segunda-feira, dezembro 29, 2003
Balanço e Demonstração de Resultados 2003
O fim dum ano é sempre tempo de balanços e avaliações dos vários domínios das nossas vidas. E a blogosfera passou este ano a ser um dos domínios da minha vida e não o menos importante.
Já aqui disse que com este blogue eu não pretendo catequizar ninguém a não ser, talvez, eu próprio. Pretendo sim reflectir sobre a minha Fé, sobre o que ela abarca, sobre donde ela me vem. Nesse sentido o balanço destes 3 meses e picos de blogosfera é muito positivo. Na blogosfera encontrei pessoas que nos seus blogs afirmam diferentes formas de sentir a Fé, afirmam as suas dúvidas, afirmam a sua procura. Nela encontrei quem me interpelou e me fez pensar, nela encontrei textos onde sinto que por lá passou a inspiração de algo que nos transcende. E nela encontrei uma forma de dizer o que sinto sem me condicionar a mim próprio pelo meu interlocutor e sem o querer condicionar também. O facto de não conhecer nem ser conhecido por com quem falo tem-se revelado como uma insuspeitada fonte de liberdade interior, quero dizer de liberdade relativamente a mim próprio, relativamente aos meus instintos dialéticos que tantas vezes me condicionam tanto. Não quero aqui convencer, combater, seduzir, baralhar, competir, ultrapassar ninguém. E isso, por si só, é uma fonte de descanso mental e moral, é uma forma de aprender a tornar-me mais humano. Enfim, é uma benção espiritual. Só possível por enquanto aqui na blogosfera.
Já aqui disse que com este blogue eu não pretendo catequizar ninguém a não ser, talvez, eu próprio. Pretendo sim reflectir sobre a minha Fé, sobre o que ela abarca, sobre donde ela me vem. Nesse sentido o balanço destes 3 meses e picos de blogosfera é muito positivo. Na blogosfera encontrei pessoas que nos seus blogs afirmam diferentes formas de sentir a Fé, afirmam as suas dúvidas, afirmam a sua procura. Nela encontrei quem me interpelou e me fez pensar, nela encontrei textos onde sinto que por lá passou a inspiração de algo que nos transcende. E nela encontrei uma forma de dizer o que sinto sem me condicionar a mim próprio pelo meu interlocutor e sem o querer condicionar também. O facto de não conhecer nem ser conhecido por com quem falo tem-se revelado como uma insuspeitada fonte de liberdade interior, quero dizer de liberdade relativamente a mim próprio, relativamente aos meus instintos dialéticos que tantas vezes me condicionam tanto. Não quero aqui convencer, combater, seduzir, baralhar, competir, ultrapassar ninguém. E isso, por si só, é uma fonte de descanso mental e moral, é uma forma de aprender a tornar-me mais humano. Enfim, é uma benção espiritual. Só possível por enquanto aqui na blogosfera.
terça-feira, dezembro 23, 2003
Imagem de Natal
Frei Bento Domingues é sempre interessante no Público aos Domingos. Interessante naquilo que diz e naquilo que cita. Desta vez surpreendeu-me com uma meditação de Jean-Paul Sartre sobre o Natal:
“A Virgem está pálida e olha para o menino. O que seria necessário pintar neste rosto é um encantamento ansioso que não apareceu senão uma vez sobre uma figura humana. Porque Cristo é o seu menino: a carne da sua carne, o fruto das suas entranhas. Cresceu nela durante nove meses e dar-lhe-á o seu seio (...) e, por momentos, a tentação é tão forte que ela esquece que ele é Deus. Aperta-o nos seus braços e diz: 'Meu pequenino.'
"Mas noutros momentos ela suspende esse movimento e pensa: Deus está aqui. E fica possuída pelo horror religioso, por este Deus mudo, por esta criança terrificante. Todas as mães ficam assim suspensas, por um momento, diante deste fragmento rebelde da sua carne que é o seu filho, sentem-se em exílio diante desta vida nova que se faz a partir da sua e habitadas por pensamentos estranhos. Nenhuma criança, porém, foi tão cruelmente e tão rapidamente arrancada à mãe: aquela criança é Deus e ultrapassa sempre tudo o que Maria possa imaginar.
"Penso que também há momentos, rápidos e fugidios, nos quais ela sente, ao mesmo tempo, que Cristo é seu filho e que ele é Deus. Ao olhar para ele, pensa: este Deus é meu menino. Esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma da sua boca é a forma da minha. Parece-se comigo. Ele é Deus e parece-se comigo.
"Nenhuma mulher teve, desse modo, o seu Deus só para ela, um Deus pequenino que se pode tomar nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus quentinho que sorri e que respira, um Deus que se pode tocar e que ri! É num destes momentos que eu pintaria Maria, se fosse pintor."
Lindíssimo. Ao ler isto descubro que alguns ateus, como Sartre, não vedaram a si próprios a contemplação da grandeza da Fé. Ainda bem.
“A Virgem está pálida e olha para o menino. O que seria necessário pintar neste rosto é um encantamento ansioso que não apareceu senão uma vez sobre uma figura humana. Porque Cristo é o seu menino: a carne da sua carne, o fruto das suas entranhas. Cresceu nela durante nove meses e dar-lhe-á o seu seio (...) e, por momentos, a tentação é tão forte que ela esquece que ele é Deus. Aperta-o nos seus braços e diz: 'Meu pequenino.'
"Mas noutros momentos ela suspende esse movimento e pensa: Deus está aqui. E fica possuída pelo horror religioso, por este Deus mudo, por esta criança terrificante. Todas as mães ficam assim suspensas, por um momento, diante deste fragmento rebelde da sua carne que é o seu filho, sentem-se em exílio diante desta vida nova que se faz a partir da sua e habitadas por pensamentos estranhos. Nenhuma criança, porém, foi tão cruelmente e tão rapidamente arrancada à mãe: aquela criança é Deus e ultrapassa sempre tudo o que Maria possa imaginar.
"Penso que também há momentos, rápidos e fugidios, nos quais ela sente, ao mesmo tempo, que Cristo é seu filho e que ele é Deus. Ao olhar para ele, pensa: este Deus é meu menino. Esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma da sua boca é a forma da minha. Parece-se comigo. Ele é Deus e parece-se comigo.
"Nenhuma mulher teve, desse modo, o seu Deus só para ela, um Deus pequenino que se pode tomar nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus quentinho que sorri e que respira, um Deus que se pode tocar e que ri! É num destes momentos que eu pintaria Maria, se fosse pintor."
Lindíssimo. Ao ler isto descubro que alguns ateus, como Sartre, não vedaram a si próprios a contemplação da grandeza da Fé. Ainda bem.
Eh pá!
Acabo de me aperceber que o meu humilde Guia foi colocado no pasto do grumete. E ainda por cima sob o nome duma especialidade gastronómica do mais fino que há. Sempre fui um priveligiado...
Mas sou reconhecido quando me honram: obrigado companheiros, pelo link mas sobretudo pelos vossos posts! Desejo-vos um Natal em paz com o Mundo e convosco próprios.
Mas sou reconhecido quando me honram: obrigado companheiros, pelo link mas sobretudo pelos vossos posts! Desejo-vos um Natal em paz com o Mundo e convosco próprios.
segunda-feira, dezembro 22, 2003
Os ab(e/o)rtos e os fechados
Caro Ómega,
Começo por lhe dizer que gosto do seu nickname. Há para aí tanta gente a querer ser alfa que faz bem ver alguém a querer pôr-se no fim da fila. E já sabe: “os últimos serão os primeiros”. Seja pois bem vindo ao meu blogue.
Pergunta-me você, com alguma pertinência, a razão do meu alheamento da grande questão do momento: o aborto. Não é, como você especula, por eu considerar que essa questão nada tem a ver com religião, antes pelo contrário.
Será mais por cansaço. Realmente sinto-me com pouco ânimo para entrar nessa liça tão encarniçada. Ando com pouca paciência para entrar em polémicas que em Portugal são quase sempre estéreis e desagradáveis. Dizia há dias o nosso Abrupto, a propósito de outra questão, que “O pior que se pode fazer, numa questão tão séria como esta [do Iraque], é transformar as nossas opiniões e o nosso envolvimento na causa política numa espécie de projecção subjectiva da nossa própria pessoa e importância. As coisas correm bem, levanta-se a grimpa e desdenha-se dos outros; as coisas correm mal e assobia-se para o lado e coleccionam-se os "mas". Infelizmente isto é comum no debate português, com raras excepções. Mas, insisto (...), isto não é certamente (...) um jogo de pingue-pongue com o nosso ego e o dos outros “. É sábio aqui o JPP, o que é natural depois de 10 anos a fundibular com o José Magalhães...
Uma boa polémica à portuguesa não é um confronto de ideias mas sim um confronto de egos. A procura da verdade não é para ali chamada. Alguém que se disponha a acolher a opinião do outro é olhado com desprezo e não como um justo. E nesta polémica do aborto a primeira coisa a ser abortada foi a discussão honesta do problema.
Enfim, por essa razão nem me atrevo a aflorar o assunto dando assim ensejo a que algum dos meus leitores (por poucos que sejam) me fulminasse com o lume da sua opinião.
Até por que nem seria necessário. A minha visão sobre o assunto, visão obviamente cristã, tem vindo a ser brilhantemente defendida por outros: os companheiros secretos. Eles tem a vantagem de não vir das profundezas da direita nem do conservadorismo católico. Estes são de esquerda e deixam os seus pares perplexos e furiosos com a sua posição. No fundo eles mostram bem que a questão do aborto não é nem pode ser uma questão ideológica apesar de haver muita gente que acha que ser de esquerda é ser pela liberalização do aborto, como se esta fosse a causa que lhes restasse para lutar. Os companheiros são muito mais eficazes na sua argumentação do que aqueles indivíduos quase mitrados das associações "Mais Família", cuja argumentação me causa calafrios de incomodidade.
Meu caro Ómega, a questão do aborto é uma questão de visão do mundo e da vida, é uma questão filosófica, é uma questão religiosa. É por isso que eu devia falar nela. Mas neste momento não consigo. Peço-lhe pois desculpa.
Começo por lhe dizer que gosto do seu nickname. Há para aí tanta gente a querer ser alfa que faz bem ver alguém a querer pôr-se no fim da fila. E já sabe: “os últimos serão os primeiros”. Seja pois bem vindo ao meu blogue.
Pergunta-me você, com alguma pertinência, a razão do meu alheamento da grande questão do momento: o aborto. Não é, como você especula, por eu considerar que essa questão nada tem a ver com religião, antes pelo contrário.
Será mais por cansaço. Realmente sinto-me com pouco ânimo para entrar nessa liça tão encarniçada. Ando com pouca paciência para entrar em polémicas que em Portugal são quase sempre estéreis e desagradáveis. Dizia há dias o nosso Abrupto, a propósito de outra questão, que “O pior que se pode fazer, numa questão tão séria como esta [do Iraque], é transformar as nossas opiniões e o nosso envolvimento na causa política numa espécie de projecção subjectiva da nossa própria pessoa e importância. As coisas correm bem, levanta-se a grimpa e desdenha-se dos outros; as coisas correm mal e assobia-se para o lado e coleccionam-se os "mas". Infelizmente isto é comum no debate português, com raras excepções. Mas, insisto (...), isto não é certamente (...) um jogo de pingue-pongue com o nosso ego e o dos outros “. É sábio aqui o JPP, o que é natural depois de 10 anos a fundibular com o José Magalhães...
