Paz. O grande problema para ele é o de dar consistência humana aos seus mais misteriosos e contraditórios instintos”.
E é assim de facto: se olharmos bem para os três irmãos Karamazov, Mítia, Ivan e Aliocha, veremos que são como que faces do mesmo triângulo isósceles. São imensamente diferentes mas são verdadeiramente iguais entre si e iguais àquilo que se pressente ser o autor. Mesmo numa das mais abjectas personagens do livro, o criado Smerdiakov, encontramos um ponto em comum com a pessoa de Dostoievski. Um ponto não irrelevante: a epilepsia, o mal caduco. Encontramos esse e adivinhamos outros mais.
E além da personalidade de Dostoievski, nos Irmãos encontra-se também a sua Fé, o seu cristianismo. Um cristianismo diferente de tudo o que tinha visto até agora, um cristianismo que transcende Igrejas, um cristianismo radical na sua coerência mas também na sua incoerência. Um cristianismo torturado mas também beatífico. Senti e sinto em Dostoievski um homem que quis crescer na sua Fé confrontando-se com as contradições originais desta, confrontando-se com a impossibilidade de a viver plenamente. Olhamos os personagens, de Zóssima, o justo entre os justos, para Fiódor Karamazov, o pecador irredutível, e sente-se um continuum entre os dois, sente-se a mesma identificação com ambos. Enfim, revi nos Irmãos muito daquilo em que acredito e muito daquilo que penso sobre o que acredito.
Mas vamos ao que interessa, o Fernando Macedo, eu, também o Carlos e outros camaradas da Terra da Alegria, achámos que seria interessante fazermos nos nossos blogues respectivos uma leitura partilhada deste livro espantoso. À luz da nossa Fé, mas sobretudo e como irão perceber, para a iluminar. Este post é pois um pontapé de saída, embora não anunciado. Estes meus amigos não me irão certamente deixar ficar mal. Vamos pois a isso, assim haja o raio do tempo!
segunda-feira, novembro 15, 2004
3 x terra = + terra
quinta-feira, novembro 11, 2004
Ordnung müss sein!
Vem isto a propósito do 1º aniversário dum blogue de que muito gosto, o blogue dum alemão quase português, que leio todos os dias e de quem falei aqui ainda ontem. Embora sejamos amigos apenas blogosféricos, gosto daquilo que reconheço no que o Lutz escreve: a ordem no pensamento, a humanidade no coração, a procura da palavra certa e da razão das coisas, seja ou não seja Deus. Eis um compincha lá da terra e um tipo às direitas.
Muitos parabéns!
quarta-feira, novembro 10, 2004
post de 4ªfeira
Uma para falar da edição de hoje da Terra da Alegria, pois claro. Onde eu explico porque é que gosto de filmes americanos. Onde o Timshel me surpreende mais uma vez com os seus conhecimentos de física teórica. E me ensina algo que eu não conhecia: o conceito do instanton, um objecto matemático pré-Big Bang, no qual estaria implícita ou contida toda a informação sobre o futuro Universo. E mais uma vez fico a pensar que a Bíblia nos dá profundas indicações cosmológicas: lembrei-me logo de S.João a dizer-nos que no princípio era o Verbo (ou Logos). Dá que pensar. Mas adiante. O Fernando, a propósito dos mártires e das suas certezas, diz uma coisa que me vai também fazer pensar nos próximos dias, a mim o apologista da dúvida: que "só podemos aprender qualquer coisa se nos rendermos ao que temos de aprender. O que implica por arrastamento a aceitação da autoridade. É a submissão, não a dúvida, a autoridade, não a crítica, a primeira fonte de conhecimento". Já o Miguel continua uma série de importantes reflexões sobre a Igreja que nos orienta na Fé mas que anda também muito precisada de orientação. Orientação que pode vir dum movimento de que nos fala o Carlos e que eu quero conhecer melhor pois parece ter muito a oferecer aos que querem viver em nome de Cristo: Taizé.
