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quarta-feira, julho 22, 2009

interrompo prolongado silêncio para um tempo de antena 

Católicos do meu bairro, cristãos em geral, portugueses!

Quase todos nós, excepto talvez o Miguel, sofremos pela falta de representação política, não digo da nossa fé, mas da visão do mundo que dela decorre. Nem aqui à direita nem aí à esquerda se descortina um sacana dum partido ou mesmo dum político que pense, diga e faça coisas que são coerentes com aquilo em que acreditamos. Uns dizem e não fazem, outros pensam mas não dizem, outros fazem e não pensam. Uma merda, que nos torna cínicos e descrentes, ácidos e apáticos.
Pois há coisa de um mês fui jantar a casa duns amigos meus que, à revelia dos vinte e tal convidados, completamente a frio, nos impingem uma aparente estopada. Um tal de Rui Marques, presidente dum tal MEP, fosse lá o que isso fosse, iria dirigir-nos umas palavrinhas a seguir ao jantar! Fiquei super lixado logo que o vi e me apercebi da traição, puz logo a mão à carteira, olhei furioso para a dona da casa que estava a tremer só de ver a nossa reacção, aproximei-me da porta e só me acalmei depois de ter levado uma valente biqueirada da minha mulher na barriga da perna. Tive de me acalmar mas quase nem comi, por pura indignação.
Estava eu ainda a debicar o abade de priscos quando se levanta o dono da casa, a reluzir de satisfação, anunciando que tinha lido um livro do tal Rui Marques, livro esse chamado «Esperança em Movimento», que o tinha tocado tanto como o Audacity of Hope do Obama (!) após o que não descansou enquanto não o conheceu e pode oferecer-lhe o seu apostolado, o grande sacana.
Pois o tal Marques levantou-se, olhou para uma assistência que oscilava entre o gélido e o condescendente, passando pelo ultrajado (eu e mais 2 ou 3), e começou a falar. E que bem o homem falou! Tudo o que eu escreva não lhe fará justiça. Aliás mesmo o que ele próprio escreve também não o fará. Não é fácil falar duma «ideologia da esperança» sem parecer um pouco ridículo; escrevê-lo ainda é mais difícil. O que me interessa é que o bom homem falou que se fartou da esperança, uma virtude sem a qual não podem existir as outras duas, e falou do quão essencial que a esperança é, sobretudo hoje e neste país que nos parece ser uma merda mas que o é sobretudo por nossa causa.
Enfim, a coisa tocou-me e gostei imenso de ouvir o Rui Marques. Tanto que, na próxima opotunidade, não há cá Manela nem Paulo nem Zézito nem muito menos Francisquinho, vou mas é votar no MEP! E não é por causa da Laurinda Alves!
O problema é que isto só entra na cabeça dum gajo sério como nós somos se fôr por nós ouvido ao vivo e a côres. E isto não passa na TV nem na rádio nem na cassete pirata. Por isso, malta, deixo-vos um desafio: esqueçam o fórum estudante e o lusitânia expresso, ouçam o Rui Marques, vão ao site do MEP, comprem-lhe o livro, vão às sessões deles, escrevam cartas ao Público e ao 24horas a pedir mais cobertura e depois digam-me-lá se este tipo é ou não é um cristão como deve ser, que para viver aquilo em que acredita decidiu meter as mãos na massa e logo na massa mais suja e abrasiva que pode existir.
CC, ó meu comuna honesto, tu que vês com tristeza a esterilidade do teu voto na CDU, ouve o MEP, pá! Vais ver que aquilo te soará a S.Lucas.
Malta, não pensem que estou a brincar porque estou a falar a muito a sério. Vamos pôr o Rui Marques em S.Bento. Antes ele que o Hugo Velosa, o Hélder Amaral, o Afonso Candal, a Helena Pinto, a Sónia Sanfona, a Luísa Mesquita, o gajo de quem não malembra o nome, que é da CDU ou dos Verdes, um rapazito com carrapito, óculos redondos e ar macilento.
Ponham o MEP no vosso radar. Prestem-lhe atenção. Googlem-no. Escutem-no. E poderemos ainda talvez salvar a Pátria.
Vivó MEP!

sexta-feira, novembro 21, 2008

Natalie Merchant - Verdi Cries 


quarta-feira, abril 02, 2008

alegoria do Trento 


sexta-feira, outubro 12, 2007

a melhor despedida de blogger a que já pude assistir 

E já vai sendo tempo para se fazer o mesmo por aqui.

domingo, fevereiro 11, 2007

frases 

"Nos próximos dias, Portugal chegará finalmente à Europa e ao séc.XXI!" - indivíduo de ar inspirado, quiçá ex-seminarista

"A partir de agora, as espanholas virão abortar a Portugal e as portuguesas continuarão a ir abortar a Espanha" - cá em casa à mesa do jantar

...

F5 para actualizar


quinta-feira, fevereiro 08, 2007

crítica da razão impura 

Nada me enfada mais do que estas tremendas polémicas que, de quando em quando, fazem estremecer este país. Então o aborto, esse tema desagradável, esse é recorrente. De dois em dois anos mais ou menos, a malta anima-se toda e esganiça-se a dar brados à sua indignação, seja contra ou a favor.
Em tempos idos, eu ainda achava uma certa graça ao tema mas cansei-me. Em 1998 fui votar e votei não, mas já votei cansado. Agora em 2007 é que ando mesmo sem pachorra nenhuma para toda esta discussão. Ainda por cima, julgo perceber que aquela gente que anda para aí a defender o mesmo que eu penso, o Não, esses tem andado todos os dias a apanhar bonés atrás de bonés. Ainda por cima, desta vez a malta do Sim parece ter feito melhor o trabalho de casa e arranjaram um argumentário mais estruturado, equilibrado e até convincente, sem aquelas palhaçadas grotescas do aqui mando eu e ninguém mexe. Já a malta do Não tem tido alguma dificuldade em alinhar argumentos racionais; quero dizer racionais à luz do ambiente mental desta época em que vivemos.
É necessário ser claro: quando vi o Ricardo Araújo Pereira arrumar com o inefável Prof.Marcelo percebi que desta vez a coisa deve estar perdida.
E o grave é que me senti de certa forma aliviado: talvez agora que ficará resovido o grande problema da nossa idade, eles se calem finalmente e todos, eles e nós, dirijamos a nossa atenção para assuntos mais prementes ainda que não mais importantes.
De modo que por cansaço, desgosto e enfado, eu já tinha mais ou menos resolvido seguir surdo e mudo até Domingo e aí votar Não por puro princípio moral e ético, por antagonismo ideológico, por repulsa histriónica. Desta vez iria ser um Não diferente pois sentia agora pela primeira vez que alguns argumentos a favor da despenalização faziam para mim algum sentido. Estava de certa forma dividido mas iria ser um Não from the guts.
Acontece porém que tenho a infelicidade de ter um espírito um bocado cartesiano: faz-me confusão não racionalizar um bocado sobre aquilo que decido fazer. Comecei então a ler uns bocaditos daquele dossier quotidano no Público e, finalmente, acabei por ir saber o que se dizia por aqui na blogosfera.
Afortunadamente, ainda que não por acaso, comecei pelas bandas do Sim, para onde sentia soprar os ventos da razão. E tive então a felicidade de encontrar um sítio de responsabilidade e cidadania onde encontrei isto:

