quinta-feira, março 31, 2005
Mar adentro, borda fora
Não gosto muito de falar da eutanásia. Sou contra no plano da fé, da moral e, naturalmente, da teoria. Ainda há uns tempos falava aqui da AMARA, uma associação de promoção de cuidados paliativos a doentes terminais, e dizia eu que aí é que está a verdadeira solidariedade, amor e respeito pelo sofrimento do outro. Fui então interpelado por uma leitora amiga que me contou da sua dolorosa experiência pessoal, a qual, no brutal campo da prática, lhe pôs em causa as convicções que ela tinha sobre a eutanásia. E contou-me também sobre a existência de algo que eu nem fazia ideia que existia: a sedação terminal, que «tanto quanto tenho pensado no assunto é uma espécie de eutanásia. Retira a consciência, é induzido uma espécie de coma e é irreversível. Também apressa a morte. É a morte antes da morte. Ele foi sedado e nunca mais falou connosco. Ainda viveu dois dias. Talvez ouvisse, não sei».
Naturalmente eu também não soube o que lhe dizer. Até porque ela e a sua história pessoal tornaram menos firmes as ideias que tenho sobre isto. E maiores as dificuldades em julgar os casos em que estas decisões são tomadas. Como o é este caso da americana Terri Schiavo, que morreu hoje de fome e de sede.
Pelo que pude perceber, ela estava em coma apesar de manifestar alguma reactividade aos impulsos exteriores. Parece que não sofria nem estava ligada a meios artificiais de prolongamento da vida que não fosse a alimentação e hidratação por via de um tubo gástrico (corr.). Não seria assim, tecnicamente, um caso de eutanásia. É o que dizem, pelo menos. Assim sendo, sinceramente não vejo as vantagens de porem termo à sua vida, que existia ainda na sua face, ainda que não existisse no cérebro. Melhor dizendo, vejo apenas uma única vantagem, uma dura e fria vantagem prática: morreu, libertou uma cama hospitalar, já não se gasta dinheiro com ela, clarificou o estado civil do seu marido e tutor legal, agora viúvo, num país que pune severamente a bigamia. Desapareceu ela e o peso que constituía. Ficou a dôr nos pais e irmãos que viram impotentes a sua morte legalmente assistida. Definitiva e sem recurso.
Neste caso, que dizem não ser tecnicamente uma eutanásia, identifico claramente a minha maior reserva mental à eutanásia: a possibilidade, para não dizer probabilidade, de ela se tornar uma medida de conveniência, higiénica, económica, uma medida de gestão de recursos públicos ou privados. Completamente contrária àquilo que os seus ardentes defensores dizem querer defender: a dignidade da vida humana.
A Ramón Sampedro não lhe negaram a sua dignidade de homem, deixaram-no partir mar adentro. Não acho que ele tenha tido um desenlace que o engrandeça, mas ninguém o diminuiu. A Terri Schiavo, essa, deixaram simplesmente de a ver com o um ser humano. E, como a um qualquer resíduo hospitalar, deitaram-na borda fora.
Não foi bonito.
Naturalmente eu também não soube o que lhe dizer. Até porque ela e a sua história pessoal tornaram menos firmes as ideias que tenho sobre isto. E maiores as dificuldades em julgar os casos em que estas decisões são tomadas. Como o é este caso da americana Terri Schiavo, que morreu hoje de fome e de sede.
Pelo que pude perceber, ela estava em coma apesar de manifestar alguma reactividade aos impulsos exteriores. Parece que não sofria nem estava ligada a meios artificiais de prolongamento da vida que não fosse a alimentação e hidratação por via de um tubo gástrico (corr.). Não seria assim, tecnicamente, um caso de eutanásia. É o que dizem, pelo menos. Assim sendo, sinceramente não vejo as vantagens de porem termo à sua vida, que existia ainda na sua face, ainda que não existisse no cérebro. Melhor dizendo, vejo apenas uma única vantagem, uma dura e fria vantagem prática: morreu, libertou uma cama hospitalar, já não se gasta dinheiro com ela, clarificou o estado civil do seu marido e tutor legal, agora viúvo, num país que pune severamente a bigamia. Desapareceu ela e o peso que constituía. Ficou a dôr nos pais e irmãos que viram impotentes a sua morte legalmente assistida. Definitiva e sem recurso.
Neste caso, que dizem não ser tecnicamente uma eutanásia, identifico claramente a minha maior reserva mental à eutanásia: a possibilidade, para não dizer probabilidade, de ela se tornar uma medida de conveniência, higiénica, económica, uma medida de gestão de recursos públicos ou privados. Completamente contrária àquilo que os seus ardentes defensores dizem querer defender: a dignidade da vida humana.
A Ramón Sampedro não lhe negaram a sua dignidade de homem, deixaram-no partir mar adentro. Não acho que ele tenha tido um desenlace que o engrandeça, mas ninguém o diminuiu. A Terri Schiavo, essa, deixaram simplesmente de a ver com o um ser humano. E, como a um qualquer resíduo hospitalar, deitaram-na borda fora.
Não foi bonito.
Uma coisa nova debaixo do sol
Tempos houve em que as corridas de automóveis eram campos em que cavalheiros cordatos se batiam com mecânicas bravias.
Hoje, homens bravios martirizam mecânicas cordatas para baterem outros homens bravios.
Com o meu pai aprendi a infinita superioridade dum Stirling Moss
ou dum von Tripp sobre um Michael Schumacher.
ou dum von Tripp sobre um Michael Schumacher.
E hoje, através do Lutz, descobri um blogue que nos traz esse mundo perdido.
Isso e muito mais.
quarta-feira, março 30, 2005
Reflexões pascais (1) - um exercício especulativo
Nota: post editado hoje na Terra da alegria. Publico aqui também pois continuarei a conversa aqui pelo Guia.
Depois de uma Quaresma mal-vivida, com a mente atulhada de coisas urgentes e mínimas, passei este fim de semana prolongado da Páscoa, em casa familiar, praticamente sequestrado pelo péssimo tempo que se fez sentir em terras nortenhas. Aproveitei então o tempo para ler, deitando abaixo 3 livros que se arrastavam há meses na minha mesa de cabeceira, para ver uns DVD´s, e também para ler o que se foi escrevendo pela blogosfera a propósito da Páscoa. E posso dizer que há pano para mangas, nem sei bem por onde começar, mas irei certamente dar um bocado ao dedo.