Mas queria falar de uma outra coisa. Hoje o meu amigo, conterrâneo e quase português Lutz, que, pelos vistos, é einem berliner, oferece-nos uma lindíssima evocação do muro e dos dias da sua queda. A imprimir e guardar.
segunda-feira, novembro 08, 2004
Terra, bom senso, pedras e uma carta
Já o Zé Filipe, noutra das suas lições de moral, foi buscar uma das preciosidades da literatura paleo-cristã, uma carta que não pertence ao cânone, mas que diz muito mais do que algumas que a ele pertencem: a lindíssima Carta a Diogneto. Já há um ano andei às voltas com ela e fico muito feliz por ver mais alguém a citá-la. Muito da minha maneira de entender a Fé em Cristo, revê-se nessa carta. Não resisto a repetir o trecho que o Zé Filipe transcreve:
«Os cristãos não se distinguem das outras pessoas nem pela pátria, nem pela língua, nem por um género de vida especial; seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer noutros usos; mas a sua maneira de viver é sempre admirável aos olhos de todos. Habitam a sua pátria, mas vivem como que de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria. Toda a terra estrangeira é sua pátria e toda a pátria lhes é estrangeira. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis.»
Já agora acrescentaria, também da Carta a Diogneto:
Os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma habita no corpo, mas não provém do corpo; Nós habitamos no mundo, mas não somos do mundo. A alma ama o corpo e os seus membros, mas o corpo odeia a alma; Nós amamos aqueles que nos odeiam. A alma está encerrada no corpo, mas contém o corpo; Nós encontramo-nos detidos no mundo como num cárcere, mas somos nós que contemos o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; Nós vivemos como peregrinos em moradas corruptíveis, esperando a incorruptibilidade dos céus. (...) Tão nobre é o posto que Deus nos atribuiu, que não nos é possível desertar dele.
quarta-feira, novembro 03, 2004
Mer.......credi, 4ªfeira, wednesday, mittwoch
Para que não hajam confusões: a terra de que estou a falar é a da alegria.
terça-feira, novembro 02, 2004
De profundis
e fiquei surpreendido ao vê-los tão consolados,
tão depressa à vontade nesse estarem mortos, tão justos,
tão diferentes do que era a sua fama.
(...)
Rainer Maria Rilke - Requiem para uma amiga
segunda-feira, novembro 01, 2004
Igreja na Cidade, cidadania na Igreja
Toda a santidade
Quem poderá subir à montanha do SENHOR e apresentar-se no seu santuário?
Aquele que tem as mãos inocentes e o coração limpo, o que não ergue o espírito para as coisas vãs, nem jura pelo que é falso.
Este há-de receber a bênção do SENHOR e a recompensa de Deus, seu salvador.
Esta é a geração dos que o procuram, dos que buscam a face do Deus de Jacob.
(Salmos 24,3-6)
Vede que amor tão grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e, realmente, o somos! É por isso que o mundo não nos conhece, uma vez que o não conheceu a Ele. Caríssimos, agora já somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. O que sabemos é que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele é. Todo o que tem esta esperança em Deus, torna-se puro, como Ele, que é puro.
(1ª Carta de S. João 3,1-3)
Um silogismo rápido: se ter fé é procurar a face de Deus, santos são os que já O viram tal qual Ele é, logo só os puros de coração podem ser santos. Eis aí a maior das bem-aventuranças.
Tantos Santos
Conhecidos ou desconhecidos, eles ficaram definidos por Cristo. Segundo Ele, santos são:
os pobres em espírito, e deles é o Reino dos céus;
os que choram, e serão consolados;
os mansos, e possuirão a terra;
os que têm fome e sede de justiça, e serão saciados;
os misericordiosos, e alcançarão a misericórdia;
os puros de coração, e são eles que irão ver a Deus;
os pacificadores, e serão chamados filhos de Deus;
os que são perseguidos por causa da justiça, e deles é o Reino dos céus;
os insultados e perseguidos e caluniados por causa Dele,
e que, por causa disso, terão grande recompensa no Céu.
São assim que eles são. Com ou sem milagres. E é assim que deveríamos ser todos.