14 Razões para votar SIM:
Porque somos cidadãs e cidadãos responsáveis e comprometidos/as com a defesa dos direitos humanos e queremos intervir neste debate não como eleitoras/es de um ou outro partido político, ou mesmo sem partido, mas antes como pessoas conscientes dos seus deveres e direitos cívicos.
[1] Porque está em causa o respeito pela dignidade, autonomia e consciência individual de cada pessoa e pelos princípios da igualdade e da não discriminação entre mulheres e homens.
Claro que isso está em causa mas não é apenas isso que está em causa. Para além da dignidade, autonomia e consciência individual de cada pessoa existe também a responsabilidade individual de cada pessoa. Quanto à não discriminação entre mulheres e homens, 100% de acordo. Já quanto à igualdade aí é mais complicado, dado que só elas engravidam. Só vejo uma solução, para mais de acordo com o princípio da recomendável redundância de sistemas de segurança: que elas usem a pílula e eles usem o preservativo!
[2] Porque somos a favor de uma maternidade e paternidade plenamente assumidas e responsáveis antes e depois do nascimento. Também eu. Gosto que cada um assuma e se responsabilize por aquilo que faz. Pela maternidade, pela paternidade mas também pela sexualidade. Muita, boa, a rodos mas responsável. Ou pensam que isto é a feijões?
[3] Porque o direito à maternidade consciente e à saúde reprodutiva são direitos fundamentais. São sim senhor, direitos fundamentais mesmo. E também são deveres. Ou continuam a pensar que isto é a feijões?
[4] Porque as mulheres, como os homens, têm direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Se tem! Mas que se responsabilizem por ela. Senão o que é que andava a Comissão de Protecção de Menores a fazer?
[5] Porque somos a favor da vida em todas as suas dimensões. Ui! Então venham a meus braços!
[6] Porque é um elemento essencial do Estado de direito o princípio da separação entre a Igreja Católica ou qualquer outra confissão religiosa e o Estado. Exactamente! Ou seja, é irrelevante a posição da Igreja quanto a este assunto, para os que estão contra e também para os que estão a favor. Ou seja, não é para aqui chamada.
[7] Porque o que está em causa não é o 'direito ao aborto', nem ‘ser a favor do aborto’, mas antes o respeito pelas mulheres que decidem interromper uma gravidez até às 10 semanas, por, em consciência, não se sentirem em condições para assumir uma maternidade. Mau: decidir interromper uma gravidez até às 10 semanas, por, em consciência, não se sentirem em condições para assumir uma maternidade, não é aborto? Então o que é? Só a partir das 11 semanas?
[8] Porque a penalização do aborto dá origem à interrupção voluntária da gravidez em situação ilegal e insegura, o que tem consequências gravosas para a saúde física e psicológica das mulheres que a ela recorrem. Por acaso, aqui neste curioso país dá origem a isso, sim senhor. Mas em Espanha não! Vá lá saber-se porquê!?
[9] Porque uma lei penal ineficaz e injusta é uma lei constitucionalmente ilegítima. Eh lá! Eh lá! A ineficácia duma lei implica a sua inconstitucionalidade? Então, assim sendo, haverá Lei em Portugal? Haverá mesmo constituição neste país? Esta dá que pensar.
[10] Porque consideramos que a sujeição das mulheres a processos de investigação, acusação e julgamento pelo facto de fazerem um aborto atenta contra os valores da sua autonomia e dignidade enquanto pessoas humanas. É verdade, sim senhor, concordo absolutamente. Não consigo é deixar de pensar que o facto de abortarem é bem capaz de poder atentar contra os valores da autonomia e dignidade do feto que nelas vive.
[11] Porque nenhuma proposta de suspensão do processo liberta as mulheres da perseguição policial e judicial que antecede o julgamento, envolvendo sempre uma devassa da sua vida privada, e deixando a pairar necessariamente sobre elas uma ameaça de sanção que pode vir a concretizar-se no futuro. Também é verdade, sim senhor, concordo plenamente. Eu até acredito que existirá para elas uma outra ameaça de sanção que pode vir a concretizar-se no futuro mas isso sou eu a dizê-lo. Num caso ou no outro, cada caso é um caso, haverá maior culpa e haverá menor culpa, haverá quem a avalie e a sancione em conformidade. Aqui tenho que dizer: essas mulheres e quem as ajuda e convence a abortar, são merecedoras de justiça pois há um mal que é feito. Mas também são merecedoras de misericórdia. Não de desculpabilização irresponsável.
[12] Porque a proibição do aborto dá origem à gravidez forçada o que se traduz em violência institucional. Esta não consegui perceber. Gravidez forçada? Não será antes inadvertida? Então não existe anticoncepção? Ou será que os histéricos do Não tem razão ao dizer que os histéricos do Sim querem o aborto como método anticoncepcional?
[13] Porque uma lei que despenalize o aborto não obriga nenhuma mulher a abortar. Mais uma enorme verdade. Mas a questão é inteiramente outra: o aborto, como todos concordam, é um mal para a criança, para a mãe e também para a sociedade. E pode a Lei passar ao largo do que é um mal?
[14] VAMOS VOTAR SIM NO PRÓXIMO REFERENDO. VOTEM VOCÊS. EU, POR MUITO QUE O QUISESSE, NÃO CONSIGO. VOTO NÃO.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

sete palmos de terra 

Acabou hoje mas, de algum modo, continuará. Hoje não posso mas hei-de vir aqui para o eulogio fúnebre.

sexta-feira, novembro 24, 2006

And It Rained All Night 


Thom Yorke

segunda-feira, novembro 06, 2006

as invasões bárbaras 


quinta-feira, outubro 19, 2006

Nanocausas 

Não perder também a fabulosa academia poética. Três tristes tigres a cantarem fake plastic theaters...

sexta-feira, outubro 13, 2006

Aleluia! 