Vou talvez começar, reatando uma conversa com o meu estimado amigo Nuno Guerreiro, que habita e escreve na Rua da Judiaria, certamente o melhor blogue que conheço. Conforme alguns leitores amigos recordarão, foi com o Nuno que encetei um dia aqueles que para mim foram os mais memoráveis diálogos inter-religiosos envolvendo o meu modesto Guia dos Perplexos, que afinal nasceu para isso mesmo. Com a sabedoria e generosidade que o caracterizam, o Nuno ofereceu-nos uma extraordinária visão insight do judaísmo (aqui, aqui e aqui), que para mim foi preciosa pois, como já disse por aqui, sendo eu católico, o judaísmo ocupa um lugar importantíssimo no instável edifício da minha fé. Daí a minha curiosidade sobre ele. Mas adiante.
Em dois posts recentes o Nuno vem partilhar connosco alguma da sua visão sobre coisas essenciais para a Fé dos católicos. Num deles, o Nuno volta a um assunto já por ele abordado: Jesus, o judeu e faz-nos a recensão de dois livros recém-publicados. Um deles é o “Why the jews rejected Jesus” de David Klinghoffer, que o Nuno pretende ser um exercício de counterfactual history mas que eu acho mais ser um manifesto de reescrita ideológica da história do Cristianismo. Vou assim fazer algumas citações, umas do Nuno, outras do autor citado:
«David Klinghoffer defende que, perante este cenário, o cristianismo teria permanecido um movimento inteiramente judaico, minoritário no seio do judaísmo como os essénios do Mar Morto ou os saduceus de Jerusalém, e seria, tal como estes, condenado a uma extinção gradual.»
Mais:
«Se os judeus não tivessem rejeitado Jesus, se Paulo não tivesse voltado a liderança da igreja para um novo rumo, a fé embrionária teria provavelmente perecido tal como aconteceu com todas as seitas heterodoxas judaicas que desapareceram após a destruição de Jerusalém e do seu Templo pelos romanos no ano 70 E.C.*, deixando apenas o judaísmo “rabínico” – o judaísmo tradicional dos nossos dias. Não haveria cristianismo, nem Europa cristã ou civilização ocidental tal como a conhecemos.»
Bom, devo reconhecer a priori, a incipiência da minha erudição sobre a situação do Judaísmo em tempos de Jesus, que provém das leituras de Paul Johnson, umas passagens da extraordinária “Guerra da Judeia” de Flávio Josefo, um autor judeu proscrito por muitos judeus por ser visto como um traidor a soldo de Roma, e um livro interessantíssimo sobre ele: “Flávio Josefo, o judeu de Roma” de Mireille Hadas-Lebel . Mas seja como fôr, e como estas considerações dizem respeito ao âmago daquilo em que acredito, vou cordialmente rebater o que o Nuno escreve.
É um facto bem conhecido que após a morte de Cristo os seus seguidores se dividiram em duas correntes. Uma era chefiada por Tiago, irmão de Jesus, e por Simão Pedro, que pretendiam difundir os ensinamentos de Cristo numa matriz puramente judaica pretendendo, como outras seitas pretenderiam, transformar o judaísmo por dentro, fazendo-o reconhecer o Messianismo de Jesus. A outra liderada por Saulo de Tarso, depois Paulo, o qual, sendo um fariseu muito mais instruído que os outros, logo muito mais ligado à tradição judaica, percebeu apesar disso muito melhor do que ninguém o carácter universalista da palavra e mensagem de Cristo. Foi efectivamente Paulo, muito antes da destruição de Jerusalém, que conduziu o Cristianismo a ser uma religião universal, com existência própria e independente da tradição religiosa judaica em que Paulo nascera e prosperara. Com Paulo, o apostolado de Cristo saíu das fronteiras físicas e mentais da Judeia, penetrando pelo império romano e penetrando-se também, para horror dos zelosos descendentes dos Asmoneus, do universo cultural helenístico, sobretudo o neo-platónico, onde encontrou uma base filosófica surpreendentemente afim da mensagem de Cristo, sobretudo da sua interpretação Joanina (é verdade, estou a falar do Logos, sim senhor).
Na árvore do Cristianismo, este rebento de Paulo foi efectivamente o triunfante, o que chegou até aos nossos dias. Um rebento que tendo nascido do judaísmo dele se desenxertou, se me permitem a expressão. Desse desenxertamento, que nós acreditamos ser conforme a Palavra de Cristo, resultaram coisas absolutamente contrárias a ela e que envergonham a nossa condição de Igreja de Cristo. Mas na árvore de onde saíu, do judaísmo, esse desenxertamento, deixou uma ferida, uma dôr, que ainda hoje se vê não ter sido resolvida. E, preto no branco, é disso que falo.
Voltemos então à outra corrente paleo-cristã, a que resistiu a se desligar do judaísmo onde nascera, a que resistiu a abdicar de preceitos e mandamentos como a circuncisão. Embora não seja muito bem conhecida, é bem sabido que essa corrente existiu e não se extinguiu por si própria.
Admito perfeitamente, como diz o Nuno, que essa corrente cristã, seria uma seita judaica mais nessa Jerusalém antes da catástrofe do ano 70 DC. Uma seita como a dos fariseus, a dos saduceus, a dos essénios e, convém não os esquecer, a dos zelotas. Uma seita que como diz Klinghoffer, estava condenada a desaparecer como todas as outras excepto a dos fariseus. Mergulhemos assim um pouco nesta história das seitas judaicas.
Os saduceus eram a seita, digamos assim, sacerdotal. Eram os que oficiavam e controlavam o Templo e os ritos, os que estavam mais perto do poder secular do tempo, um poder influenciadíssimo pela cultura helenística, pois a dinastia dos Asmoneus não tinha conseguido resistir à tentação dessa cultura estranha mas tão atraente. O “partido” saduceu era principalmente sacerdotal e aristocrático e manteve sempre um posicionamento político-religioso.