Uma boa polémica à portuguesa não é um confronto de ideias mas sim um confronto de egos. A procura da verdade não é para ali chamada. Alguém que se disponha a acolher a opinião do outro é olhado com desprezo e não como um justo. E nesta polémica do aborto a primeira coisa a ser abortada foi a discussão honesta do problema.
Enfim, por essa razão nem me atrevo a aflorar o assunto dando assim ensejo a que algum dos meus leitores (por poucos que sejam) me fulminasse com o lume da sua opinião.
Até por que nem seria necessário. A minha visão sobre o assunto, visão obviamente cristã, tem vindo a ser brilhantemente defendida por outros: os companheiros secretos. Eles tem a vantagem de não vir das profundezas da direita nem do conservadorismo católico. Estes são de esquerda e deixam os seus pares perplexos e furiosos com a sua posição. No fundo eles mostram bem que a questão do aborto não é nem pode ser uma questão ideológica apesar de haver muita gente que acha que ser de esquerda é ser pela liberalização do aborto, como se esta fosse a causa que lhes restasse para lutar. Os companheiros são muito mais eficazes na sua argumentação do que aqueles indivíduos quase mitrados das associações "Mais Família", cuja argumentação me causa calafrios de incomodidade.
Meu caro Ómega, a questão do aborto é uma questão de visão do mundo e da vida, é uma questão filosófica, é uma questão religiosa. É por isso que eu devia falar nela. Mas neste momento não consigo. Peço-lhe pois desculpa.
sexta-feira, dezembro 19, 2003
Este Natal
Não sei se conhecem a história do 4º rei mago. Faz parte duma antiga tradição cristã e aparece em alguns textos primitivos e apócrifos. O escritor Michel Tournier retornou a esta história no seu belíssimo “Gaspar, Melchior e Baltasar”.
Este 4º rei chamado Taor, príncipe de Mangalore, também viu a estrela e acreditou nela. Tal como os outros três armou um imponente séquito e abandonou o seu reino para se prostrar perante o novo Rei que ia nascer e entregar-lhe a sua melhor oferta. Só que, algures, o seu caminho desviou-se do caminho apontado pela estrela. Não por sua vontade mas por fatalidades que lhe foram acontecendo, terríveis e sucessivas. Durante anos vagueou pela Palestina e, um a um, foi perdendo todos os sinais da sua realeza. O seu séquito foi sendo dizimado, foi-o abandonando a ele e à sua demanda. E por fim Taor ficou só. Sem séquito, sem roupa que não a do corpo, sem dinheiro excepto uma moeda de ouro que trazia a sua efígie. Mas Taor não deixou de acreditar que ainda ia a tempo para adorar o novo Rei. E continuou a procurar Jesus. Num momento dramático ele fica sem a sua moeda, perdendo assim a única prova da sua realeza, a única prova da sua identidade. Neste momento, e para poder continuar a sua procura, Taor renuncia verdadeiramente a si próprio, renuncia à única oferta que com ele trazia. A partir desde momento a sua oferta passou a ser ele próprio. Continua a sua peregrinação, é preso e feito escravo nas minas de sal, junto a onde fora Sodoma. É libertado passado muitos anos quando já não era mais do que um farrapo translúcido, um “homem transparente”. E continua a sua procura. Por fim, 33 anos depois do início sumptuoso da sua viagem, pela altura da Páscoa dos judeus, ouve finalmente dizer que Jesus estava em Jerusalém. Taor arrasta-se até lá onde chega já na noite da Pessach. Lá dizem-lhe que Jesus estava com os seus numa casa de José de Arimateia para onde Taor corre ansioso. Transcrevo agora o lindíssimo epílogo do livro de Tournier:
“A sala estava vazia. Uma vez mais chegava demasiado tarde. Tinha-se comido naquela sala. Havia ainda treze recipientes e em alguns deles um fundo de vinho tinto. Em cima da mesa viam-se fragmentos de pão ázimo.
Taor sentiu então uma vertigem: pão e vinho! Estendeu a mão para um copo e ergueu-o até aos lábios. Depois amassou um fragmento de pão e comeu-o.
Então vacilou mas não chegou a cair. Os dois anjos que velavam por ele desde as minas de sal acolheram-no nas suas asas e levaram aquele que, depois de ter sido o último, o perpétuo retardatário, acabara por ser o primeiro a receber a eucaristia.”
Talvez Taor tenha entendido que a oferta que ele, como os outros três reis, tinha sido compelido a trazer, era uma resposta a uma oferta primeira que Deus fez aos homens. Não deve contudo ter percebido o supremo privilégio que teve em fazer a sua oferta, nada menos do que ele próprio, praticamente ao mesmo tempo e do mesmo modo que se consumou plenamente a oferta de Deus aos homens. E morreram assim os dois, Cristo e Taor. Taor terá sido assim o primeiro homem que, mesmo sem conhecer a Palavra de Cristo, sem sequer o ter conseguido ver, viveu e morreu em nome Dele.
Tournier conta no seu livro que cada um dos Reis Magos encontrou Jesus ao fim duma longa demanda pessoal, simbolizada no presente oferecido a Cristo. Para cada um deles, este encontro foi uma revelação clarificando o sentido verdadeiro da sua demanda. Taor, que falhou o encontro com o Menino mas que ainda viu o derradeiro altar do Cordeiro de Deus, foi aquele que fez a suprema oferta. Foi aquele que, mais do que a ter percebido, viveu o supremo significado da encarnação de Cristo.
Neste fim de ano de 2003, esta é a história de Natal que me apetece contar aos meus filhos. Já comprei uma quarta figurinha para eles porem no presépio. No próximo dia 25 vou tentar explicar-lhes porquê.
Este 4º rei chamado Taor, príncipe de Mangalore, também viu a estrela e acreditou nela. Tal como os outros três armou um imponente séquito e abandonou o seu reino para se prostrar perante o novo Rei que ia nascer e entregar-lhe a sua melhor oferta. Só que, algures, o seu caminho desviou-se do caminho apontado pela estrela. Não por sua vontade mas por fatalidades que lhe foram acontecendo, terríveis e sucessivas. Durante anos vagueou pela Palestina e, um a um, foi perdendo todos os sinais da sua realeza. O seu séquito foi sendo dizimado, foi-o abandonando a ele e à sua demanda. E por fim Taor ficou só. Sem séquito, sem roupa que não a do corpo, sem dinheiro excepto uma moeda de ouro que trazia a sua efígie. Mas Taor não deixou de acreditar que ainda ia a tempo para adorar o novo Rei. E continuou a procurar Jesus. Num momento dramático ele fica sem a sua moeda, perdendo assim a única prova da sua realeza, a única prova da sua identidade. Neste momento, e para poder continuar a sua procura, Taor renuncia verdadeiramente a si próprio, renuncia à única oferta que com ele trazia. A partir desde momento a sua oferta passou a ser ele próprio. Continua a sua peregrinação, é preso e feito escravo nas minas de sal, junto a onde fora Sodoma. É libertado passado muitos anos quando já não era mais do que um farrapo translúcido, um “homem transparente”. E continua a sua procura. Por fim, 33 anos depois do início sumptuoso da sua viagem, pela altura da Páscoa dos judeus, ouve finalmente dizer que Jesus estava em Jerusalém. Taor arrasta-se até lá onde chega já na noite da Pessach. Lá dizem-lhe que Jesus estava com os seus numa casa de José de Arimateia para onde Taor corre ansioso. Transcrevo agora o lindíssimo epílogo do livro de Tournier:
“A sala estava vazia. Uma vez mais chegava demasiado tarde. Tinha-se comido naquela sala. Havia ainda treze recipientes e em alguns deles um fundo de vinho tinto. Em cima da mesa viam-se fragmentos de pão ázimo.
Taor sentiu então uma vertigem: pão e vinho! Estendeu a mão para um copo e ergueu-o até aos lábios. Depois amassou um fragmento de pão e comeu-o.
Então vacilou mas não chegou a cair. Os dois anjos que velavam por ele desde as minas de sal acolheram-no nas suas asas e levaram aquele que, depois de ter sido o último, o perpétuo retardatário, acabara por ser o primeiro a receber a eucaristia.”
Talvez Taor tenha entendido que a oferta que ele, como os outros três reis, tinha sido compelido a trazer, era uma resposta a uma oferta primeira que Deus fez aos homens. Não deve contudo ter percebido o supremo privilégio que teve em fazer a sua oferta, nada menos do que ele próprio, praticamente ao mesmo tempo e do mesmo modo que se consumou plenamente a oferta de Deus aos homens. E morreram assim os dois, Cristo e Taor. Taor terá sido assim o primeiro homem que, mesmo sem conhecer a Palavra de Cristo, sem sequer o ter conseguido ver, viveu e morreu em nome Dele.
Tournier conta no seu livro que cada um dos Reis Magos encontrou Jesus ao fim duma longa demanda pessoal, simbolizada no presente oferecido a Cristo. Para cada um deles, este encontro foi uma revelação clarificando o sentido verdadeiro da sua demanda. Taor, que falhou o encontro com o Menino mas que ainda viu o derradeiro altar do Cordeiro de Deus, foi aquele que fez a suprema oferta. Foi aquele que, mais do que a ter percebido, viveu o supremo significado da encarnação de Cristo.
Neste fim de ano de 2003, esta é a história de Natal que me apetece contar aos meus filhos. Já comprei uma quarta figurinha para eles porem no presépio. No próximo dia 25 vou tentar explicar-lhes porquê.
quinta-feira, dezembro 18, 2003
Advento (2)
Nestes dias de chumbo valem-me os escapes de sempre: o amor incondicional dos meus filhos, o amor exigente da minha mulher, a música, no carro, em casa, no computador, música nova, música já velha conhecida, e a leitura, sempre. Só que já não consigo ler livros grandes e densos. O meu espírito está demasiado turbulento e ansioso para isso. Na minha mesa de cabeceira repousam, interrompidos, "Agostinho" de Peter Brown, "Império" de Gore Vidal e o "Baghavad-Guitá" de Vyassa. Já só consigo ler livros pequenos ou livros de contos ou de ensaios, lineares e simples. Foi por isto que retornei a um livrito, lido há muito e sem grande atenção, perdido na minha estante ao pé de guias turísticos: "O Profeta" de Khalil Gibran.
Nele redescobri uma fonte de paz interior. Nele descobri agora alguns novos alicerces para a minha Fé. É um livro religioso, sem ser de nenhuma religião. Fala um pouco de tudo e no fim diz que só esteve a falar de religião.
Fala sobre a oração e diz que "Deus só ouve as nossas palavras quando é ele a falar pela nossa boca".