Jeff Buckley - Hallelujah

Ia hoje eu a guiar, ouvindo a Radar, e aqui vim parar. Aos anos que não ouvia isto, ah Jeff dum camano, como é que eu me esqueci?

segunda-feira, setembro 25, 2006

derretimento global 

Nouvelle Vague - Eisbaer

Ich möchte ein Eisbär sein
Im kalten Polar
Dann müßte ich nicht mehr schrei´n
Alles wär so klar

Ich möchte ein Eisbär sein
Im kalten Polar
Dann müßte ich nicht mehr schrei´n
Alles wär so klar

Eisbär, Eisbär
Kaltes Eis, kaltes Eis

Ich möchte ein Eisbär sein
Im kalten Polar
Dann müßte ich nicht mehr schrei´n
Alles wär so klar

Eisbären müssen nie weinen
Eisbären müssen nie weinen
Eisbären müssen nie weinen
Eisbären müssen nie weinen

TimTim 

Fez ontem 3 anos que o Timóteo, esse indivíduo de mistério, começou a emitir, primeiro Steinbeck, depois timshel. Um blogger do caraças, um compincha, um patrício. Dois senões apenas: as bizarras enfatuações por Pet Shop Boys e Hugo Chávez!
Uma das suas primeiras postas mantém-se fresquíssima:
"(...) o insulto está directamente relacionado com a inteligência e a segurança e as palavras "filho de uma cadela" só ferem quem não estiver seguro acerca da mãe." (O Inverno do nosso descontentamento, pag. 31)
Um abraço para ti, pá! *

* e para o atentíssimo
Cbs

sexta-feira, setembro 22, 2006

their Master´s voices 



Hoje apeteceu-me pôr aqui o Eddie Vedder e o Nusrat Fateh Ali Khan a cantarem juntos uma coisa bem esgalhada: «the long road». É longa a música e é longo o caminho, sem dúvida nenhuma. Mas Deus andou por ali.

quinta-feira, setembro 21, 2006

compreender o Outro 

Lia-se anteontem na ecclesia:

Vaticano lamenta «leituras precipitadas» das palavras do Papa

O novo Secretário do Vaticano para as Relações com os Estados, D. Dominique Mamberti, disse hoje que "foi feita uma leitura precipitada" do discurso pronunciado pelo Papa na Universidade de Regensburg, que provocou uma dura reacção do mundo muçulmano. O Arcebispo marroquino considera esta leitura a principal razão das polemicas com o Islão, segundo declarou em entrevista à Radio 24 (IlSole24ore) da Itália. "Uma das minhas prioridades, assim que regressar a Roma, em Outubro, será levar o diálogo (com o Islão, ndr) por diante", disse D. Mamberti. "A diplomacia é, justamente, tentar compreender as razões do outro e fazer com que o outro entenda as nossas próprias convicções", frisou.

Sinto sempre ser meu dever dar a minha contribuição para a compreensão do Outro. Fui pois respigar umas coisitas e encontrei isto, à atenção do D.Mamberti. É uma homilia dum tal sheikh Ibrahim Mudeiris transmitida pela TV da Autoridade Palestiniana:




Dir-me-ão que não podemos avaliar esta prédica anti-judaica desconsiderando o enorme e absurdo sofrimento do povo palestiniano. Concordo plenamente. Que é uma tentativa para manter o ânimo do povo crente, dele tão precisado. Será certamente. Mas repare-se que a arenga deste suavíssimo prelado vai sempre em crescendo e termina num verdadeiro êxtase espiritual:

«Nós dominámos o Mundo antes e, por Allah chegará o dia em que dominaremos o mundo novamente. Chegará o dia em que dominaremos a América. Chegará o dia em que dominaremos a Inglaterra e o mundo inteiro – excepto os Judeus. Os Judeus não gozarão de uma vida tranquila sob o nosso jugo pois são traiçoeiros por natureza, como o foram ao longo de toda a História. Chegará o dia em que tudo ficará liberto dos Judeus – até as pedras e árvores que foram danificadas por eles. Escutem o Profeta Maomé que vos falou àcerca do funesto fim que aguarda os Judeus.»
Talvez o Paléologo tenha até alguma razão, afinal...