Já os fariseus, recrutavam seus membros nas classes populares e sempre foram muito mais religiosos do que políticos. Diga-se em abono da verdade que a cultura cristã conhece muito pouco daquilo que foram efectivamente os fariseus e tem deles uma visão injusta. O “partido” fariseu destacava-se pela sua competência exegética o que lhes conferiu uma autoridade reconhecida em termos da observância, zelosa e rigorista, da letra da Torá escrita e oral. Naturalmente, opuseram uma tenaz resistência aos costumes e ao pensamento helenísticos. A grande maioria dos escribas e doutores da Lei aderiu ao farisaísmo e obteve o apoio quase total do povo judeu, graças ao prestígio moral e religioso que alcançaram. Era também o mais difundido na numerosíssima diáspora judaica e foi a que melhor sobreviveu até hoje sob a conhecida forma do judaísmo rabínico.
Os essénios, seita por onde dizem ter andado Cristo, antes da sua vida pública, é a pior conhecida por nós cristãos. Mas das três “filosofias” judaicas de então é a que melhor corresponde à noção que temos de seita. Eram uma comunidade homogénea e solidária, organizada com regras de aceitação e de exclusão. Eram uma comunidade ascética, fechada, moralista, misógina e verdadeiramente monástica. Diferentemente dos saduceus e dos fariseus, desprezavam a influência social.
E chegamos a uma outra seita do judaísmo, chamada de “quarta filosofia” por Flávio Josefo e que não era mais do que uma excrescência perniciosa do farisaísmo mas que ia buscar gente exaltada de todas as correntes, saduceus, fariseus ou essénios. Eram nacionalistas fanáticos, discípulos dum fariseu, Sadoch, e que para alimentar uma rebelião originalmente anti-tributária, foram buscar à literatura apocalíptica Judaica (Henoch, Habacuq, Ezequiel, Daniel) uma doutrina milenarista em nome da qual, com vista à salvação colectiva, assumiram o encargo de fazer uma guerra escatológica entre eles, os “filhos da luz”, e os kittim, romanos ocupantes ou protectores, os “filhos das trevas”. Eram chamados de sicários ou zelotas e, segundo Flávio Josefo, foram os principais responsáveis da desgraça que se abateu sobre a nação judaica.
Recordo apenas um pouco dessa desgraça: após décadas e décadas de desordens e sedições no seu protectorado da Judeia, os romanos decidem-se a pô-la na ordem imperial e enviam um poderoso exército chefiado por Vespasiano, um general que veio a ser imperador. Vespasiano, ajudado pelo seu filho e sucessor Tito, levou a cabo uma implacável campanha contra uma feroz resistência liderada por zelotas inflamados e que culminou com o cerco e destruição de Jerusalém, em que morreram cerca de um milhão de pessoas(!) e foi definitivamente destruído o Templo. E a Judéia passou de protectorado autónomo a província romana! Para Josefo, que advogava que só a cooperação com Roma permitiria a manutenção do judaísmo na Judeia, os zelotas e sicários são os primeiros culpados da catástrofe. Nada de inédito...
Diga-se em abono da verdade, que foi felizmente a diáspora judaica, muito mais numerosa que a comunidade na Judeia, que permitiu a preservação do Judaísmo até aos dias de hoje.
Mas voltemos à seita que nos interessa, os ditos cristãos judaicos de Jerusalém. Não se sabe muito sobre ela, depreende-se muito mais. Dela falam os Actos dos Apóstolos, as epístolas de Paulo e pouco mais. Conhece-se a realização do Concílio de Jerusalém, no ano 49 ou 50 em que Paulo veio de Antioquia debater com os Apóstolos e anciãos, entre outras coisas, se os gentios convertidos tinham ou não de ser circuncisados e de aprender a seguir a lei judaica. O compromisso a que se chegou não evitou a evolução da seita cristã em dois caminhos, um judaísta, outro universalista, tendo sido dividido o território de missão. Não se conhece bem como evoluíram as coisas depois do concílio mas é admissível que a Igreja de Jerusalém pudesse derivar em volta do judaísmo, transformando-o talvez ou sendo reabsorvida por ele. Mas nada disso aconteceu pois a Guerra da Judeia destruiu Jerusalém e chacinou a sua população.
E é precisamente por isso que a missionação gentílica foi absolutamente crucial, como pensava Paulo e como pareceu indicar Jesus, ao preferir a Galileia à Judeia como principal área de actuação pública. Mas passemos adiante.
E passemos então ao meu exercício de counterfactual history, pois o de Klinghoffer me parece ser pouco elaborado. Pensemos pois. Pensemos no que seria se os Judeus não tivessem rejeitado Jesus, ainda depois de ele ter sido crucificado. Imaginemos que a Sua condição verdadeiramente messiânica encontrava eco na sociedade judaica de então. Imaginemos que o universalismo da Sua mensagem encontrasse o mesmo eco que a Sua nova visão da aliança de Deus com o Seu povo e que o trabalho de Paulo junto do gentios não fosse mais do que o novo desígnio da nação judaica. Imaginemos que a Sua noção de separação entre o que é de Deus e o que é de César fosse aceite, que a Sua noção do Seu reino, o de Deus, não ser deste mundo penetrasse nos corações. Pensemos em tudo isto em vez da assumpção bizarra de que fatalmente a seita cristã seria destruída com todas as outras na destruição de Jerusalém. E digo bizarra, pois tenho para mim, ainda que seja suspeito, que caso os Judeus não tivessem rejeitado Jesus não tinha havido qualquer guerra da Judeia e Jerusalém e o Templo não teriam sido destruídos. Não pela anulação duma qualquer maldição divina, em que aliás não acredito, mas simplesmente por não serem mais vistos como uma ameaça irritante pelo poder de Roma. Ao invés, o judaísmo, renovado por Jesus e pela Sua Palavra, aberto agora aos gentios, progrediria galopantemente, primeiro através da diáspora, depois por todo o cadinho étnico e cultural do Império. E talvez a história deste fosse diferente, talvez as sementes deixadas em Babilónia frutificassem e permitissem a fusão do império persa e romano, o que faria hoje não existir a noção que se tem do Oriente e do Ocidente. E, aí sim, aí já posso concordar com Klinghoffer, talvez não houvesse nem Cristianismo nem Islamismo mas unicamente o Judaísmo. Não aquele que era nem aquele que veio a ser, mas um Judaísmo transformado, como sabemos que era vontade pública de Jesus.