E foi seguramente Deus que pôs na boca de Gibran a seguinte prece:
Meu Deus,
É a Tua vontade que quer em nós
É o Teu desejo que deseja em nós
Não podemos pedir-Te seja o que for
porque Tu conheces as nossas necessidades
antes que elas nasçam dentro de nós.
Tu és a necessidade e dando-nos mais de Ti, dás-nos tudo.
Bem.
Nele redescobri uma fonte de paz interior. Nele descobri agora alguns novos alicerces para a minha Fé. É um livro religioso, sem ser de nenhuma religião. Fala um pouco de tudo e no fim diz que só esteve a falar de religião.
Fala sobre a oração e diz que "Deus só ouve as nossas palavras quando é ele a falar pela nossa boca".
E foi seguramente Deus que pôs na boca de Gibran a seguinte prece:
Meu Deus,
É a Tua vontade que quer em nós
É o Teu desejo que deseja em nós
Não podemos pedir-Te seja o que for
porque Tu conheces as nossas necessidades
antes que elas nasçam dentro de nós.
Tu és a necessidade e dando-nos mais de Ti, dás-nos tudo.
Bem.
Advento
Todos os dias luto e luto e luto. Contra o que parece ser o nosso destino. Contra o desânimo que despontou e já não desaparece. Reconheço nos acontecimentos um padrão, uma tendência, que nos condenam. Reconheço um filme que já vi. Uma história que sempre se repete. Sinto um cansaço que embota já a minha humanidade. Olhamos uns para os outros e vemos o medo em cada um, vemos já um suspirar pelo fim, o reconhecimento de uma aposta perdida.
Mas disso não falamos. Tratamos de tudo como se valesse a pena. Mantemos o rumo, sabendo também que já não podemos mudá-lo.
No meio disto tudo não sinto que Deus me abandonou, sinto antes que Ele vela por mim, preocupado. Ajuda-me, não resolvendo os meus problemas, mas deixando-Se fazer sentir a meu lado.
Mas disso não falamos. Tratamos de tudo como se valesse a pena. Mantemos o rumo, sabendo também que já não podemos mudá-lo.
No meio disto tudo não sinto que Deus me abandonou, sinto antes que Ele vela por mim, preocupado. Ajuda-me, não resolvendo os meus problemas, mas deixando-Se fazer sentir a meu lado.
terça-feira, dezembro 16, 2003
Evangélhicos
O meu vizinho evangélico declara-se apócrifo. Permito-me discordar. Mas também não o acho sinóptico. Talvez místico. Como S.João.
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Catolicismo, en passant
Caro P.:
Começo por autorizá-lo a citar esta nossa correspondência. Eu também o farei. Quanto ao meu nome prefiro mantê-lo anónimo. E explico-lhe porquê: por razões que já aqui expliquei, faz parte da filosofia do Guia que o seu autor permaneça anónimo, pelo menos até ver. Escusa de pensar que por trás disto está algum personagem mediático. De modo algum. A mim só me conhecem os meus familiares, os meus amigos, os meus colegas e, eventualmente, os meus vizinhos. O carácter anónimo do blogue é devido fundamentalmente ao facto de ele ser escrito para mim próprio, para que eu perceba finalmente aquilo em que verdadeiramente acredito. E curiosamente parece que a minha Fé aumentou desde então. O blogue acabou por ser para mim ao mesmo tempo um espaço de reflexão pura e um espaço para durante uns minutos diários escapar da minha tormentosa refrega profissional. Você vai achar isto bacôco mas digo-lhe que ao escrever alguns dos posts, senti passar pelos meus dedos a inspiração do Espírito Santo. Mas isso agora não interessa.
O carácter anónimo do blogue tem também outra razão, esta bem menos nobre: nele eu escrevo aquilo que sinto profundamente mas que não uso afirmar de viva voz, pelo menos publicamente. E porque não o faço? Sabe que tempos já houveram em que os cristãos eram perseguidos, outros em que foram perseguidores. Hoje, com a absoluta secularização deste nosso mundo ocidental, e apesar da Igreja ser ainda uma realidade institucional forte e presente, não é fácil ser cristão e católico fora dos adros das igrejas. Há 1.800 anos enfrentávamos a perseguição, o martírio e contudo sobrevivemos e prosperámos. Hoje enfrentamos algo muito pior, ou pelo menos muito mais difícil de fazer face com dignidade: o desprezo, o desdém, a incompreensão, o paternalismo irónico dos incréus. Como entenderá perfeitamente, isso é bem mais chato de enfrentar do que o ódio puro e simples.
Aliás é curioso que este pathos atinge mais aqueles cujo cristianismo é mais institucional, ou seja os católicos, do que os protestantes, que afirmam mais alto a sua visão minoritária, aqui mesmo na blogosfera – veja o Tiago “Voz do Deserto”, os Bengelsdorff. Como os invejo às vezes...
Agora deixe-me rebater alguns dos seus comentários:
Fala você do seu ateísmo tranquilo e, com graça, do baptismo da sua filha como uma "pré-inscrição não-vinculativa na religião dominante da sociedade”. Ó P., é preciso ser ateu para achar que o catolicismo é a religião dominante da sociedade. Só se fôr na Sociedade das Religiosas Reparadoras da Nossa Senhora das Dores de Fátima.
Desafia-me você: “Aponte-me uma organização religiosa sem pecado”. Não consigo. Nem religiosa nem qualquer outro tipo de organização humana.
Diz você: “separo os indivíduos das organizações”. Também eu. E também separo a essência da Fé das práticas da Igreja.
Pergunta você, com ânsia epistemológica: “como SEI que Deus existe?, como posso provar isso, a mim e aos que me questionam?”. Se eu SOUBESSE que Deus existe, não teria a experiência da Fé que é algo que que me torna melhor, mais humano. Enquanto vivo por este mundo prefiro acreditar em Deus do que SABER que Ele existe e como é.
Insta-me você, com autoridade: “Não me responda com mais dogmas”. Deixe-me que lhe diga que o dogma não faz parte da minha Fé. Não há NADA em que eu acredite pelo facto da Igreja o proclamar como dogma. Se ler um dos meus posts sobre o assunto verá que os dogmas e a infalibilidade papal são coisas altamente polémicas. São enxertos à nossa Fé original em Cristo. Não os valorizo. Acredito na autoridade papal, não na sua infalibilidade. Diz você que “páro quando se entra na zona que me está vedada: o dogma”. Não páre. Passe por cima.
Diz você, em tom oracular: “no meu entender o cristianismo já passou há muito o prazo de validade. Passou-o no dia em que a História ficou mais rápida que a capacidade do cristianismo de a encaixar, perceber, acompanhar”. Aqui engana-se simplesmente: o Cristianismo, o verdadeiro, o original, o dos primeiros cristãos está mais actual do que nunca. Quanto à História, essa não tem de ser encaixada, acompanhada pelo cristianismo. O cristianismo é o que é, o hinduísmo é o que é, o budismo é o que é, o islamismo é o que é. A Fé dos crentes não incide sobre este mundo, não tem de se encaixar em nada. Nem nada é obrigado a encaixar-se na Fé.
Ainda a propósito da História, dê-me o gosto de terminar com uma citação erudita. Disse Malraux há mais de trinta anos: “o século XXI será o século das religiões”. Pelo que temos vindo a assistir parece que vai ser mesmo assim.
Um abraço com estima.
Começo por autorizá-lo a citar esta nossa correspondência. Eu também o farei. Quanto ao meu nome prefiro mantê-lo anónimo. E explico-lhe porquê: por razões que já aqui expliquei, faz parte da filosofia do Guia que o seu autor permaneça anónimo, pelo menos até ver. Escusa de pensar que por trás disto está algum personagem mediático. De modo algum. A mim só me conhecem os meus familiares, os meus amigos, os meus colegas e, eventualmente, os meus vizinhos. O carácter anónimo do blogue é devido fundamentalmente ao facto de ele ser escrito para mim próprio, para que eu perceba finalmente aquilo em que verdadeiramente acredito. E curiosamente parece que a minha Fé aumentou desde então. O blogue acabou por ser para mim ao mesmo tempo um espaço de reflexão pura e um espaço para durante uns minutos diários escapar da minha tormentosa refrega profissional. Você vai achar isto bacôco mas digo-lhe que ao escrever alguns dos posts, senti passar pelos meus dedos a inspiração do Espírito Santo. Mas isso agora não interessa.
O carácter anónimo do blogue tem também outra razão, esta bem menos nobre: nele eu escrevo aquilo que sinto profundamente mas que não uso afirmar de viva voz, pelo menos publicamente. E porque não o faço? Sabe que tempos já houveram em que os cristãos eram perseguidos, outros em que foram perseguidores. Hoje, com a absoluta secularização deste nosso mundo ocidental, e apesar da Igreja ser ainda uma realidade institucional forte e presente, não é fácil ser cristão e católico fora dos adros das igrejas. Há 1.800 anos enfrentávamos a perseguição, o martírio e contudo sobrevivemos e prosperámos. Hoje enfrentamos algo muito pior, ou pelo menos muito mais difícil de fazer face com dignidade: o desprezo, o desdém, a incompreensão, o paternalismo irónico dos incréus. Como entenderá perfeitamente, isso é bem mais chato de enfrentar do que o ódio puro e simples.
Aliás é curioso que este pathos atinge mais aqueles cujo cristianismo é mais institucional, ou seja os católicos, do que os protestantes, que afirmam mais alto a sua visão minoritária, aqui mesmo na blogosfera – veja o Tiago “Voz do Deserto”, os Bengelsdorff. Como os invejo às vezes...
Agora deixe-me rebater alguns dos seus comentários:
Fala você do seu ateísmo tranquilo e, com graça, do baptismo da sua filha como uma "pré-inscrição não-vinculativa na religião dominante da sociedade”. Ó P., é preciso ser ateu para achar que o catolicismo é a religião dominante da sociedade. Só se fôr na Sociedade das Religiosas Reparadoras da Nossa Senhora das Dores de Fátima.
Desafia-me você: “Aponte-me uma organização religiosa sem pecado”. Não consigo. Nem religiosa nem qualquer outro tipo de organização humana.
Diz você: “separo os indivíduos das organizações”. Também eu. E também separo a essência da Fé das práticas da Igreja.
Pergunta você, com ânsia epistemológica: “como SEI que Deus existe?, como posso provar isso, a mim e aos que me questionam?”. Se eu SOUBESSE que Deus existe, não teria a experiência da Fé que é algo que que me torna melhor, mais humano. Enquanto vivo por este mundo prefiro acreditar em Deus do que SABER que Ele existe e como é.
Insta-me você, com autoridade: “Não me responda com mais dogmas”. Deixe-me que lhe diga que o dogma não faz parte da minha Fé. Não há NADA em que eu acredite pelo facto da Igreja o proclamar como dogma. Se ler um dos meus posts sobre o assunto verá que os dogmas e a infalibilidade papal são coisas altamente polémicas. São enxertos à nossa Fé original em Cristo. Não os valorizo. Acredito na autoridade papal, não na sua infalibilidade. Diz você que “páro quando se entra na zona que me está vedada: o dogma”. Não páre. Passe por cima.