segunda-feira, setembro 18, 2006

ai islândia, islândia 

Como muito bem diz o Cbs , já não há pachorra para estes gajos. Cada vez que alguém, no Oriente ou no Ocidente, exerça em voz alta um pouco de consciência crítica sobre o Islão, aparecem-nos logo na televisão e nos jornais turbas e turbas de mirmidões façanhudos ameaçando de coisas tenebrosas os blasfemadores até à sua sétima geração bem como os seus vizinhos até ao décimo quarteirão. Mesmo admitindo como certos o habitual empolamento pelos media destas eflorescências de fervor islâmico, bem como o habitual empolgamento da rua islâmica pelos pregadores de esquina, começa realmente a ser irritante ver, por coisas mínimas, tanta veste rasgada, tanta alma afrontada, tanta retórica esganiçada. E mais irritante ainda é ver o ar timorato com que, para cá do Jordão, se observa toda esta agitação muçulmana. E ver que, como sempre, se gosta de invocar cretinices de fora para aqui se acertarem contas em mora.
Tivemos por exemplo, debaixo do Sol, o lúcido e venerando Miguel Portas, habitualmente tão secular e fracturante, aconselhando desta vez prudência ao azougado Papa Bento, sussurrando que «não estamos em altura de atirar lenha para a fogueira». Porque será que este varão, que invoca sempre que pode as fogueiras da Inquisição extintas já há 250 anos, não arremete bravamente a apagar essas novas fogueiras que esses outros crentes querem agora acender? Será que aje assim por delicada atenção aos possuidores de acções da BP ou de fundos do JP Morgan, que teme ver afectados patrimonialmente pela incontrolável agitação árabe? Não será certamente por isso. O Miguel, como muitos, prefere ver o argueiro no olho do seu vizinho de patamar do que tudo o resto: a trave no seu próprio olho e a viga nas mãos do cobrador que anda arrufado com esse vizinho. Não é defeito, é feitio...
Muito pior, fui surpreendido ontem no Telejornal RTP pelo bom Frei Bento Domingues, que habitualmente me apascenta aos Domingos no Público, e de quem retenho sempre uma suave e honesta maneira de ser cristão e católico. Já se sabia que Frei Bento mantém uma longa e áspera desavença de cariz teológico mas também profissional com o Cardeal Ratzinger. Mais áspera ainda pela natural razão de ser unilateral – tanto quanto sei nunca as heterodoxas opiniões do Frei Bento (com muitas das quais concordo, aliás) foram punidas ou censuradas pela hierarquia ontem vigiada e hoje encimada pelo Papa Bento. Pois tive muita pena em constatar ontem a evidência de que o ressentimento provocado por essa desavença anda a tolher o discernimento do Frei Bento quando fala do Papa Bento, agora a propósito da inflamada reacção de auto-denominadas vozes autorizadas do Islão à sensata lição de Ratisbona. É que o Frei Bento, excitadíssimo, disse-nos coisas extraordinárias que vou tentar transcrever. Que a Igreja não pode permitir que o seu Papa se pronuncie sobre estes assuntos tão delicados! Que o Papa não falou como Papa mas como professor, esquecendo-se talvez de que era Papa! E finalmente, inevitavelmente, que o Papa que invoca agora a violência original do Islão é o mesmo que como Prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé abafou a Teologia da Libertação! No meio de tudo isto, que admito estar a citar imperfeitamente, lá ia dizendo que concordava absolutamente com Bento XVI sobre a incompatibilidade entre a violência e a Fé. Foi triste.
Sobretudo porque logo a seguir, já não sei em que canal, pude assistir a um qualquer ayatollah iraniano, com o usual look patibular, trovejando que «o que o papa devia fazer era prostrar-se diante dum alto clérigo islâmico para assim compreender finalmente o que é o Islão!» (sic). Touché! E andam o Papa e o Vaticano, à rasquíssima, a dizer (aliás com razão) que tudo aquilo foi mal interpretado, que tinha sido o imperador Miguel II Paleólogo, há 600 anos, que falou sobre o tal mandamento de Maomé de impor ao mundo a sua fé, nem que seja pela espada. E que lamentam imenso a perturbação causada nas almas dos crentes muçulmanos, e vem agora aquele poderoso homem de Deus confirmar que é assim mesmo, sim senhor, que mais do que desculpas o que aquela gente exaltada verdadeiramente quer é submissão, a Deus e sobretudo a eles, seus representantes na Terra.
E o mais triste, para mim adepto incondicional do diálogo entre religiões, admirador das saudosas civilização e mística islâmicas, não sabendo embora o que representa esta tenebrosa gente nessa realidade tão fluida como é o Islão, o mais triste é relembrar que a matriz fundadora do Islão foi de facto um movimento político e militar liderado por um grande místico mas também um grande político que consegiui unificou a Arábia e fez com que ela conquistasse mais tarde metade do mundo – foram as suas espectaculares vitórias militares que convenceram Meca de que Deus, o Senhor dos Exércitos, estava verdadeiramente com ele, o seu Profeta. Hoje, milénio e meio depois, já depois do islamismo se ter tornado e ter deixado de ser um catalizador civilizacional, já depois do cristianismo ter embarcado e desembarcado dessa sacrílega teoria da guerra santa e ungidora, vê-se gente tão tremendamente estúpida a seguir estrepitosamente numa deriva desumana e por isso, contra o Deus que tanto invocam.
Mas mesmo o mais triste de tudo foi eu ter encontrado consolação apenas nas palavras de Vasco Pulido Valente, essa irritante Cassandra profissional. Vale a pena citá-las, do Público de ontem:

O papa já lamentou o equívoco mas não pediu desculpa. Nem pelo incidente, fabricado pelo fanatismo e a ignorância, nem pelo teor geral da conferência de Ratisbona. Ratzinger insistiu que a fé não é separável da razão e que agir «irracionalmente» contraria a natureza de Deus. (...) desde o princípio (desde Orígenes, por exemplo) se construiu sobre a fé cristã um dos mais sublimes monumentos à razão humana e que o Ocidente, apesar da «Europa», não existiria sem ele. A fé muçulmana não produziu nada remotamente comparável e, durante quinze séculos, sustentou uma civilização frustre e parada. A conferência de Ratisbona reafirmou a essência do cristianismo. Se o Islão se ofendeu, problema dele.

Ugh.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Ah pois, bem me parecia 

Timbuk 3 - The Future's So Bright, I Gotta Wear Shades


Obrigado, Manel, aos anos que eu não ouvia isto...

quarta-feira, agosto 02, 2006

the future is so bright I gotta wear shades 

O título já está e parece-me bom, embora me pareça ter já ouvido isto em qualquer lado. O resto do post fica para depois de férias.

terça-feira, junho 27, 2006

free Mumia 

Uma vez escravo, escravo para sempre.