Mas convém não perder de vista que isto é um mero contra-exercício especulativo. Sabemos bem que a História é só uma e só pode ser mudada para a frente, não para trás. E sabemos melhor ainda que Jesus sabia muito bem ao que veio: por muito estranho que isso possa parecer, Jesus foi um Messias que veio para ser rejeitado. Só assim tudo voltou a fazer sentido.
E por aqui me fico, aguardando notícias. Entretanto, queria também conversar com o Nuno sobre a Páscoa, a minha e a dele. Ah! E também sobre o Purim. Mas ficará para daqui uns dias.
Depois de uma Quaresma mal-vivida, com a mente atulhada de coisas urgentes e mínimas, passei este fim de semana prolongado da Páscoa, em casa familiar, praticamente sequestrado pelo péssimo tempo que se fez sentir em terras nortenhas. Aproveitei então o tempo para ler, deitando abaixo 3 livros que se arrastavam há meses na minha mesa de cabeceira, para ver uns DVD´s, e também para ler o que se foi escrevendo pela blogosfera a propósito da Páscoa. E posso dizer que há pano para mangas, nem sei bem por onde começar, mas irei certamente dar um bocado ao dedo.
Vou talvez começar, reatando uma conversa com o meu estimado amigo Nuno Guerreiro, que habita e escreve na Rua da Judiaria, certamente o melhor blogue que conheço. Conforme alguns leitores amigos recordarão, foi com o Nuno que encetei um dia aqueles que para mim foram os mais memoráveis diálogos inter-religiosos envolvendo o meu modesto Guia dos Perplexos, que afinal nasceu para isso mesmo. Com a sabedoria e generosidade que o caracterizam, o Nuno ofereceu-nos uma extraordinária visão insight do judaísmo (aqui, aqui e aqui), que para mim foi preciosa pois, como já disse por aqui, sendo eu católico, o judaísmo ocupa um lugar importantíssimo no instável edifício da minha fé. Daí a minha curiosidade sobre ele. Mas adiante.
Em dois posts recentes o Nuno vem partilhar connosco alguma da sua visão sobre coisas essenciais para a Fé dos católicos. Num deles, o Nuno volta a um assunto já por ele abordado: Jesus, o judeu e faz-nos a recensão de dois livros recém-publicados. Um deles é o “Why the jews rejected Jesus” de David Klinghoffer, que o Nuno pretende ser um exercício de counterfactual history mas que eu acho mais ser um manifesto de reescrita ideológica da história do Cristianismo. Vou assim fazer algumas citações, umas do Nuno, outras do autor citado:
«David Klinghoffer defende que, perante este cenário, o cristianismo teria permanecido um movimento inteiramente judaico, minoritário no seio do judaísmo como os essénios do Mar Morto ou os saduceus de Jerusalém, e seria, tal como estes, condenado a uma extinção gradual.»
Mais:
«Se os judeus não tivessem rejeitado Jesus, se Paulo não tivesse voltado a liderança da igreja para um novo rumo, a fé embrionária teria provavelmente perecido tal como aconteceu com todas as seitas heterodoxas judaicas que desapareceram após a destruição de Jerusalém e do seu Templo pelos romanos no ano 70 E.C.*, deixando apenas o judaísmo “rabínico” – o judaísmo tradicional dos nossos dias. Não haveria cristianismo, nem Europa cristã ou civilização ocidental tal como a conhecemos.»
Bom, devo reconhecer a priori, a incipiência da minha erudição sobre a situação do Judaísmo em tempos de Jesus, que provém das leituras de Paul Johnson, umas passagens da extraordinária “Guerra da Judeia” de Flávio Josefo, um autor judeu proscrito por muitos judeus por ser visto como um traidor a soldo de Roma, e um livro interessantíssimo sobre ele: “Flávio Josefo, o judeu de Roma” de Mireille Hadas-Lebel . Mas seja como fôr, e como estas considerações dizem respeito ao âmago daquilo em que acredito, vou cordialmente rebater o que o Nuno escreve.
É um facto bem conhecido que após a morte de Cristo os seus seguidores se dividiram em duas correntes. Uma era chefiada por Tiago, irmão de Jesus, e por Simão Pedro, que pretendiam difundir os ensinamentos de Cristo numa matriz puramente judaica pretendendo, como outras seitas pretenderiam, transformar o judaísmo por dentro, fazendo-o reconhecer o Messianismo de Jesus. A outra liderada por Saulo de Tarso, depois Paulo, o qual, sendo um fariseu muito mais instruído que os outros, logo muito mais ligado à tradição judaica, percebeu apesar disso muito melhor do que ninguém o carácter universalista da palavra e mensagem de Cristo. Foi efectivamente Paulo, muito antes da destruição de Jerusalém, que conduziu o Cristianismo a ser uma religião universal, com existência própria e independente da tradição religiosa judaica em que Paulo nascera e prosperara. Com Paulo, o apostolado de Cristo saíu das fronteiras físicas e mentais da Judeia, penetrando pelo império romano e penetrando-se também, para horror dos zelosos descendentes dos Asmoneus, do universo cultural helenístico, sobretudo o neo-platónico, onde encontrou uma base filosófica surpreendentemente afim da mensagem de Cristo, sobretudo da sua interpretação Joanina (é verdade, estou a falar do Logos, sim senhor).
Na árvore do Cristianismo, este rebento de Paulo foi efectivamente o triunfante, o que chegou até aos nossos dias. Um rebento que tendo nascido do judaísmo dele se desenxertou, se me permitem a expressão. Desse desenxertamento, que nós acreditamos ser conforme a Palavra de Cristo, resultaram coisas absolutamente contrárias a ela e que envergonham a nossa condição de Igreja de Cristo. Mas na árvore de onde saíu, do judaísmo, esse desenxertamento, deixou uma ferida, uma dôr, que ainda hoje se vê não ter sido resolvida. E, preto no branco, é disso que falo.