Diz você, em tom oracular: “no meu entender o cristianismo já passou há muito o prazo de validade. Passou-o no dia em que a História ficou mais rápida que a capacidade do cristianismo de a encaixar, perceber, acompanhar”. Aqui engana-se simplesmente: o Cristianismo, o verdadeiro, o original, o dos primeiros cristãos está mais actual do que nunca. Quanto à História, essa não tem de ser encaixada, acompanhada pelo cristianismo. O cristianismo é o que é, o hinduísmo é o que é, o budismo é o que é, o islamismo é o que é. A Fé dos crentes não incide sobre este mundo, não tem de se encaixar em nada. Nem nada é obrigado a encaixar-se na Fé.
Ainda a propósito da História, dê-me o gosto de terminar com uma citação erudita. Disse Malraux há mais de trinta anos: “o século XXI será o século das religiões”. Pelo que temos vindo a assistir parece que vai ser mesmo assim.
Um abraço com estima.
Este vai sem título
Como o CC disse à dias, o catolicismo anda sob escrutínio na blogosfera. Vou de seguida trancrever (adaptando ligeiramente) uma resposta minha num diálogo via mail com um blogger de referência, sim, sim, de referência! Não vou dizer qual por óbvias razões de equidade pois também não digo o meu nome.
A propósito do meu nome, quero aqui responder a uma pergunta que me tem sido feita insistentemente: não, não me chamo Maimónides! E acho sinceramente que esse grande homem não se importaria nada que eu lhe usasse o título neste blogue. Shalom!
A propósito do meu nome, quero aqui responder a uma pergunta que me tem sido feita insistentemente: não, não me chamo Maimónides! E acho sinceramente que esse grande homem não se importaria nada que eu lhe usasse o título neste blogue. Shalom!
domingo, dezembro 14, 2003
Nota rodoviária
Meu caro CC, amigo e irmão:
Se um dia, ao circular no IC19, você passar por uma Audi A6 batida no carro da frente, peço-lhe que não se ria. Poderá ter sido eu a falhar a minha passagem pelo buraco da agulha...
Se um dia, ao circular no IC19, você passar por uma Audi A6 batida no carro da frente, peço-lhe que não se ria. Poderá ter sido eu a falhar a minha passagem pelo buraco da agulha...
sexta-feira, dezembro 12, 2003
Dead end?
Hoje, dia em que a última das portas parece fechar-se inexoravelmente, arrumo maquinalmente os papéis da secretária, olho para cada um dos que me rodeiam e rezo, por mim e por eles:
Meu Deus,
Livra-me do medo.
Livra-me da frustração.
Deixa-me chegar ao meu destino.
E vou para casa. Segunda-feira se verá. Bom fim de semana.
Meu Deus,
Livra-me do medo.
Livra-me da frustração.
Deixa-me chegar ao meu destino.
E vou para casa. Segunda-feira se verá. Bom fim de semana.
Perder o que não temos, recuperar o que nunca tivemos
Caro Emílio,
Também eu fui educado como católico e todavia não é por isso que ainda o sou. Diria antes que é apesar disso que o sou. Aliás, a educação católica é algo que em rigor não existe. Não somos como os muçulmanos nem temos as madrassas que eles tem. A nossa chamada educação católica não é mais do que educação geral num ambiente exteriormente católico. Obviamente, a educação religiosa não deve servir para nos impôr a Fé. Isso simplesmente não é possível. Mas o que deveria fazer era pôr-nos minimamente em contacto com o conteúdo ou contexto histórico, filosófico, sociológico e cultural da nossa Fé. E é aí que a coisa falha normalmente. Senão como explicar que eu, tendo andado na catequese até aos 14 anos (e dela saí quando, embora não assumidamente, tinha já perdido a minha primeira fé), só já depois dos 30 é que percebi a simbologia do Génesis e a relação entre Antigo e Novo Testamentos, só depois dos 30 é que li os Evangelhos na íntegra, só perto dos 40 é que, como dizia S.Tomás de Aquino, comecei a ter alguma inteligibilidade na minha Fé. Mas não é sobre a educação católica que você me veio falar. É sobre a perda da Fé.
Eu conheço quem diga que perdeu a Fé mas aquilo que verdadeiramente perdeu foi a convicção de que tinha fé pois, verdadeiramente, nunca a teve ou já a perdera há muito. Volto ao meu caso pessoal: durante anos fingi a mim próprio que tinha fé e só a recuperei algum tempo depois de ter interiorizado que já não a tinha mais.
Quero com isto dizer o seguinte: quando pensamos que estamos a perder a fé devemos primeiro pensar como é a fé que ainda temos, devemos sobretudo pensar porque a temos. E as respostas são normalmente desanimadoras pois descobrimos muitas vezes que a nossa fé não tem uma base sólida, não tem raízes dentro de nós, é algo a que aderimos por inércia, por tradição, simplesmente porque sim. Mas, apesar disso, sentimo-la como algo que nos faz falta, algo que completa a nossa condição humana, algo que poderia dar um maior sentido às nossas vidas e por isso não a queremos perder. Ora esta altura, em que o Emílio parece estar, é a ocasião por excelência para recuperar, ou melhor, para adquirir a verdadeira Fé. E para isso devemos esquecer a nossa educação católica, devemos começar tudo de novo. E naturalmente pelas origens, pela Palavra de Deus, pelo Cristo dos Evangelhos. Se os lermos com abertura de espírito e de coração, sem ideias feitas, vamos descobrir lá coisas espantosas, belíssimas, transcendentes. Vamos descobrir lá, lendo simplesmente, que Deus não é nosso Senhor mas nosso Pai e que nos ama como Seus filhos. Vamos descobrir que:
"Ele nos formou à Sua imagem e semelhança, e enviou-nos o Seu Filho Unigénito, prometendo-nos o Reino dos Céus, que dará aos que O tiverem amado. Com toda a clemência e doçura, tal como um rei envia o rei seu filho, Ele O enviou não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens, para nos salvar pela persuasão, não pela violência, porque não há violência em Deus. Ele enviou-O para nos chamar para Ele, não para nos acusar: enviou-O porque nos amou, não para nos julgar" (Diogn.).
E percebendo a nossa qualidade de filhos amados de Deus, discernindo em nós, na nossa natureza, aquilo que é de matéria divina e a que chamamos alma, encontramos então a verdadeira Fé, uma fé que nos engrandece mas que nos torna humildes, uma fé que nos suaviza mas que nos torna fortes, uma fé que nos chama para junto Dele mas que nos ensina a viver, uma fé que nos faz saber amar e saber sofrer, uma fé que nos enche mas não de nós próprios, uma fé que nos alimenta e nos consome, uma fé que confia mas anseia.
Caro Emílio, a Fé é de tal modo uma benção que devemos lutar, até contra nós próprios, para voltar a tê-la de novo. Diz você que “não posso reencontrar a fé pelo raciocínio” e que talvez ela lhe surja se “a emulsão que é o meu "caldo" mental em ebulição, for expurgada de tudo o que é humanamente lógico”. Aí não concordo consigo. Para mim, o raciocínio e a lógica são também fundamentais para se alcançar a Fé. Só que esse raciocínio não leva a lado nenhum se se desenvolver em circuito fechado, sem substrato, nesse caldo mental que você menciona. Porém se esse raciocínio for aplicado à Verdade revelada por Cristo e fixada nas escrituras, esse raciocínio pode levar à Fé.
Há uma frase de Sto.Anselmo, já aqui citada e que, presumo, lhe dirá algo: “Não busco compreender para crer, mas creio, sim, para compreender. Creio, porque se não cresse, não chegaria nunca a compreender e, meu Deus, como quero compreender-Te!”.
A Fé que hoje eu tenho não é, como você diz, inabalável. Será porventura forte mas não o suficiente para que a minha vida seja coerente com ela, para que “crendo em Cristo, eu tenha a vida em Seu nome”. E essa incoerência causa-me um mal-estar que me leva muitas vezes a duvidar de mim como crente mas que, todavia, não me faz nunca pôr em causa a Fé em si mesma. Quer isto dizer que nos momentos mais negros é de mim próprio que duvido. Nunca de Deus.
Também eu fui educado como católico e todavia não é por isso que ainda o sou. Diria antes que é apesar disso que o sou. Aliás, a educação católica é algo que em rigor não existe. Não somos como os muçulmanos nem temos as madrassas que eles tem. A nossa chamada educação católica não é mais do que educação geral num ambiente exteriormente católico. Obviamente, a educação religiosa não deve servir para nos impôr a Fé. Isso simplesmente não é possível. Mas o que deveria fazer era pôr-nos minimamente em contacto com o conteúdo ou contexto histórico, filosófico, sociológico e cultural da nossa Fé. E é aí que a coisa falha normalmente. Senão como explicar que eu, tendo andado na catequese até aos 14 anos (e dela saí quando, embora não assumidamente, tinha já perdido a minha primeira fé), só já depois dos 30 é que percebi a simbologia do Génesis e a relação entre Antigo e Novo Testamentos, só depois dos 30 é que li os Evangelhos na íntegra, só perto dos 40 é que, como dizia S.Tomás de Aquino, comecei a ter alguma inteligibilidade na minha Fé. Mas não é sobre a educação católica que você me veio falar. É sobre a perda da Fé.
Eu conheço quem diga que perdeu a Fé mas aquilo que verdadeiramente perdeu foi a convicção de que tinha fé pois, verdadeiramente, nunca a teve ou já a perdera há muito. Volto ao meu caso pessoal: durante anos fingi a mim próprio que tinha fé e só a recuperei algum tempo depois de ter interiorizado que já não a tinha mais.
Quero com isto dizer o seguinte: quando pensamos que estamos a perder a fé devemos primeiro pensar como é a fé que ainda temos, devemos sobretudo pensar porque a temos. E as respostas são normalmente desanimadoras pois descobrimos muitas vezes que a nossa fé não tem uma base sólida, não tem raízes dentro de nós, é algo a que aderimos por inércia, por tradição, simplesmente porque sim. Mas, apesar disso, sentimo-la como algo que nos faz falta, algo que completa a nossa condição humana, algo que poderia dar um maior sentido às nossas vidas e por isso não a queremos perder. Ora esta altura, em que o Emílio parece estar, é a ocasião por excelência para recuperar, ou melhor, para adquirir a verdadeira Fé. E para isso devemos esquecer a nossa educação católica, devemos começar tudo de novo. E naturalmente pelas origens, pela Palavra de Deus, pelo Cristo dos Evangelhos. Se os lermos com abertura de espírito e de coração, sem ideias feitas, vamos descobrir lá coisas espantosas, belíssimas, transcendentes. Vamos descobrir lá, lendo simplesmente, que Deus não é nosso Senhor mas nosso Pai e que nos ama como Seus filhos. Vamos descobrir que:
"Ele nos formou à Sua imagem e semelhança, e enviou-nos o Seu Filho Unigénito, prometendo-nos o Reino dos Céus, que dará aos que O tiverem amado. Com toda a clemência e doçura, tal como um rei envia o rei seu filho, Ele O enviou não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens, para nos salvar pela persuasão, não pela violência, porque não há violência em Deus. Ele enviou-O para nos chamar para Ele, não para nos acusar: enviou-O porque nos amou, não para nos julgar" (Diogn.).