Durante anos a fio andei preso. Preso por uma situação de que não fugi. Preso por circunstâncias de que achei ser meu dever não fugir. Preso de algo em que entrei livre, sabendo ao que ia. Durante esses anos deixei essa prisão entrar na minha vida, condicionando-a, diminuindo-a e diminuindo também as vidas dos que estão ao meu lado. Todos os dias acordava e lá ia eu partir pedra. E quanto mais pedra partia mais pedra parecia haver. Tomei até o gosto em a partir. Aprendi qual o melhor ângulo e o melhor impulso. Aprendi a ser a água mole na pedra dura. Aprendi também a amar todos aqueles como eu, os condenados a partir pedra para não serem esmagados por ela. Compreendia-os e eles compreendiam-me, chegávamos a rir da nossa sorte, discutíamos a técnica, sonhávamos com a saída dali, qualquer que fosse. Inevitavelmente, tomei até um certo orgulho na situação. Um orgulho de aceitar galhardamente a minha canga, logo eu, bovino a quem foi prometido o livre uso dos mais verdes prados, aceitei continuar a carregar toda aquela pedra, por sítios e tempo indeterminados.
Pois durante todos esses anos, andei e corri em círculos, fechados como são os círculos, desesperando por uma saída. E tive-a, finalmente, melhor do que ousara esperar. Aproveitei-a, claro, pois aproveito sempre tudo, e saí cá para fora. Fiquei então livre, abonado, na maior. Achando que finalmente estava livre, que agora é que vai ser, que agora sim, vou pastar, espairecer, pensar, usar, correr em linha recta para ver até onde vai. O caraças. A verdade é que passado poucos meses estando cá fora, volto a pensar na prisão e que nem era assim tão mau saber tanto o que se tinha para fazer. E, pior ainda, olho para a montanha enorme que está mesmo à minha frente e penso em como eu saberia tão bem partir aquela pedra toda.

segunda-feira, junho 12, 2006

Parece-me que o Eclesiastes era um pessimista 

Afinal, sempre há algo de novo debaixo do sol. Recomendo especialmente a morte do consultor viajante.

quarta-feira, junho 07, 2006

olá cá estou eu 

Apenas para avisar que hoje fui à terra, onde não ia já 16 (dezasseis) semanas. E 59 (cinquenta e nove) semanas foi exactamente o tempo que demorei a perceber finalmente que habemus papam.
Entretanto e já que passei por aqui dei uma volta por aí e tenho umas coisas para pôr em dia:

- fez 3 anos há uns tempos a Cibertúlia do Miguel Marujo, o celebrado autor do e Deus criou a mulher.

- o CC, esse homem fatal, do saudoso partículas elementares , alojou-se com o Afonso na Baixa Autoridade.

- esta é bem triste: a MC fechou o seu jardim, que era um dos sítios mais agradáveis para se ir. Mas parece que ela se manterá online. Deus queira que sim.

- dois blogues da teosfera que estão em grande: o do Vítor, cristão sem mácula, o do Manel do Adro

- também em grande anda o João Leal na small church

- ah, as jacarandás!

- um ponto de vista novo, com o sol aos quadradinhos. Muito bom.

E agora duas coisas importantíssimas:

- um apelo: ausentou-se de sua casa um indivíduo arquitecto, de aspecto estrangeirado, com pronúncia peculiar (carrega nos rrrr). Foi visto pela última vez, há duas semanas num certo e determinado lugar que agora não interessa aqui referir. Dão-se alvíssaras a quem der informações do indivíduo em questão. Não é perigoso.

- um agradecimento: a uma certa e determinada Zazie, a quem o JPP lançou tão injusto anátema e que é para mim prova viva de que o eduquês é possível: a malta aprende e diverte-se à brava. É verdadeiramente something completely different. Bem hajas, mulher.


quarta-feira, maio 31, 2006

o fundo do fundo 

Ainda (ou já) há um português que pensa como eu: que é na escassez e na penúria que reside a nossa última esperança.

terça-feira, maio 23, 2006

um pequeno conto 

O Luís, o Afonso, a Susana e o Lutz eram amigos e estavam a brincar os quatro. De longe a Carla via-os a brincar, quiz também brincar com eles e disse-lhes uma piada. O Luís é que não achou piada nenhuma e disse-o à Carla. Foi até um bocado bruto com ela e ela ficou chateadíssima. A Susana, que era também amiga da Carla, ficou muito aflita e correu a consolá-la e o Luís ficou um pouco picado, como que por um espinho. Já o Afonso, esse ficou mesmo zangado com o Luís e foi logo a correr empurrá-lo e chamou-lhe nomes. O Lutz, que era estrangeiro e falava ainda mal a nossa língua, ficou aflito sem perceber bem o que se passava. Ainda assim tentou acalmar os amigos e chegou até a dizer umas piadas. Mas o Luís tinha ficado mesmo zangado, sobretudo com os nomes que o Afonso lhe tinha chamado e ficou a achar que os seus amigos eram mais amigos da Carla do que dele. Então o Luís disse bem alto: «já não brinco mais com vocês, vou-me embora». Os outros três ficaram a olhar uns para os outros durante um bocado e depois foram cada um para seu sítio. E foi assim que se acabou a brincadeira.

Parece um lugar-comum e é mesmo.

quinta-feira, maio 18, 2006

A cadeira do bispo 

(director´s cut)

Those were the days, lá isso foram de facto esses dias, em que o meu verbo prolixo discorria sobre tudo o que mexia, aqui no Guia e sobretudo na Terra. Dias em que ainda não tinha dito tudo, dias em que sentia o Paráclito digitando no meu teclado. Hoje, entre grosas de spam em alfabeto cirílico, surgiu-me um mail duma leitora incitando-me a mim e a outros bloggers católicos a insugirem-se contra a jacobina tentativa parlamentar de retirar ao Sr.Patriarca o seu simpático lugar na liturgia do Estado. Pois, minha cara Senhora e irmã na Fé, sinceramente não vejo o porquê da sua revolta. No entanto e para lho explicar, nada tenho melhor do que lhe repetir uma imensa prosa que há dois anos debitei na Terra da Alegria. Aí vai pois, directamente também do baú, um post de alarmantes proporções, também para mandar bem para baixo do tapete as provas da minha rarefação bloguística.