Voltemos então à outra corrente paleo-cristã, a que resistiu a se desligar do judaísmo onde nascera, a que resistiu a abdicar de preceitos e mandamentos como a circuncisão. Embora não seja muito bem conhecida, é bem sabido que essa corrente existiu e não se extinguiu por si própria.
Admito perfeitamente, como diz o Nuno, que essa corrente cristã, seria uma seita judaica mais nessa Jerusalém antes da catástrofe do ano 70 DC. Uma seita como a dos fariseus, a dos saduceus, a dos essénios e, convém não os esquecer, a dos zelotas. Uma seita que como diz Klinghoffer, estava condenada a desaparecer como todas as outras excepto a dos fariseus. Mergulhemos assim um pouco nesta história das seitas judaicas.
Os saduceus eram a seita, digamos assim, sacerdotal. Eram os que oficiavam e controlavam o Templo e os ritos, os que estavam mais perto do poder secular do tempo, um poder influenciadíssimo pela cultura helenística, pois a dinastia dos Asmoneus não tinha conseguido resistir à tentação dessa cultura estranha mas tão atraente. O “partido” saduceu era principalmente sacerdotal e aristocrático e manteve sempre um posicionamento político-religioso.
Já os fariseus, recrutavam seus membros nas classes populares e sempre foram muito mais religiosos do que políticos. Diga-se em abono da verdade que a cultura cristã conhece muito pouco daquilo que foram efectivamente os fariseus e tem deles uma visão injusta. O “partido” fariseu destacava-se pela sua competência exegética o que lhes conferiu uma autoridade reconhecida em termos da observância, zelosa e rigorista, da letra da Torá escrita e oral. Naturalmente, opuseram uma tenaz resistência aos costumes e ao pensamento helenísticos. A grande maioria dos escribas e doutores da Lei aderiu ao farisaísmo e obteve o apoio quase total do povo judeu, graças ao prestígio moral e religioso que alcançaram. Era também o mais difundido na numerosíssima diáspora judaica e foi a que melhor sobreviveu até hoje sob a conhecida forma do judaísmo rabínico.
Os essénios, seita por onde dizem ter andado Cristo, antes da sua vida pública, é a pior conhecida por nós cristãos. Mas das três “filosofias” judaicas de então é a que melhor corresponde à noção que temos de seita. Eram uma comunidade homogénea e solidária, organizada com regras de aceitação e de exclusão. Eram uma comunidade ascética, fechada, moralista, misógina e verdadeiramente monástica. Diferentemente dos saduceus e dos fariseus, desprezavam a influência social.
E chegamos a uma outra seita do judaísmo, chamada de “quarta filosofia” por Flávio Josefo e que não era mais do que uma excrescência perniciosa do farisaísmo mas que ia buscar gente exaltada de todas as correntes, saduceus, fariseus ou essénios. Eram nacionalistas fanáticos, discípulos dum fariseu, Sadoch, e que para alimentar uma rebelião originalmente anti-tributária, foram buscar à literatura apocalíptica Judaica (Henoch, Habacuq, Ezequiel, Daniel) uma doutrina milenarista em nome da qual, com vista à salvação colectiva, assumiram o encargo de fazer uma guerra escatológica entre eles, os “filhos da luz”, e os kittim, romanos ocupantes ou protectores, os “filhos das trevas”. Eram chamados de sicários ou zelotas e, segundo Flávio Josefo, foram os principais responsáveis da desgraça que se abateu sobre a nação judaica.
Recordo apenas um pouco dessa desgraça: após décadas e décadas de desordens e sedições no seu protectorado da Judeia, os romanos decidem-se a pô-la na ordem imperial e enviam um poderoso exército chefiado por Vespasiano, um general que veio a ser imperador. Vespasiano, ajudado pelo seu filho e sucessor Tito, levou a cabo uma implacável campanha contra uma feroz resistência liderada por zelotas inflamados e que culminou com o cerco e destruição de Jerusalém, em que morreram cerca de um milhão de pessoas(!) e foi definitivamente destruído o Templo. E a Judéia passou de protectorado autónomo a província romana! Para Josefo, que advogava que só a cooperação com Roma permitiria a manutenção do judaísmo na Judeia, os zelotas e sicários são os primeiros culpados da catástrofe. Nada de inédito...
Diga-se em abono da verdade, que foi felizmente a diáspora judaica, muito mais numerosa que a comunidade na Judeia, que permitiu a preservação do Judaísmo até aos dias de hoje.
Mas voltemos à seita que nos interessa, os ditos cristãos judaicos de Jerusalém. Não se sabe muito sobre ela, depreende-se muito mais. Dela falam os Actos dos Apóstolos, as epístolas de Paulo e pouco mais. Conhece-se a realização do Concílio de Jerusalém, no ano 49 ou 50 em que Paulo veio de Antioquia debater com os Apóstolos e anciãos, entre outras coisas, se os gentios convertidos tinham ou não de ser circuncisados e de aprender a seguir a lei judaica. O compromisso a que se chegou não evitou a evolução da seita cristã em dois caminhos, um judaísta, outro universalista, tendo sido dividido o território de missão. Não se conhece bem como evoluíram as coisas depois do concílio mas é admissível que a Igreja de Jerusalém pudesse derivar em volta do judaísmo, transformando-o talvez ou sendo reabsorvida por ele. Mas nada disso aconteceu pois a Guerra da Judeia destruiu Jerusalém e chacinou a sua população.
E é precisamente por isso que a missionação gentílica foi absolutamente crucial, como pensava Paulo e como pareceu indicar Jesus, ao preferir a Galileia à Judeia como principal área de actuação pública. Mas passemos adiante.