E percebendo a nossa qualidade de filhos amados de Deus, discernindo em nós, na nossa natureza, aquilo que é de matéria divina e a que chamamos alma, encontramos então a verdadeira Fé, uma fé que nos engrandece mas que nos torna humildes, uma fé que nos suaviza mas que nos torna fortes, uma fé que nos chama para junto Dele mas que nos ensina a viver, uma fé que nos faz saber amar e saber sofrer, uma fé que nos enche mas não de nós próprios, uma fé que nos alimenta e nos consome, uma fé que confia mas anseia.
Caro Emílio, a Fé é de tal modo uma benção que devemos lutar, até contra nós próprios, para voltar a tê-la de novo. Diz você que “não posso reencontrar a fé pelo raciocínio” e que talvez ela lhe surja se “a emulsão que é o meu "caldo" mental em ebulição, for expurgada de tudo o que é humanamente lógico”. Aí não concordo consigo. Para mim, o raciocínio e a lógica são também fundamentais para se alcançar a Fé. Só que esse raciocínio não leva a lado nenhum se se desenvolver em circuito fechado, sem substrato, nesse caldo mental que você menciona. Porém se esse raciocínio for aplicado à Verdade revelada por Cristo e fixada nas escrituras, esse raciocínio pode levar à Fé.
Há uma frase de Sto.Anselmo, já aqui citada e que, presumo, lhe dirá algo: “Não busco compreender para crer, mas creio, sim, para compreender. Creio, porque se não cresse, não chegaria nunca a compreender e, meu Deus, como quero compreender-Te!”.
A Fé que hoje eu tenho não é, como você diz, inabalável. Será porventura forte mas não o suficiente para que a minha vida seja coerente com ela, para que “crendo em Cristo, eu tenha a vida em Seu nome”. E essa incoerência causa-me um mal-estar que me leva muitas vezes a duvidar de mim como crente mas que, todavia, não me faz nunca pôr em causa a Fé em si mesma. Quer isto dizer que nos momentos mais negros é de mim próprio que duvido. Nunca de Deus.
quinta-feira, dezembro 11, 2003
Palavras
Amigo e vizinho,
Eu também tenho medo daquilo que calo mas tenho um medo muitíssimo maior do que falo e escrevo. Conforme lhe disse, eu acho que as palavras são instrumento do mais insidioso dos pecados, o orgulho. O silêncio, esse, pode ser sinal de cobardia mas costuma mais ser sinal de humildade. Muitas vezes escrevo aqui aquilo que sinto não só porque o sinto mas porque me agrada escrevê-lo, agrada-me encontrar as palavras certas e belas para o exprimir. Aquele post sobre os colunistas, comecei a escrevê-lo por irritação mas acabei-o saboreando uma auto-satisfação pueril e estéril. Até discernir em mim um daqueles tristes colunistas de que eu falava.
Eu tenho o pavor do orgulho. Ele está em mim e destrói-me enquanto homem e enquanto crente. É ele que me faz amar os meus defeitos apesar de me arrepender dos meus pecados. Orgulhar-me da minha Fé é algo que a desvaloriza aos meus olhos e certamente aos de Deus.
Eu preciso muito de ter cuidado com as palavras e fazer como você: deixá-las cair. Pois as nossas palavras pouca importância tem perante a Palavra. A nossa Fé não precisa de muitas palavras para ser exprimida: só precisa das palavras certas.
Eu também tenho medo daquilo que calo mas tenho um medo muitíssimo maior do que falo e escrevo. Conforme lhe disse, eu acho que as palavras são instrumento do mais insidioso dos pecados, o orgulho. O silêncio, esse, pode ser sinal de cobardia mas costuma mais ser sinal de humildade. Muitas vezes escrevo aqui aquilo que sinto não só porque o sinto mas porque me agrada escrevê-lo, agrada-me encontrar as palavras certas e belas para o exprimir. Aquele post sobre os colunistas, comecei a escrevê-lo por irritação mas acabei-o saboreando uma auto-satisfação pueril e estéril. Até discernir em mim um daqueles tristes colunistas de que eu falava.
Eu tenho o pavor do orgulho. Ele está em mim e destrói-me enquanto homem e enquanto crente. É ele que me faz amar os meus defeitos apesar de me arrepender dos meus pecados. Orgulhar-me da minha Fé é algo que a desvaloriza aos meus olhos e certamente aos de Deus.
Eu preciso muito de ter cuidado com as palavras e fazer como você: deixá-las cair. Pois as nossas palavras pouca importância tem perante a Palavra. A nossa Fé não precisa de muitas palavras para ser exprimida: só precisa das palavras certas.
Nota blogosferiana
O CC tem toda a razão. Parece que de repente o catolicismo anda por aí a ser discutido. Parece que os blogs católicos foram por aí notados e a multidão agnóstica lança um olhar curioso sobre nós.
Eu disse católicos mas devia dizer cristãos pois aqui na blogosfera são os protestantes quem serve as melhores postas. O problema é que os agnósticos tomam a nuvem por Juno e acabam por atentar mais no mundo católico. Certamente porque a nossa Santa Madre Igreja está, como sempre esteve, mais a jeito para ser opinada.
Ora realmente sente-se uma curiosidade inteligente sobre como somos, o que pensamos, como conciliamos a nossa Fé com a vida de hoje, como nos relacionamos com a nossa Igreja, como nos posicionamos politicamente, enfim tudo. O CC descreve bem isto num post recente. E a ignorância que mostram sobre nós, sobre o cristianismo e o catolicismo é verdadeiramente emocionante. É claro que não censuro ninguém por isso. A ignorância que mostram é tão somente a medida da enorme, absoluta, generalizada secularização do mundo ocidental de hoje. Se os próprios cristãos ignoram aspectos fundamentais da sua fé como se poderia exigir que os agnósticos a conhecessem melhor?
Mas, enfim, fomos lançados por alguns dias na efémera agenda da blogosfera. Mas não duvido que isto seja circunstancial. Basta um blog importante como o Aviz mencionar o assunto que isso provoca logo ressonância pela blogosfera afora. Aliás é interessante constatar da influência deste blogue. Nos dias a seguir a ter mencionado, entre outros, o Guia, foi impressionante verificar o aumento da visitação aqui deste humilde lugar. E tirando aqueles 6 ou 7 leitores que eu já bem os conheço, vieram praticamente todos via Aviz. Indo à minha terminologia profissional eu poderia dizer que o Aviz é um tremendo gerador de tráfego. Devia cobrar royalties. E bem os mereceria pois ele é um dos mais belos blogues que conheço. O Francisco é alguém que parece estar em paz consigo e com os outros. É definitivamente o tipo de pessoa com quem é bom conversar. É alguém que procura não a frase mas a verdade. Honraria qualquer religião a que pertencesse.
Ainda a propósito desta curiosidade sobre o catolicismo recebi aí uns mails interessantes e inquiridores, sobre os quais hei-de postar mais tarde.
Eu disse católicos mas devia dizer cristãos pois aqui na blogosfera são os protestantes quem serve as melhores postas. O problema é que os agnósticos tomam a nuvem por Juno e acabam por atentar mais no mundo católico. Certamente porque a nossa Santa Madre Igreja está, como sempre esteve, mais a jeito para ser opinada.
Ora realmente sente-se uma curiosidade inteligente sobre como somos, o que pensamos, como conciliamos a nossa Fé com a vida de hoje, como nos relacionamos com a nossa Igreja, como nos posicionamos politicamente, enfim tudo. O CC descreve bem isto num post recente. E a ignorância que mostram sobre nós, sobre o cristianismo e o catolicismo é verdadeiramente emocionante. É claro que não censuro ninguém por isso. A ignorância que mostram é tão somente a medida da enorme, absoluta, generalizada secularização do mundo ocidental de hoje. Se os próprios cristãos ignoram aspectos fundamentais da sua fé como se poderia exigir que os agnósticos a conhecessem melhor?
Mas, enfim, fomos lançados por alguns dias na efémera agenda da blogosfera. Mas não duvido que isto seja circunstancial. Basta um blog importante como o Aviz mencionar o assunto que isso provoca logo ressonância pela blogosfera afora. Aliás é interessante constatar da influência deste blogue. Nos dias a seguir a ter mencionado, entre outros, o Guia, foi impressionante verificar o aumento da visitação aqui deste humilde lugar. E tirando aqueles 6 ou 7 leitores que eu já bem os conheço, vieram praticamente todos via Aviz. Indo à minha terminologia profissional eu poderia dizer que o Aviz é um tremendo gerador de tráfego. Devia cobrar royalties. E bem os mereceria pois ele é um dos mais belos blogues que conheço. O Francisco é alguém que parece estar em paz consigo e com os outros. É definitivamente o tipo de pessoa com quem é bom conversar. É alguém que procura não a frase mas a verdade. Honraria qualquer religião a que pertencesse.
Ainda a propósito desta curiosidade sobre o catolicismo recebi aí uns mails interessantes e inquiridores, sobre os quais hei-de postar mais tarde.
terça-feira, dezembro 09, 2003
Short break
Benvindo sejas de volta, CC amigo. Agora sou eu que vou uns dias para outras paragens.
Nota profana - sequela
Eu ponho-me a falar de assuntos que não me dizem respeito e descubro agora que ao mesmo tempo que eu descarregava a minha bílis sobre os colunistas, alguém que eu não conhecia, dissertava sobre eles com muito mais perspicácia e conhecimento: envio a devida vénia para Guerra e Pas. Aos interessados no maravilhoso mundo dos colunistas recomendo a leitura, até porque vai continuar.
segunda-feira, dezembro 08, 2003
Concepções
A Imaculada Conceição de Maria é uma festa católica que sempre me mereceu alguma reserva mental, por várias razões. Uma delas é que a devoção mariana nunca foi uma trave mestra da minha Fé. A outra tem a ver com a renitência que sempre senti em relação a dogmas de Fé sobretudo se se destinaram a instituir atributos com 19 séculos de atraso em relação à vida da pessoa em causa. Finalmente, porque existe uma relação estreita entre o conceito instituído de Imaculada Conceição e a noção agostiniana do pecado original. Isto é, admitir que Maria nasceu sem a mácula do pecado original é admitir que este está ligado ao acto da concepção e isso, como já aqui disse, simplesmente não consigo aceitar.
Esta reserva mental, hoje como em todos os anos, fez-me hesitar em ir à missa nesta data. Como sempre acabei por ir, só à das sete, na igreja da minha juventude, a de S.Sebastião da Pedreira. Aí encontrei um velho conhecido, o Pe.Cordeiro, que numa homilia brilhante acabou por ir ao encontro das minhas dúvidas.
Dizia ele que era já tempo de entendermos o pecado original como ele é: é o querer não precisarmos de Deus, é querermos ter em nós a chave da nossa vida, do bem e do mal. Dizia ele que o baptismo não retira nada ao homem, não limpa qualquer mácula. O que ele faz é dar algo. Dar ao baptizado a Graça santificante de Deus, dar não a Fé por si só mas a possibilidade da Fé. A Fé que permite ao homem saber aquilo que verdadeiramente é, filho amado de Deus.