Quando vejo na televisão uma reportagem sobre a abertura do ano judicial ou sobre o encerramento dum qualquer congresso nacional sobre saúde pública ou sobre a sessão solene da inauguração de mais um imponente quartel de bombeiros, há sempre ali, isoladas no palco em lugar de honra, duas entidades que me deixam perplexo e melancólico: um enorme cadeirão estilo D.Maria ou D.João V e um Bispo da minha Igreja sentado nele.
Abstraio-me logo do que está acontecer naquela sala (o que nunca é grave) e fico a pensar: o que é que estará ali o senhor bispo a fazer? qual a verdadeira razão porque o nosso subtil Estado o convidou? e porque é que o obrigou a sentar-se naquele cadeirão? e, mais importante ainda, porque é que o bispo aceitou ir àquela liturgia dum reino que não é o de Deus? e porque será que ele se presta a representar a ficção de uma tutela que manifestamente não existe?
E o cómico é que eu e, provavelmente, o bispo não somos os únicos incomodados com a situação. Os jacobinos, republicanos, laicos e anti-clericais torcem-se todos com mais um espetáculo de sujeição do Estado, estrutural e constitucionalmente laico, à presença tutelar da Santa Madre Igreja Católica, a ICAR, como eles agora gostam de lhe chamar com um azedume satisfeito. E desatam logo a falar-nos do opróbio da Concordata, da religião e moral nas escolas, do mau exemplo que é o celibato dos padres, dos escandalosos benefícios e património da Igreja.
Quando trovejam assim, parece que viajamos no tempo, para a época já imemorial do Dr. Salazar e do seu grande amigo Cardeal Cerejeira, quando aquele mandava neste para assim controlar os portugueses totalmente, tão totalmente que ia até ao fundo das suas almas crentes.
Nesses tempos sim, aí é que a Igreja Católica era poderosa e opulenta! O Estado encarregava-se até de, civilmente, garantir a eficácia de alguns sacramentos ministrados. Nesses tempos éramos todos baptizados, íamos todos à missa, Fátima era uma dádiva particular de Nossa Senhora ao nosso pequeno mas grande País. Nesses tempos, proclamar ateísmo ou protestantismo era socialmente mal visto porque civilmente malquisto. Nesses tempos ser padre, ser bispo, era ter um papel importante e prestigioso no tecido social português. Nesse tempo ser católico era algo que decorria naturalmente da tradição, da inércia ou da arte de ser português. É seguramente desse tempo que vem a prática do cadeirão do bispo nas cerimónias do regime...
Então esses é que foram tempos de ouro para a Igreja e o Catolicismo triunfantes, certo? Errado!
Esses foram os tempos em que Salazar, verdadeira encarnação do espírito do poder absoluto, sumamente subtil, sumamente exigente, sumamente duro de coração, dominou, usou, brincou, manipulou a Igreja Católica do seu grande amigo Cerejeira, homem superiormente inteligente mas não tanto quanto Salazar. Este homem dos diabos, que era muito mais supersticioso do que crente, viu na Igreja Católica um instrumento mais para poder governar beatífica e pacíficamente aquela pobre gente que eram os portugueses!
E em troca, claro, ofereceu duas coisas irrecusáveis a uma Igreja ainda traumatizada pelas perseguições dos mata-frades da 1ª República. À hierarquia ofereceu uma posição honrosa e confortável na sociedade. E à sua missão, adjudicada por Deus, ofereceu um povo dócil e temente. E a Igreja, cujo fim último nunca deixa de ser a salvação do Povo de Deus, não pôde recusar a oferta. Não pôde e, tal era a subtil arte de Salazar, não quis.
Tenho a certeza porém de que Cerejeira e os seus pares perceberam a teia que Salazar lhes teceu. Porém observando com receio e espanto os ventos da história que sopravam fortemente para lá dos Pirinéus, escolheram acomodar-se à confortável teia que lhes foi oferecida. Fizeram o que acharam melhor ou, se calhar, o que lhes restava fazer. A bem da nação. Não devem ser censurados por isso.
Agora é claro que a verdadeira missão da Igreja de Cristo saiu prejudicada. Salazar, claro, estava-se nas tintas para isso. Ele, que tinha lido Unamuno, viu a Igreja como uma fonte perene e eficaz de consolação, de contentamento para o seu povo simples. Nada mais. E, consequentemente, foi essa a função que ela teve. A promessa de salvação na vida eterna era, nesses tempos, mais importante do que a obrigação de ensinar e viver a Palavra de Cristo.
É por isso que quem pensa e diz que a Igreja Católica era todo-poderosa no antigo regime está a ser vítima dum piedoso engano. Era, sim, um instrumento mais. Rica, prestigiada, opulenta, mas um instrumento...
Já agora, não se pense que Salazar foi original e inventou algo de novo. Desde o estalar da guerra entre os papas e os imperadores Hohenstauffen do Sacro Império Romano Germânico, no sec.XIII, até à Revolução Francesa, que o poder secular europeu se foi libertando da tutela da Igreja mas continuou a ver sempre as Igrejas Católica e Reformada, como úteis fontes de legitimação e importantes muletas de poder.
Mas voltemos a Portugal, século XX, anos 60.
Foi naquele contexto, e para o modificar, que surgiram aqueles que mais tarde se vieram a chamar de Vencidos do Catolicismo. Bénard da Costa falou deles e do seu falhanço. Esse falhanço em trazer a Igreja para a sua missão evangélica, incómoda para os poderes humanos, era inevitável face ao peso do Estado e da hierarquia. Eles quiseram e acharam possível que catolicismo português de então voltasse a ser sinónimo de viver em nome de Cristo. O poder, claro, achou que isso não convinha à sacrossanta mas constrangida paz social de então. Então, com toda a naturalidade, o poder esperou que eles esbarrassem no imobilismo e conservadorismo da hierarquia da Igreja e que, finalmente, desanimassem e, quase todos, se afastassem. Foi o que aconteceu. Foi um falhanço daqueles jovens vibrantes mas foi um falhanço e uma perda maior para a Igreja. Mas foi um falhanço que deixou frutos...