E passemos então ao meu exercício de counterfactual history, pois o de Klinghoffer me parece ser pouco elaborado. Pensemos pois. Pensemos no que seria se os Judeus não tivessem rejeitado Jesus, ainda depois de ele ter sido crucificado. Imaginemos que a Sua condição verdadeiramente messiânica encontrava eco na sociedade judaica de então. Imaginemos que o universalismo da Sua mensagem encontrasse o mesmo eco que a Sua nova visão da aliança de Deus com o Seu povo e que o trabalho de Paulo junto do gentios não fosse mais do que o novo desígnio da nação judaica. Imaginemos que a Sua noção de separação entre o que é de Deus e o que é de César fosse aceite, que a Sua noção do Seu reino, o de Deus, não ser deste mundo penetrasse nos corações. Pensemos em tudo isto em vez da assumpção bizarra de que fatalmente a seita cristã seria destruída com todas as outras na destruição de Jerusalém. E digo bizarra, pois tenho para mim, ainda que seja suspeito, que caso os Judeus não tivessem rejeitado Jesus não tinha havido qualquer guerra da Judeia e Jerusalém e o Templo não teriam sido destruídos. Não pela anulação duma qualquer maldição divina, em que aliás não acredito, mas simplesmente por não serem mais vistos como uma ameaça irritante pelo poder de Roma. Ao invés, o judaísmo, renovado por Jesus e pela Sua Palavra, aberto agora aos gentios, progrediria galopantemente, primeiro através da diáspora, depois por todo o cadinho étnico e cultural do Império. E talvez a história deste fosse diferente, talvez as sementes deixadas em Babilónia frutificassem e permitissem a fusão do império persa e romano, o que faria hoje não existir a noção que se tem do Oriente e do Ocidente. E, aí sim, aí já posso concordar com Klinghoffer, talvez não houvesse nem Cristianismo nem Islamismo mas unicamente o Judaísmo. Não aquele que era nem aquele que veio a ser, mas um Judaísmo transformado, como sabemos que era vontade pública de Jesus.
Mas convém não perder de vista que isto é um mero contra-exercício especulativo. Sabemos bem que a História é só uma e só pode ser mudada para a frente, não para trás. E sabemos melhor ainda que Jesus sabia muito bem ao que veio: por muito estranho que isso possa parecer, Jesus foi um Messias que veio para ser rejeitado. Só assim tudo voltou a fazer sentido.
E por aqui me fico, aguardando notícias. Entretanto, queria também conversar com o Nuno sobre a Páscoa, a minha e a dele. Ah! E também sobre o Purim. Mas ficará para daqui uns dias.
segunda-feira, março 21, 2005
Já chove na Terra
Paixão e Fé
Já Te disse mais de uma vez que acredito em Ti, não como S.Paulo, porque ressuscitaste, mas sim porque morreste. Acredito em Ti e que Tu és o Filho de Deus, porque deixaste que Te matassem. Acredito em Ti porque, podendo fazê-lo, não quiseste descer da Cruz, esmagando os homens com a exibição da Tua omnipotência. Escolhendo morrer publicamente como o mais miserável dos homens, Tu quiseste fazer Tuas todas as nossas dôres. Tu quiseste estar ilimitadamente ao nosso lado. E escolhendo regressar discreta e brevemente junto aos que Te seguiram em vida, Tu quiseste consolá-los com a certeza da Tua divindade.
Mas a nós, os que vieram depois, os muitos que creram sem terem visto, com essa morte tão pública e ressurreição tão íntima, tu quiseste que acreditássemos em Ti livremente. Conhecendo como conheces os nossos corações, Tu quiseste fundar a nossa Fé não na Certeza mas na Esperança, pois não há sentimento humano mais nobre do que esta nem mais perigoso do que aquela. Mais do que isso, deixando-nos com a certeza da Tua morte e a esperança da Tua ressurreição, cumpriste plenamente a Tua missão redentora: mostraste-Te a nós como um Deus que sofre e chora connosco e que quer que O amemos em liberdade e sem temor, tornando desse modo a Fé, o acreditar num Deus assim, em algo que eleva a nossa condição humana. De facto, conTigo no monte do Calvário, a Divindade surgiu ao Homem como nunca antes surgira.
E a mim, que sou um pobre e fraco pecador, deste-me ontem a esperança de poder um dia vir a ser melhor do que sou, vivendo num mundo melhor do que é, simplesmente por acreditar que existe um Deus assim, tal como Tu nos mostraste.
Mas a nós, os que vieram depois, os muitos que creram sem terem visto, com essa morte tão pública e ressurreição tão íntima, tu quiseste que acreditássemos em Ti livremente. Conhecendo como conheces os nossos corações, Tu quiseste fundar a nossa Fé não na Certeza mas na Esperança, pois não há sentimento humano mais nobre do que esta nem mais perigoso do que aquela. Mais do que isso, deixando-nos com a certeza da Tua morte e a esperança da Tua ressurreição, cumpriste plenamente a Tua missão redentora: mostraste-Te a nós como um Deus que sofre e chora connosco e que quer que O amemos em liberdade e sem temor, tornando desse modo a Fé, o acreditar num Deus assim, em algo que eleva a nossa condição humana. De facto, conTigo no monte do Calvário, a Divindade surgiu ao Homem como nunca antes surgira.
E a mim, que sou um pobre e fraco pecador, deste-me ontem a esperança de poder um dia vir a ser melhor do que sou, vivendo num mundo melhor do que é, simplesmente por acreditar que existe um Deus assim, tal como Tu nos mostraste.
quarta-feira, março 16, 2005
Da vida
Do amor, na família e na blogosfera. Da cura. Das perdas. Da montanha.
Tudo isso e mais que fosse, na terra da alegria.
Tudo isso e mais que fosse, na terra da alegria.
terça-feira, março 15, 2005
Das preces
Como sempre o vizinho do mar diz tudo em pouco mais de uma linha:
Não chove há uns meses. A natureza surpreende. Tenho um carinho bíblico por aqueles que acreditam na eficácia das preces. A prece é sempre eficaz. Chova ou não chova.
Não chove há uns meses. A natureza surpreende. Tenho um carinho bíblico por aqueles que acreditam na eficácia das preces. A prece é sempre eficaz. Chova ou não chova.
Do blogger
Ocorre-me uma dúvida: existe por aí um blogue chamado Intermitente ou será o blogger, ele próprio, que é intermitente? Pelo menos para mim é.
segunda-feira, março 14, 2005
My own personal Jesus
Foi já há uns anos, num daqueles dias sem luz e sem amanhã, que fui a uma das Tua casas e me sentei a um canto. Tremia por dentro, de puro medo, e queria rezar finalmente, mas não o consegui. Não consegui melhor do que Te perguntar, erguendo para Ti os olhos zangados, perguntar-Te a eterna pergunta dos da minha condição: Porquê eu? Porquê a mim? Que mal fiz eu? Mereço eu isto? Como é hábito, e também de justiça, o silêncio parecia ser a Tua resposta. Até que, falando de dentro de mim, ouvi algo que me perguntava: Mas porque não tu? Afinal quem tu és? Estás acima dos teus irmãos? Mereces mais do que eles? Mereces sequer aquilo que te tem sido dado?