Nesse sentido, aquilo que Maria teve de único não foi uma concepção sobrenatural mas sim ter nascido já cheia da Graça de Deus, ter o Senhor consigo e estar ela no Senhor. O anjo disse-lhe: "Ave Maria, cheia de Graça, o Senhor está contigo". E ela disse sim a Deus, respondendo-lhe: "Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade". A Graça de Deus é isto mesmo. É ser-se capaz duma atitude assim a que aspiram os verdadeiros Crentes. Ao fim e ao cabo a Imaculada Conceição tem tudo a ver com a Graça, tem tudo a ver com a dádiva de nós próprios.
A história da Igreja tem destas coisas: mesmo após séculos de erros e desvios, apesar de teologias e de doutores da Igreja, a Verdade simples e essencial de Cristo acaba por vir até nós Crentes. Graças a Deus.
Ainda a propósito deste assunto, descobri hoje através do Religionline, um interessante blog de reflexão católica em língua inglesa :Disputations. A explorar nos próximos tempos.
Esta reserva mental, hoje como em todos os anos, fez-me hesitar em ir à missa nesta data. Como sempre acabei por ir, só à das sete, na igreja da minha juventude, a de S.Sebastião da Pedreira. Aí encontrei um velho conhecido, o Pe.Cordeiro, que numa homilia brilhante acabou por ir ao encontro das minhas dúvidas.
Dizia ele que era já tempo de entendermos o pecado original como ele é: é o querer não precisarmos de Deus, é querermos ter em nós a chave da nossa vida, do bem e do mal. Dizia ele que o baptismo não retira nada ao homem, não limpa qualquer mácula. O que ele faz é dar algo. Dar ao baptizado a Graça santificante de Deus, dar não a Fé por si só mas a possibilidade da Fé. A Fé que permite ao homem saber aquilo que verdadeiramente é, filho amado de Deus.
Nesse sentido, aquilo que Maria teve de único não foi uma concepção sobrenatural mas sim ter nascido já cheia da Graça de Deus, ter o Senhor consigo e estar ela no Senhor. O anjo disse-lhe: "Ave Maria, cheia de Graça, o Senhor está contigo". E ela disse sim a Deus, respondendo-lhe: "Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade". A Graça de Deus é isto mesmo. É ser-se capaz duma atitude assim a que aspiram os verdadeiros Crentes. Ao fim e ao cabo a Imaculada Conceição tem tudo a ver com a Graça, tem tudo a ver com a dádiva de nós próprios.
A história da Igreja tem destas coisas: mesmo após séculos de erros e desvios, apesar de teologias e de doutores da Igreja, a Verdade simples e essencial de Cristo acaba por vir até nós Crentes. Graças a Deus.
Ainda a propósito deste assunto, descobri hoje através do Religionline, um interessante blog de reflexão católica em língua inglesa :Disputations. A explorar nos próximos tempos.
domingo, dezembro 07, 2003
Poucas palavras
Como de costume, o meu vizinho diz tudo, e numa linha só: "não é a morte que me aproxima da fé; é a fé que me explica a morte".
Amen.
Amen.
sexta-feira, dezembro 05, 2003
Nota profana
Caríssima Maria:
Li o seu post sobre a opinião dum so-called monstro sagrado do nosso meio jornalístico e bloguístico sobre a Madre Teresa de Calcutá e percebi a sua perturbação. A mim provocou-me foi irritação. Deixe-me dizer-lhe algumas coisas para a tranquilizar.
Não sei se é leitora de Eça de Queiroz. Se não é recomendo-lhe absolutamente toda a obra dele, livros, artigos, prefácios, cartas, tudo. Este homem prodigioso conseguiu apanhar como ninguém a verdadeira essência do carácter nacional. Mais do que isso, eu penso mesmo que ele teve artes diabólicas para fazer cristalizar o país na imagem que dele traçou. Depois de Queiroz, Portugal permaneceu queiroziano.
Com efeito, na nossa sociedade de hoje, tropeçamos a torto e direito com Abranhos, Gouvarinhos, Pachecos, Acácios, Dâmasos, Basílios, Amaros, Raposões, Alpedrinhas, titis Patrocínios, Gonçalos Ramires, Andrés Cavalheiros, Julianas, Artures Corvelos, Egas, Taveiras, Vilaças, Crafts, Amados, Palmas Cavaleiros e Cavalões, enfim esses e todos os outros.
Mais do que nos romances, é nos seus artigos de jornalista e na sua correspondência particular que a imagem do Portugal profundo ficou traçada e fixada para todo o sempre.
Vem isto a propósito de Eça ter escrito numerosas vezes que Portugal era um país de literatos: dentro de um carpinteiro vivia e chorava um poeta lírico, após ter um drama aplaudido no Sta.Maria um escritor era imediatamente convidado para ministro da Marinha. Há numa das Farpas de Eça uma descrição deliciosa duma visita real à província do Minho. Aí conta Eça que, nos caminhos da visita, a cada instante e “por detrás de cada árvore irrompiam cavalheiros de capa ou senhoras de vestido branco, lendo odes ou falas”.
Ora minha cara Maria, esta literatice geral do país manteve-se viçosa. Só que assumiu novas formas. O drama em cinco actos traduzido do francês desapareceu, a poesia essa manteve-se e prosperou, e apareceu algo de novo, algo que hoje constitui uma praga pior que a acácia: o colunismo e os colunistas. Colunistas políticos, económicos, culturais, de costumes, de tudo um pouco. Os seus começos foram auspiciosos: o “Visto” de Sá Carneiro no Expresso, os sintéticos editoriais de Vítor Direito no Correio da Manhã, as análises de Marcelo também no Expresso, as fantásticas crónicas do MEC, a coluna de Vítor Cunha Rego, a rezingona e profética coluna de Vasco Pulido Valente,etc. Hoje porém, todos são colunistas. Os jornais são 1/3 de notícias, 1/3 de publicidade e relatórios de contas, e 1/3 de colunas de opinião. E estes colunistas tem opinião sobre tudo, citam imenso, usam requintes estilísticos como se fossem poetas. Lê-se Nicolau Santos a citar Brecht a propósito do défice público. Lê-se o EPC a desbobinar textos crípticos sobre assuntos mínimos, citando autores atrás de autores, visíveis e invisíveis. Para toda esta gente inúmera a opinião deixou de ser simplesmente um direito, passou a ser uma obrigação, um modo de vida. E anda tudo à procura de causas, de polémicas, de revelações originais. Seguindo o exemplo superior de Eça, anda tudo à procura do seu Pinheiro Chagas, usando se preciso o bei de Tunes mais à mão. E tudo isto com o nosso lusitano amor pela forma em detrimento do conteúdo. Os Indys deste país e seus imitadores criaram um estilo de prosa que todos, sejam de esquerda ou de direita, seguem: um estilo forte, violento, conciso, terso, tenso, algo irritado. Um deles, e um dos melhores, Vicente Jorge Silva, chamou-lhes um dia as Cassandras dos nossos tempos.
E isto era na imprensa. Quando a blogosfera chegou, foi aberta a cornucópia. MILHARES de colunistas surgiram. O país tornou-se uma enorme colunata cujo fim já não se vislumbra. E o giro é que já se criaram padrões de comportamento dignos de serem estudados. Eles actuam como rebanho ou como matilha, consoante as circunstâncias, claro. A sua remuneração mais apreciada é serem citados. Ai como eles gostam de ser citados! Não pedem mais nada, isso lhes basta.
E são simpáticos: praticamente não houve blogue, por mais humilde que seja, que não assinalasse a chegada do hoje já mítico Causa Nossa. Uns com aplauso, outros com expectativa receosa de concorrência (mas em quê, meu Deus?), outros com azedume.
Ora nesta colunata blogosférica infinda existem colunas especias. Eu chamo-as de cariátides, pela elegância esculpida do estilo, pela preciosidade do entalhe, sobretudo pela altivez pétrea com que nos olham do seu pedestal.
Uma destas cariátides é sem dúvida uma personagem de mistério, colunista no Independente, mas que agora passou a beneficiar a blogosfera com a sua presença. Falo naturalmente do grande, do único, do nunca vislumbrável João Pereira Coutinho.
Nunca antes uma chegada à blogosfera tinha sido anunciada, divulgada e festejada da forma festiva, encomiástica e satisfeita como a desta grande figura. Deixem-me dizer que não o conheço, nunca o vi, descrição dele só conheço aquele desenho do seu site. E desse desenho melhor é não falar...
Enfim, passemos ao que interessa. Falou-me a Maria dum texto deste benemérito sobre a Madre Teresa. Fui logo lê-lo, receoso de ver desmantelada a imagem de alguém que venero. Desde o início senti-me logo intimidado. Primeiro na qualidade de europeu continental de civilização infinitamente inferior à do mundo anglo-saxónico. Só depois é que percebi que tal não era devido ao corte dos meus fatos, à excelência da seda das minhas gravatas, à qualidade da pele dos meus sapatos, mas sim à existência nesse outro mundo superior duma personagem até aí desconhecida para mim: o grande Christopher Hitchens, assombroso colunista da não menos assombrosa Vanity Fair. A seguir descubro que este grande homem escreveu um livro tremendo sobre a nossa santa, depois do qual dificilmente ela será vista com os mesmos olhos. Livro aliás com um título maroto e engenhoso: "The Missionary Position: Mother Theresa in Theory and Practice". Enfim, o grande Hitchens verbera a senhora pelo facto de com os milhões que angariou não se ter substituído ao estado indiano, que aliás gasta muitos mais milhões em programas nucleares, para “melhorar as condições primitivas dos hospitais indianos que essa «sacred cow» (palavras de Hitchens) piamente dirigia”. No fundo, no fundo o que este grande colunista, exemplar perfeito de uma espécie emergente, censura a Teresa de Calcutá é “a imagem desse primitivismo quase ascético, uma marca de despojamento e de santidade que infligiu em milhares de pessoas um sofrimento evitável”. Pois. Calculo que este senhor se horrorize a imaginar os seus tweeds a roçar sequer naqueles miseráveis junto dos quais comia e dormia a madre Teresa. Ele nem imagina sequer que para eles é muito mais importante terem a seu lado alguém que sofre com eles, chora com eles, que ora por eles, que fecha os seus olhos depois de eles morrerem, do que estarem numa enfermaria imaculada onde sejam tratados como camas ocupadas a desocupar quanto antes.
É de facto uma tristeza este nosso mundo ocidental, anglo-saxónico ou não: vaidade, vaidade, tudo é vaidade...o Eclesiastes é que tinha razão.
Ou como dizia o meu Avô: "tanta inteligência parva"!
Li o seu post sobre a opinião dum so-called monstro sagrado do nosso meio jornalístico e bloguístico sobre a Madre Teresa de Calcutá e percebi a sua perturbação. A mim provocou-me foi irritação. Deixe-me dizer-lhe algumas coisas para a tranquilizar.