A Portugal iam chegando os ecos não só de prosperidades e desenvolvimentos alheios como também ecos de que na própria Igreja Católica sopravam ventos de mudança e refundação para que ela pudesse cumprir verdadeiramente a sua missão e dar verdadeiro testemunho de Cristo. O pontificado de João XXIII e Concílio Vaticano II tiveram tal impacto que conseguiram chegar a este canto obscuro, onde uma nova geração de católicos, na JUC, na LOC, noutros movimentos, descobriu maravilhada uma outra dimensão para a Fé em que tinha nascido e crescido. E pensou que essa dimensão mais cristã, mais humana, mais social, poderia ser acolhida pela hierarquia da Igreja e, inclusivamente, ajudar à evolução do regime. Mas os condicionamentos criados por Salazar e interiorizados pela Igreja geraram fortes resistências a esta nova forma de laicado católico, mau grado também o aparecimento duma nova geração de padres, imbuídos do espírito do Vaticano II. O conflito foi surdo mas áspero e o resultado mais visível é bem conhecido. Mas esses Vencidos, que deixaram a Igreja, deixaram nela e no povo católico sementes que perduraram até hoje.
Agora passados 30 e tal anos e olhando o que nós, católicos e Igreja, somos hoje neste país dá ideia que “se rasgou ao meio o véu do templo” de tal modo são diferentes os problemas com que nos confrontamos. Neste período de tempo tudo aconteceu e tudo mudou.
Houve a primavera marcelista e um novo levantar de cabeça dos que queriam reformar a Igreja do mesmo modo que queriam reformar o regime. Foram os tempos em que apareceram os “católicos progressistas” e em que a Capela do Rato se agigantou perante a Basílica da Estrela.
Houve depois o 25 de Abril e o PREC. Foi este um período catártico, ambíguo e excitante para a Igreja Católica. Catártico porque passou a haver-se com um Estado em que, por um tempo, deixou de ser benvinda mas que a libertou das teias debilitantes de Salazar. Ambíguo porque no meio daquela voragem política e quase sem se perceber como, a Igreja conseguiu passar ao lado do naufrágio do regime com o qual esteve tão ligada. Excitante porque na tempestade de Verão em 75, a Igreja sentiu que mantinha a sua influência sociológica e, tirando alguns padres transviados pela utopia revolucionária, conseguia manter a sua coesão interna. Foram os tempos do cónego Melo, dos sinos a rebate, da manifestação dos tachos e das panelas mas também da perspicaz moderação do Cardeal D.António e, duma maneira geral, de toda cúpula da Igreja.
Depois vieram os tempos do reequilíbrio, da instituição duma normalidade democrática, à europeia. Veio o tempo em que a direita democrática se estreou no poder. Veio o bloco central e os anos de chumbo da economia. Veio a regeneração cavaquista, a euforia económica e mais tarde uma crispação cansada. Vieram depois os tempos em que as virtudes evangélicas pareceram chegar ao poder através duma esquerda amável e edulcorada. E por momentos pareceu-nos que o país era já inteiramente outro, rico como os nossos parceiros europeus, por causa dos carros novos, dos telemóveis, da Net, da TV Cabo, do milhão de portugueses de férias de Páscoa no Algarve, do crédito ao estalar dos dedos, da facilidade em comprar e ter e ir e acontecer. Depois, abruptamente, ao cair duma ponte, descobrimos que continuávamos portugueses e caímos, também nós, numa depressão que ainda hoje perdura.
Por entre tudo isto a Igreja Católica comportou-se galhardamente. Passou da ditadura à democracia, do corporativismo ao capitalismo, com uma revolução pelo meio, integrando-se num modelo de estado em mutação, como se nada fosse. Relacionou-se com todos, como quis, sem se hipotecar a ninguém. Consegue hoje a proeza de ter uma base sociológica aparentemente de direita mas ter uma hierarquia aparentemente a exibir posições de esquerda social. Consegue, num tempo de deliquescência de instituições, manter-se como instituição credível e ouvida. E consegue manter a cadeira do Bispo nas cerimónias da democracia!
Então agora é que são tempos de ouro para a Igreja e o Catolicismo triunfantes, certo? Errado, outra vez!
A partir daqui, e para explicar esta guinada oratória, devo avisar que este pequeno ensaio deixa de ser factual e passa a ser meramente opinativo. E as opiniões que transmite tem a distância decorrente do facto de quem as emite limitar a sua relação com a Igreja à frequência dominical da missa e a participação num movimento de leigos fortemente atomizado.
E a minha opinião é a de que nestes últimos 30 anos, com uma suma habilidade, resultante não só das qualidades da hierarquia como também duma experiência acumulada duas vezes milenar, a Igreja Católica portuguesa concentrou a sua melhor atenção em duas entidades:
- o Estado, para melhor a ele se acomodar e evitar repetições de desvarios passados e também, seguramente, para o levar a não descurar a vertente social e sociológica de que se tornou paladina tal como para evitar nele desvios secularizantes ou anti-doutrinais excessivamente óbvios e formais.
- a base sociológica de crentes pré-existente na altura do 25 de Abril, e por cujas necessidades de assistência espiritual e ritual a Igreja tem velado com eficiência satisfatória, mau grado as óbvias dificuldades de recrutamento de novos sacerdotes.
Ora, a minha ideia é que por muito se ter focado nestas duas vertentes, a Igreja, passou ao lado dum fenómeno de grande magnitude cujas consequências estarão ainda para vir, mas que irão alterar completamente a relação da Igreja com o Estado e o posicionamento dos crentes católicos no ambiente sociológico português. Eu não digo que a Igreja não detectou o fenómeno. Detectou-o com certeza, mas o facto é que concentrou os recursos da sua inteligência colectiva na observação, assistência e “acompanhamento” das duas entidades atrás referidas.
O fenómeno de que estou a falar é a drástica evolução, não política, não económica, mas sobretudo sociológica e cultural ocorrida nestes últimos 30 anos, que levou por exemplo a uma profunda descatolicização e crescente agnosticização das novas gerações, o que começa já a ter consequências visíveis. Por ter estado tão atenta à potencial secularização do Estado, a Igreja viu acontecer, com protesto seu mas sem acção consequente, uma profunda secularização do tecido social português. Vemos um Estado ainda reverente (daí a cadeira) mas uma população indiferente. A tal ponto que já hoje e a partir de hoje, ser Igreja e ser católico nesta sociedade portuguesa é e será algo de radicalmente diferente do que foi no passado.
E a ideia que tenho é que muitos católicos leigos já sentem isto diariamente mas a Igreja, essa, enquanto instituição, não estou seguro que tenha percebido plenamente a nossa nova condição minoritária.