E fez-se de novo silêncio em mim. Um silêncio primeiro estupefacto, depois magoado. Mas logo depois sobreveio uma grande paz que me apagou toda a dor, toda a revolta. E repeti então as Tuas velhas palavras, que são toda uma oração: “Faça-se em mim segundo a Tua vontade”. E logo saí, melhor do que entrei, em paz comigo e contigo. Pronto a aceitar o meu destino, qualquer que ele fosse, pronto a tentar ser digno dele, ou melhor, digno nele. Uns dias mais tarde soube que, afinal, talvez houvesse amanhã para mim. O alívio que senti então nada foi perante aquele alívio que senti sentado ali, aquele que é o verdadeiro alívio, o que ainda hoje perdura em mim.
Desde então, muitas pedras se me atravessaram no caminho, muitas dôres me tolheram a alma, muitos espinhos me picaram a carne. É bem possível que me tenhas ajudado a removê-los. Certamente que ajudaste. Mas nunca mais te voltei a perguntar Porquê eu?, nunca mais te pedi nada senão que me ajudasses a permanecer inteiro, preparado e crente.
Aquilo que ouvi nesse dia não sei se foi a Tua voz. Sei só que nunca a tinha ouvido antes nem nunca mais a voltei a ouvir depois, falando em mim e para mim. Mas penso que aquela vez foi suficiente. Até quando?
E fez-se de novo silêncio em mim. Um silêncio primeiro estupefacto, depois magoado. Mas logo depois sobreveio uma grande paz que me apagou toda a dor, toda a revolta. E repeti então as Tuas velhas palavras, que são toda uma oração: “Faça-se em mim segundo a Tua vontade”. E logo saí, melhor do que entrei, em paz comigo e contigo. Pronto a aceitar o meu destino, qualquer que ele fosse, pronto a tentar ser digno dele, ou melhor, digno nele. Uns dias mais tarde soube que, afinal, talvez houvesse amanhã para mim. O alívio que senti então nada foi perante aquele alívio que senti sentado ali, aquele que é o verdadeiro alívio, o que ainda hoje perdura em mim.
Desde então, muitas pedras se me atravessaram no caminho, muitas dôres me tolheram a alma, muitos espinhos me picaram a carne. É bem possível que me tenhas ajudado a removê-los. Certamente que ajudaste. Mas nunca mais te voltei a perguntar Porquê eu?, nunca mais te pedi nada senão que me ajudasses a permanecer inteiro, preparado e crente.
Aquilo que ouvi nesse dia não sei se foi a Tua voz. Sei só que nunca a tinha ouvido antes nem nunca mais a voltei a ouvir depois, falando em mim e para mim. Mas penso que aquela vez foi suficiente. Até quando?
Verdades absolutas (2)
"...a reivindicação da minha própria liberdade está demasiadamente misturada com os meus instintos para não ser suspeita, e pode-se dizer com inteira justiça que o sentido da liberdade começa com o sentido da liberdade dos outros."
(extraído da Terra de hoje; quanto ao resto já não concordo tanto...)
(extraído da Terra de hoje; quanto ao resto já não concordo tanto...)
sexta-feira, março 11, 2005
Lembrai-vos sempre dos idos de Março
Verdades absolutas (nova rubrica)
"O contacto físico, a pele na pele, o tecido na pele, as páginas nas mãos ou o sopro da amizade, mesmo a presença de Deus, devem continuamente lembrados."
in a bordo
in a bordo
terça-feira, março 08, 2005
Do medo do inferno
“Meu Deus,
Se Te adorei por medo do inferno,
queima-me em seu fogo.
Se Te adorei pela esperança do paraíso,
priva-me dele.
Mas se te adorei unicamente por Ti,
não me prives da contemplação do Teu rosto.”
(Râbi´a)
Parece-me bem que concordo com este sarraceno.
Se Te adorei por medo do inferno,
queima-me em seu fogo.
Se Te adorei pela esperança do paraíso,
priva-me dele.
Mas se te adorei unicamente por Ti,
não me prives da contemplação do Teu rosto.”
(Râbi´a)
Parece-me bem que concordo com este sarraceno.
segunda-feira, março 07, 2005
Há coisas novas debaixo do Sol
Há sim senhor, contrariamente ao que diz o Ecclesiates. Apareceram hoje na Terra três novos habitantes: o Varqa, irmão de Fé do Marco Oliveira, o CM e o Zé Maria Brito, este regressado após longa ausência. A qualidade dos textos de todos eles leva-me a pedir-lhes que fiquem por cá, que se estabeleçam na Terra da Alegria.
domingo, março 06, 2005
De Aetatibus, etc. e tal
A pedido de várias famílias, aí está Francisco d´Ollanda em todo o seu esplendor. Podem-no agora vê-lo, a eito e sem se entediarem aqui no Guia...
Francisco, se me estiveres a ouvir: se por acaso existirem por aí teus sucessores legais, que me queiram vir chatear com o copyright, manda-os trabalhar. Aqui no Guia faz-se serviço público.
sexta-feira, março 04, 2005
His Master´s voice
Faz hoje não um mas dois anos a Voz do Deserto. Dois anos a comer gafanhotos e a anunciar o fim dos tempos. Dois anos a ser o melhor blogue português vivo, goste-se ou não. Não só lhe mando os parabéns como lhe mando uma prenda, uma coisa escrita por aquele que nós achamos ser o maior poeta português vivo, o Reininho, pois então!
Felizmente que a noite cai
Ainda bem que há névoa por aí
Estou contente se a luz se esvai
E uma sombra invade este lugar
Se um amanhã perdido for
metamorfose de horror
As trevas não vão demorar
estou contente se a luz se esvai
Se o céu se fecha sobre nós
desprende-se uma rouca voz
Se o amanhã perdido for
overdose de pavor
Directa sim eu declaro morte ao sol
Directa não e a quem o apoiar
aí vem a luz !!!