Não sei se é leitora de Eça de Queiroz. Se não é recomendo-lhe absolutamente toda a obra dele, livros, artigos, prefácios, cartas, tudo. Este homem prodigioso conseguiu apanhar como ninguém a verdadeira essência do carácter nacional. Mais do que isso, eu penso mesmo que ele teve artes diabólicas para fazer cristalizar o país na imagem que dele traçou. Depois de Queiroz, Portugal permaneceu queiroziano.
Com efeito, na nossa sociedade de hoje, tropeçamos a torto e direito com Abranhos, Gouvarinhos, Pachecos, Acácios, Dâmasos, Basílios, Amaros, Raposões, Alpedrinhas, titis Patrocínios, Gonçalos Ramires, Andrés Cavalheiros, Julianas, Artures Corvelos, Egas, Taveiras, Vilaças, Crafts, Amados, Palmas Cavaleiros e Cavalões, enfim esses e todos os outros.
Mais do que nos romances, é nos seus artigos de jornalista e na sua correspondência particular que a imagem do Portugal profundo ficou traçada e fixada para todo o sempre.
Vem isto a propósito de Eça ter escrito numerosas vezes que Portugal era um país de literatos: dentro de um carpinteiro vivia e chorava um poeta lírico, após ter um drama aplaudido no Sta.Maria um escritor era imediatamente convidado para ministro da Marinha. Há numa das Farpas de Eça uma descrição deliciosa duma visita real à província do Minho. Aí conta Eça que, nos caminhos da visita, a cada instante e “por detrás de cada árvore irrompiam cavalheiros de capa ou senhoras de vestido branco, lendo odes ou falas”.
Ora minha cara Maria, esta literatice geral do país manteve-se viçosa. Só que assumiu novas formas. O drama em cinco actos traduzido do francês desapareceu, a poesia essa manteve-se e prosperou, e apareceu algo de novo, algo que hoje constitui uma praga pior que a acácia: o colunismo e os colunistas. Colunistas políticos, económicos, culturais, de costumes, de tudo um pouco. Os seus começos foram auspiciosos: o “Visto” de Sá Carneiro no Expresso, os sintéticos editoriais de Vítor Direito no Correio da Manhã, as análises de Marcelo também no Expresso, as fantásticas crónicas do MEC, a coluna de Vítor Cunha Rego, a rezingona e profética coluna de Vasco Pulido Valente,etc. Hoje porém, todos são colunistas. Os jornais são 1/3 de notícias, 1/3 de publicidade e relatórios de contas, e 1/3 de colunas de opinião. E estes colunistas tem opinião sobre tudo, citam imenso, usam requintes estilísticos como se fossem poetas. Lê-se Nicolau Santos a citar Brecht a propósito do défice público. Lê-se o EPC a desbobinar textos crípticos sobre assuntos mínimos, citando autores atrás de autores, visíveis e invisíveis. Para toda esta gente inúmera a opinião deixou de ser simplesmente um direito, passou a ser uma obrigação, um modo de vida. E anda tudo à procura de causas, de polémicas, de revelações originais. Seguindo o exemplo superior de Eça, anda tudo à procura do seu Pinheiro Chagas, usando se preciso o bei de Tunes mais à mão. E tudo isto com o nosso lusitano amor pela forma em detrimento do conteúdo. Os Indys deste país e seus imitadores criaram um estilo de prosa que todos, sejam de esquerda ou de direita, seguem: um estilo forte, violento, conciso, terso, tenso, algo irritado. Um deles, e um dos melhores, Vicente Jorge Silva, chamou-lhes um dia as Cassandras dos nossos tempos.
E isto era na imprensa. Quando a blogosfera chegou, foi aberta a cornucópia. MILHARES de colunistas surgiram. O país tornou-se uma enorme colunata cujo fim já não se vislumbra. E o giro é que já se criaram padrões de comportamento dignos de serem estudados. Eles actuam como rebanho ou como matilha, consoante as circunstâncias, claro. A sua remuneração mais apreciada é serem citados. Ai como eles gostam de ser citados! Não pedem mais nada, isso lhes basta.
E são simpáticos: praticamente não houve blogue, por mais humilde que seja, que não assinalasse a chegada do hoje já mítico Causa Nossa. Uns com aplauso, outros com expectativa receosa de concorrência (mas em quê, meu Deus?), outros com azedume.
Ora nesta colunata blogosférica infinda existem colunas especias. Eu chamo-as de cariátides, pela elegância esculpida do estilo, pela preciosidade do entalhe, sobretudo pela altivez pétrea com que nos olham do seu pedestal.
Uma destas cariátides é sem dúvida uma personagem de mistério, colunista no Independente, mas que agora passou a beneficiar a blogosfera com a sua presença. Falo naturalmente do grande, do único, do nunca vislumbrável João Pereira Coutinho.
Nunca antes uma chegada à blogosfera tinha sido anunciada, divulgada e festejada da forma festiva, encomiástica e satisfeita como a desta grande figura. Deixem-me dizer que não o conheço, nunca o vi, descrição dele só conheço aquele desenho do seu site. E desse desenho melhor é não falar...
Enfim, passemos ao que interessa. Falou-me a Maria dum texto deste benemérito sobre a Madre Teresa. Fui logo lê-lo, receoso de ver desmantelada a imagem de alguém que venero. Desde o início senti-me logo intimidado. Primeiro na qualidade de europeu continental de civilização infinitamente inferior à do mundo anglo-saxónico. Só depois é que percebi que tal não era devido ao corte dos meus fatos, à excelência da seda das minhas gravatas, à qualidade da pele dos meus sapatos, mas sim à existência nesse outro mundo superior duma personagem até aí desconhecida para mim: o grande Christopher Hitchens, assombroso colunista da não menos assombrosa Vanity Fair. A seguir descubro que este grande homem escreveu um livro tremendo sobre a nossa santa, depois do qual dificilmente ela será vista com os mesmos olhos. Livro aliás com um título maroto e engenhoso: "The Missionary Position: Mother Theresa in Theory and Practice". Enfim, o grande Hitchens verbera a senhora pelo facto de com os milhões que angariou não se ter substituído ao estado indiano, que aliás gasta muitos mais milhões em programas nucleares, para “melhorar as condições primitivas dos hospitais indianos que essa «sacred cow» (palavras de Hitchens) piamente dirigia”. No fundo, no fundo o que este grande colunista, exemplar perfeito de uma espécie emergente, censura a Teresa de Calcutá é “a imagem desse primitivismo quase ascético, uma marca de despojamento e de santidade que infligiu em milhares de pessoas um sofrimento evitável”. Pois. Calculo que este senhor se horrorize a imaginar os seus tweeds a roçar sequer naqueles miseráveis junto dos quais comia e dormia a madre Teresa. Ele nem imagina sequer que para eles é muito mais importante terem a seu lado alguém que sofre com eles, chora com eles, que ora por eles, que fecha os seus olhos depois de eles morrerem, do que estarem numa enfermaria imaculada onde sejam tratados como camas ocupadas a desocupar quanto antes.
É de facto uma tristeza este nosso mundo ocidental, anglo-saxónico ou não: vaidade, vaidade, tudo é vaidade...o Eclesiastes é que tinha razão.
Ou como dizia o meu Avô: "tanta inteligência parva"!
quinta-feira, dezembro 04, 2003
Brüders
Uma das boas coisas que me deu a blogosfera foi a possibilidade de conhecer melhor o pensamento cristão protestante. E confesso que tenho gostado do que tenho lido. A sua sensibilidade minoritária dá-lhes uma veemência que nos falta a nós católicos. Por ela trocava bem a nossa Concordata. Uns dos meus favoritos são os Bengeldorffs, que já há muito deveriam estar na minha lista de links. Eles tem duas coisas de que gosto muito: uma fé clara e livros para dar e vender.
quarta-feira, dezembro 03, 2003
Ao menos isso
Felizmente também há cristãos que sabem aplicar raciocínios rectos.
Eu bem dizia
As intervenções do calibre daquelas que comentei no post anterior são uma delícia para os barnabés deste mundo: "Pois obedeçam, não debatam, usem o método da temperatura, tenham 14 filhos, entreguem-se ao sexo duas vezes por ano e vivam como querem viver. Não temos nada a ver com isso. Mas, por favor, deixem-nos da mão. E, no próximo referendo sobre o aborto, não se esqueçam de repetir tudo isto."
A Fé é fundamental mas um bocadinho de inteligência também ajuda...
A Fé é fundamental mas um bocadinho de inteligência também ajuda...
Desencontros (2)
Desta feita foi no Público de hoje que li uma notícia segundo a qual “Grupos Católicos Pró-vida dizem que contracepção é primeira agressão à sexualidade”. Começo por ler, com simpatia e concordância, sobre a preocupação existente por “uma situação de sexo sem amor, amor sem filhos, filhos sem sexo, com todas as terríveis consequências ao nível da estruturação básica destas mesmas sociedades: filhos sem pais, pais divorciados, a multiplicação de experiências afectivas que não satisfazem”. Realmente, este caos relacional e familiar já começou há muito a fazer os seus estragos desestruturantes na nossa sociedade. Mas não é disso que quero falar.
Aquilo que mais me impressionou na notícia foram as interessantes considerações dum tal Ramos Ascensão, presidente da associação Mais Família, sobre as divergências que existem na Igreja Católica a propósito da encíclica Humanae Vitae que condena todas as formas de contracepção artificial. Este benemérito admite que "o debate existe”, mas que “é essencial a unidade em torno do Papa João Paulo II - cujas posições sobre o tema alinham com a encíclica”. Mas o mais surpreendente é que ele acha que "agora, mais do que debater, devemos estudar a doutrina e ter uma atitude de obediência na unidade". Extraordinário.
Eu, também pela minha parte, lhe recomendo que, já que para si a contracepção é um assunto tão importante, leia a doutrina, leia-a toda, leia Sto.Agostinho, campeão da castidade, mas que que dizia “unidade no essencial, liberdade no acessório, amor em tudo”. Leia mesmo tudo e diga-me aonde é que está escrito que a obediência é uma virtude teologal. Explique-me onde é que está escrito que obedecer é mais importante que debater a nossa Fé, a Fé de nós ambos. Leia lá bem a encíclica e veja bem se no fim ela se proclama definição ex-cathedra, pois somente assim ela poderia ser considerada verdade dogmática.
Meu irmão na Fé, não me interprete mal. Eu entendo que a banalização da sexualidade empobrece o homem e a mulher, reduz a sua dignidade. Algo que nos pode elevar acaba por nos rebaixar se não lhe dermos a devida reserva, o devido lugar. E é assim que entendo a posição da nossa Igreja, intransigente defensora da nossa dignidade enquanto Filhos de Deus. Agora o que não aceito é que nós católicos, em vez de oferecermos aos nossos irmãos, crentes não crentes, argumentos válidos, argumentos honestos, em vez de aceitarmos debater as nossas posições, atiremos para a mesa chavões como a “obediência na unidade”. Isso não só não convence ninguém como descredibiliza a doutrina cristã. E descredibilizando-a, tornam mais difíceis a nós cristãos os debates sobre assuntos que são realmente importantes. Ou não acha que o aborto, a SIDA, o direito à vida, são assuntos muito mais importantes do que os pundonores à volta da contracepção?
Aquilo que mais me impressionou na notícia foram as interessantes considerações dum tal Ramos Ascensão, presidente da associação Mais Família, sobre as divergências que existem na Igreja Católica a propósito da encíclica Humanae Vitae que condena todas as formas de contracepção artificial. Este benemérito admite que "o debate existe”, mas que “é essencial a unidade em torno do Papa João Paulo II - cujas posições sobre o tema alinham com a encíclica”. Mas o mais surpreendente é que ele acha que "agora, mais do que debater, devemos estudar a doutrina e ter uma atitude de obediência na unidade". Extraordinário.
Eu, também pela minha parte, lhe recomendo que, já que para si a contracepção é um assunto tão importante, leia a doutrina, leia-a toda, leia Sto.Agostinho, campeão da castidade, mas que que dizia “unidade no essencial, liberdade no acessório, amor em tudo”. Leia mesmo tudo e diga-me aonde é que está escrito que a obediência é uma virtude teologal. Explique-me onde é que está escrito que obedecer é mais importante que debater a nossa Fé, a Fé de nós ambos. Leia lá bem a encíclica e veja bem se no fim ela se proclama definição ex-cathedra, pois somente assim ela poderia ser considerada verdade dogmática.
Meu irmão na Fé, não me interprete mal. Eu entendo que a banalização da sexualidade empobrece o homem e a mulher, reduz a sua dignidade. Algo que nos pode elevar acaba por nos rebaixar se não lhe dermos a devida reserva, o devido lugar. E é assim que entendo a posição da nossa Igreja, intransigente defensora da nossa dignidade enquanto Filhos de Deus. Agora o que não aceito é que nós católicos, em vez de oferecermos aos nossos irmãos, crentes não crentes, argumentos válidos, argumentos honestos, em vez de aceitarmos debater as nossas posições, atiremos para a mesa chavões como a “obediência na unidade”. Isso não só não convence ninguém como descredibiliza a doutrina cristã. E descredibilizando-a, tornam mais difíceis a nós cristãos os debates sobre assuntos que são realmente importantes. Ou não acha que o aborto, a SIDA, o direito à vida, são assuntos muito mais importantes do que os pundonores à volta da contracepção?
terça-feira, dezembro 02, 2003
Desencontros (1)
Neste fim de semana deparei-me duas vezes com o teólogo espanhol Juan José Tamayo, actualmente proscrito pelo Vaticano e defensor da teologia da libertação aplicada entre nós, no primeiro mundo, às minorias, aos excluídos, aos últimos dos últimos. Uma vez foi no Sábado à tarde, na TSF, e a outra foi no Domingo, no Público. Ele disse coisas interessantes para reflectirmos: "É uma contradição dizer que a Igreja, por ser de instituição divina, não pode ser democrática.Como é possível que Deus queira a democracia na sociedade e não a queira no seio da sua Igreja? ", "Qualquer organização formada por seres humanos, mesmo que tenha origem divina como é o caso da Igreja Católica, precisa de uma dinâmica entre os membros que a formam","Os cardeais não são de instituição divina, a comunidade cristã, sim","Preserva-se melhor a unidade respeitando o pluralismo que impondo a uniformidade. A uniformidade é o pensamento único. A unidade reforça-se muitssimo mais a partir da tolerância e do respeito das posições plurais que podem existir entre os cristãos". Tudo isto é justo e sensato e com isto concordo integralmente. Onde Tamayo mete, a meu ver, bastante água, é quando expõe a sua concepção cristológica, ou seja daquilo que é e representa Cristo. Vou citar alguns trechos: "A minha cristologia parte da figura histórica de Jesus de Nazaré como crente, mas um crente crítico, não crédulo, na tradição dos seus antepassados patriarcas e matriarcas, libertadores e libertadoras, profetas e profetizas. É um crente que vive a sua fé numa atitude crítica com as instituições do seu tempo. Jesus de Nazaré é uma pessoa que tem a sua esperançaa no Reino de Deus, [para] onde convergem as aspirações libertadoras da humanidade e a vontade de salvação de Deus. É um Reino que se anuncia para os pobres, os excluídos e os marginalizados." Claro que, instado sobre se Jesus Cristo é Deus ou não?, ele acaba, mais tarde por dizer que "É muito difícil responder à sua pergunta. São Paulo diz que Jesus é reconhecido como filho de Deus pela ressurreição. São as duas experiências mais complexas, mas mais centrais do cristianismo: Jesus é o Filho, não "um" filho, e essa filiação divina tem lugar através da ressurreição, que é a reabilitação que Deus faz de uma vítima". Brrrrr...
Há cerca de 10 anos, recordo-me de ter ouvido o Pe.João Seabra, um cruzado do conservadorismo católico, com o qual discordo quase sempre. Falava ele sobre a teologia da libertação em termos pouco favoráveis, como seria de esperar. Porém no meio de todo aquele torrencial discurso, como só ele os sabe fazer, escutei algo (e só esse algo) que fez sentido para mim. Dizia ele qualquer coisa parecida com isto: a teologia da libertação assume como meta central a obtenção da justiça na terra e fá-lo socorrendo-se da mensagem de Cristo. Faz bem porque Cristo mais do que justo, era Bom, amava-nos tanto que deu a Vida por nós. Cristo combateu as hipocrisias dos fariseus, combateu as injustiças dos sacerdotes, combateu a ausência de compaixão do povo. Por isso é bom e é justo que seja invocado pelos que se querem colocar ao lado dos pequeninos deste mundo, protegendo-os da crueldade, injustiça e indiferença deste mundo de hoje e de ontem. O trágico é que estes, ao sentirem Cristo como modelo, acabam muitas vezes por reduzi-lo a mais um justiceiro deste mundo, a um simples revolucionário, a um profeta da justiça e da solidariedade, a um companheiro de ontem da sua luta de hoje. E Cristo é isso mesmo. Só que é muito mais do que isso: Cristo é Deus, Filho de Deus, Verbo de Deus. O facto de ele nos ter sido enviado por Deus "não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens", para morrer por nós, esse simples e misterioso facto, é o núcleo central da nossa Fé. Esquecer isto é reduzir o Cristianismo a uma ideologia mais, talvez a melhor, mas não mais do que isso. É esquecer Deus, a Salvação, a Graça. Como diria um amigo meu aqui da blogosfera, é esquecer a centralidade de Cristo.
Curiosamente, ao ler hoje o excelente Juan José Tamayo, vejo de novo este pecado original da teologia da libertação, a qual , contudo, tem em si mesma tantas coisas que eu respeito.
Há cerca de 10 anos, recordo-me de ter ouvido o Pe.João Seabra, um cruzado do conservadorismo católico, com o qual discordo quase sempre. Falava ele sobre a teologia da libertação em termos pouco favoráveis, como seria de esperar. Porém no meio de todo aquele torrencial discurso, como só ele os sabe fazer, escutei algo (e só esse algo) que fez sentido para mim. Dizia ele qualquer coisa parecida com isto: a teologia da libertação assume como meta central a obtenção da justiça na terra e fá-lo socorrendo-se da mensagem de Cristo. Faz bem porque Cristo mais do que justo, era Bom, amava-nos tanto que deu a Vida por nós. Cristo combateu as hipocrisias dos fariseus, combateu as injustiças dos sacerdotes, combateu a ausência de compaixão do povo. Por isso é bom e é justo que seja invocado pelos que se querem colocar ao lado dos pequeninos deste mundo, protegendo-os da crueldade, injustiça e indiferença deste mundo de hoje e de ontem. O trágico é que estes, ao sentirem Cristo como modelo, acabam muitas vezes por reduzi-lo a mais um justiceiro deste mundo, a um simples revolucionário, a um profeta da justiça e da solidariedade, a um companheiro de ontem da sua luta de hoje. E Cristo é isso mesmo. Só que é muito mais do que isso: Cristo é Deus, Filho de Deus, Verbo de Deus. O facto de ele nos ter sido enviado por Deus "não como o Deus que Ele era, mas sim como convinha que Ele fosse para os homens", para morrer por nós, esse simples e misterioso facto, é o núcleo central da nossa Fé. Esquecer isto é reduzir o Cristianismo a uma ideologia mais, talvez a melhor, mas não mais do que isso. É esquecer Deus, a Salvação, a Graça. Como diria um amigo meu aqui da blogosfera, é esquecer a centralidade de Cristo.
Curiosamente, ao ler hoje o excelente Juan José Tamayo, vejo de novo este pecado original da teologia da libertação, a qual , contudo, tem em si mesma tantas coisas que eu respeito.
segunda-feira, dezembro 01, 2003
Povos do Livro
Há tempos que andava para pôr aqui ao lado estes dois novos links: Rua da Judiaria e Resistência Islâmica. Benvindos sejam, ambos, pois continuo a acreditar que buscamos o Mesmo.
No fim, de contas
Eis-me a fazer algo que detesto verdadeiramente - trabalhar em casa coisas trazidas do escritório. Para me adoçar o espírito, ouço Jewel a cantar que "in the end, only kindness matters". Tens toda a razão.
Azimutes
Já aqui escrevi sobre Azimutes. Era um blog marcante, onde eu pressentia uma busca ansiosa de Deus, não em livros e escrituras, mas no próximo, no riso de uma criança, no sofrimento de um amigo, nos olhares dos alunos da Inês. Essa busca era, como disse, ansiosa, telúrica, eufórica quando um sinal era encontrado, quase desesperada quando se descobria que era mais um equívoco. Mas era uma busca honesta, sincera e que se expunha a todos os que a liam. Acontece que aquilo que eu receava parece ter acontecido. Azimutes pereceu, e (quase) em holocausto.
Há tempos, o Fernando falava-nos das vítimas de sofrimento, sobre quando era infligido pelos outros e quando auto-infligido. Este é muito pior pois mais difícil de ver, de reconhecer e, portanto, de ser combatido. Dizia ele: "porque não vemos os actos com que nos vitimamos".Nesses casos combatemos tudo menos aquilo que, estando em nós, nos causa efectivamente o sofrimento. Mas em qualquer dos casos o sofrimento é sempre digno, pode sempre ser criador.
Inês, só a conheço pelo que escreveu. Nada mais sei de si. Contudo, gostei de a conhecer, gostei de ler o que foi escrevendo no seu blog. Por isso, peço a Deus que a ilumine com a Sua Graça.
Há tempos, o Fernando falava-nos das vítimas de sofrimento, sobre quando era infligido pelos outros e quando auto-infligido. Este é muito pior pois mais difícil de ver, de reconhecer e, portanto, de ser combatido. Dizia ele: "porque não vemos os actos com que nos vitimamos".Nesses casos combatemos tudo menos aquilo que, estando em nós, nos causa efectivamente o sofrimento. Mas em qualquer dos casos o sofrimento é sempre digno, pode sempre ser criador.
Inês, só a conheço pelo que escreveu. Nada mais sei de si. Contudo, gostei de a conhecer, gostei de ler o que foi escrevendo no seu blog. Por isso, peço a Deus que a ilumine com a Sua Graça.