Felizmente que a noite cai
Ainda bem que há névoa por aí
Estou contente se a luz se esvai
E uma sombra invade este lugar
Se um amanhã perdido for
metamorfose de horror
As trevas não vão demorar
estou contente se a luz se esvai
Se o céu se fecha sobre nós
desprende-se uma rouca voz
Se o amanhã perdido for
overdose de pavor
Directa sim eu declaro morte ao sol
Directa não e a quem o apoiar
aí vem a luz !!!
Se o céu não fecha já sobre nós
Revela-se esta imagem atroz
(da Morte ao Sol)
quinta-feira, março 03, 2005
Largos dias tem 1 ano
O fundamento da existência deste blogue é a tentativa de reflexão serena sobre a minha fé, é a tentativa de, nele escrevendo, escutar o Espírito Santo falando em mim. Assim sendo, nele não deveriam caber certas coisas. Não deveria ceder à crítica desdenhosa, mas cedo. Não deveria ceder ao orgulho pessimista, mas cedo. Não deveria ceder à chacota estéril, mas cedo. Não deveria ceder ao umbiguismo existencial, mas cedo. Cedo porque é assim que eu sou. Mas é pena.
Vem isto a propósito de um outro blogue, de um outro crente como eu, embora não católico. Esse é um blogue que dá um testemunho de uma atitude religiosa como ela verdadeiramente deve ser. Nunca lá ouvi lamentos, imprecações, anátemas ou desdéns orgulhosos. Qualquer que seja o tema que por lá se fale, sente-se sempre o sinal de esperança, de simpatia, de humanidade. Estou a falar dum blogue dum compincha lá da Terra que faz hoje 1 ano de existência. Estou a falar, é claro, no Povo de Bahá. Envio daqui um grande e fraternal abraço ao Marco!
Vem isto a propósito de um outro blogue, de um outro crente como eu, embora não católico. Esse é um blogue que dá um testemunho de uma atitude religiosa como ela verdadeiramente deve ser. Nunca lá ouvi lamentos, imprecações, anátemas ou desdéns orgulhosos. Qualquer que seja o tema que por lá se fale, sente-se sempre o sinal de esperança, de simpatia, de humanidade. Estou a falar dum blogue dum compincha lá da Terra que faz hoje 1 ano de existência. Estou a falar, é claro, no Povo de Bahá. Envio daqui um grande e fraternal abraço ao Marco!
Será do nome?
Mas não se pense que a asneira é exclusiva da banda dos mata-frades. Li com a mesma indignação num anúncio pago no Público de ontem, por um outro Nuno, parece que padre, que rezava assim:
PARTICIPAÇÃO AOS INTERESSADOS:
Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código de direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perservado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes quer através de pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte — ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio perseveração, da experimentação em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução fetal, da clonagem...; quer através da legalização do aborto (votar ou participar em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual "lei" em vigor (6/84 e seus acrescentos); quer, ainda, pela eutanásia.
O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente, ajudarão a compreender a razão deste grave dever que o cânone 915, vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.
Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convida todos ao arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor
Assinado: Padre Nuno Serras Pereira
O mal que isto faz à imagem da fé e da Igreja. Mil vezes o Nuno Sousa! O que vale é que nem num caso nem no outro devemos tomar a nuvem por Juno.
PARTICIPAÇÃO AOS INTERESSADOS:
Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código de direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perservado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes quer através de pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte — ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio perseveração, da experimentação em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução fetal, da clonagem...; quer através da legalização do aborto (votar ou participar em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual "lei" em vigor (6/84 e seus acrescentos); quer, ainda, pela eutanásia.
O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente, ajudarão a compreender a razão deste grave dever que o cânone 915, vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.
Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convida todos ao arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor
Assinado: Padre Nuno Serras Pereira
O mal que isto faz à imagem da fé e da Igreja. Mil vezes o Nuno Sousa! O que vale é que nem num caso nem no outro devemos tomar a nuvem por Juno.
Achille Talon agrava o seu caso.
O barnabita Nuno Sousa afinal ainda não tinha dito tudo. Faltava isto:
«Acho apenas que a exposição da sua debilidade física é, antes de mais, muitíssimo pouco digna. Pouco digna para ele, e miserável para a igreja católica. É só isto. O Papa que abandone o cargo e sofra a decrepitude e decadência do seu corpo longe dos olhares do mundo. É mais digno. Tem direito a isso.»
Espantoso. Eis a eugenia em todo o seu esplendor, embora num formato menos habitual: a eugenia geriátrica. Eu cá não sei se este moço ainda tem pai mas se o tem será melhor para ele não passar procurações ao filho...
terça-feira, março 01, 2005
O bloco sanitário ataca de novo
O que é que o Barnabé tem que é diferente dos outros? perguntam-nos eles, modestos e prazenteiros, ajeitando o ego para mais uma massagenzita. Os homens tem graça, lá isso tem, mas não são os únicos. O alerta amarelo, por exemplo, tem bastante mais graça. São de esquerda, são sim senhor, mas da linha caviar. Escrevem que se fartam mas, ainda assim, menos do que no Blasfémias. São sectários, pois são, mas talvez o Acidental o seja um pouquinho mais. Tem uma grande audiência, pois tem, mas então o Abrupto?
Assim sendo, o que tem eles afinal de tão diferente do comum mortal? Hoje finalmente percebi. Dei por um iluminado que por lá escreve, um tal de Nuno Sousa, que hoje bolsou esta preciosidade de humanismo, tolerância e elegância, que são aliás o seu apanágio:
Assim sendo, o que tem eles afinal de tão diferente do comum mortal? Hoje finalmente percebi. Dei por um iluminado que por lá escreve, um tal de Nuno Sousa, que hoje bolsou esta preciosidade de humanismo, tolerância e elegância, que são aliás o seu apanágio:
"O Papa já bebe sozinho por uma palhinha. Os médicos estão em crer que, a partir de amanhã, poderá começar a gatinhar sem amparo alheio. Aguardamos ansiosos".
Já mandei um mail ao médico que explica medicina a intelectuais a perguntar se é possível inocular Parkinson a um gajo. Aguardo ansioso.