Acho que devo talvez explicar um pouco melhor o que entendo ter sido a tal “drástica evolução sociológica e cultural ocorrida nestes últimos 30 anos, que levou a uma profunda descatolicização e crescente agnosticização das novas gerações”. E só depois explicar então a minha visão do que é ser católico hoje e aqui. Não posso também deixar de advertir que não estou minimamente habilitado para escrever o que vem a seguir.
Olhemos pois de novo para estes últimos 30 anos. Não dum ponto de vista histórico ou político mas puramente sociológico. E aí, na minha opinião, aquilo que mais relevante foi acontecendo na cabeça dos portugueses foi a percepção crescente de que, primeiro no domínio político e mais tarde no domínio económico, era finalmente possível andarmos a par com a Europa, entidade mítica para nós desde os tempos do Marquês de Pombal, símbolo de tudo aquilo que sentimos longamente não ter: prosperidade, liberdade, modernidade, numa palavra, civilização.
Consequentemente, duma forma lenta e progressiva, pois tal é o nosso ethos provinciano, o povo português foi-se lentamente despojando daquele código de valores com que, durante longas décadas, foi espartilhado. Esse código, construído todo ele por Salazar, instilado sistematicamente pela máquina que ele criou, era essencialmente um conjunto de valores e noções que aquele homem superior mas pequenino, místico mas céptico, considerou servir melhor o consciente e inconsciente colectivos deste povo que ele desprezava intensamente apesar de talvez o amar como parte de si próprio.
Assim, como nos faltava o espírito industrioso e empreendedor, incensou-se a simplicidade de vida, a pobreza honrada e trabalhadora, o ruralismo bucólico, o aconchego do corporativismo. Como nos faltavam grandezas e feitos que naquele tempo impressionassem o mundo e inchassem o nosso patriotismo, glorificaram-se e mitificaram-se as grandezas e feitos passados. Como nos faltavam figuras figuram públicas de relevo e acção, endeusou-se naturalmente Salazar, ele próprio a Figura salvadora e redentora da Pátria, grande entre os grandes do mundo, mas ao mesmo tempo pequeno e simplório como qualquer um de nós. Como nos faltavam a prosperidade e o conforto material, valorizou-se a ascese e o conforto espiritual. Pressentindo-se a louca e perigosa deriva mundial para o choque entre blocos, invocou-se a protecção da Virgem para este reguengo amável e temente a Deus. E valorizaram-se o Estado, a Empresa, a Família, como entidades protectoras do indivíduo, cada qual na sua instância. Noutro domínio, a tristeza melancólica que nos sobra foi poetizada e musicada. E a irrelevância que pressentíamos ter era às vezes disfarçada pelo Benfica e pelo hóquei em patins. Enfim, éramos o país e povo dos três F´s: Fátima, fado e futebol. E assim se poderá talvez resumir o universo moral do povo português até há coisa de 30 anos. Universo em que o catolicismo ou pelo menos uma forma dele foi a roupagem espiritual de quase todos nós.
Mas isto pertence definitivamente ao passado. Esse código de valores evaporou-se, primeiro superficialmente, depois mais profundamente. E novos valores surgiram. De onde? Não das profundezas da nossa identidade colectiva mas, mais prosaicamente, do estrangeiro. Claro que as elites cultas já há muito vinham bebendo o caldo cultural francês: a literatura, o existencialismo, o cinema e toda essa parafernália. Mas após o 25 de Abril alargou-se a oferta e aumentou imensamente a procura.
Primeiro foi toda aquela ideologia e cultura revolucionárias vindas sobretudo da América Latina e mais circunscritamente dos países do Leste e que varreu toda aquela mítica da pobreza honrada e do trabalho sacrificial e santificador. Ao mesmo tempo, a descolonização possível levou-nos a ter de varrer para debaixo do tapete as recordações incómodas dum império anacrónico. Depois a Europa connosco e novamente a american way of life, levaram a classe média a sonhar com uma vida totalmente diversa da que lhe propôs o “António das Botas” e diversa também daquela que fora ameaçada pelos barbudos da Quinta Divisão. Por uma vez pareceu que querer uma vida material melhor já não era nem pecado nem crime contra o povo. Mais tarde veio a Gabriela e o Brasil pela televisão, e os seus encantos perturbantes entraram-nos pela sala dentro. O país boquiaberto olhou para os cafunés da dita com seu Nacib e para o Bataclan como coisa nunca vista, pelo menos em família. E aí, muito mais do que com a liberalização da pornografia, começou a ruir lenta mas irremediavelmente o luso puritanismo sexual que se sustentava sobretudo numa espessa e ingénua ignorância. Esquecia-me do divórcio, uma conquista de Abril merecedora duma emenda na Concordata. Primeiro lentamente mas com aceleração constante os problemas do casamento passaram a ser reconhecidos como uma realidade solucionável pela resolução do mesmo. A igualdade dos sexos foi finalmente reconhecida, sobretudo nos efeitos tidos por convenientes. A mulher casada passou a trabalhar e, mais ainda, a ter de trabalhar. O modelo de família alterou-se profundamente. A relação pais-filhos tornou-se em algo movediço com terras de ninguém e campos minados. O sistema educativo mudou, mudou, mudou e tornou a mudar. Continua sistema mas não sei se educativo. Mais tarde, já na CEE, a política agrícola comum deu o tiro de misericórdia no ruralismo bucólico que restava e o país tornou-se urbano, ou melhor, suburbano. A música também mudou. Depois do apogeu da música de intervenção, vista no fundo como mais chata ainda que o fado e o nacional-cançonetismo de antanho, veio o rock português e também a música que mais tarde ficou pimba. Ainda no domínio lúdico, apareceu o Herman e o seu humor iconoclasta. Vieram as novelas brasileiras e depois as portuguesas, que fixaram novos arquétipos nos relacionamentos familiares, afectivos, sociais, profissionais. Vieram as TV´s privadas e o tabloidismo dos media e a ânsia geral pelos 15 minutos de fama apagou o nosso secular recato. E com os anos de ouro do cavaquismo e guterrismo, chegou um novo Deus, o consumismo, que passou a ser possível, mais do que isso, socialmente bem visto, praticamente obrigatório. Mas, que diabo, pelo menos um século de pobreza franciscana ajudam a compreender a sofreguidão com que mergulhámos na aparência de uma abundância para quase todos...
Mas paro por aqui antes que se zanguem comigo ou apareça um sociólogo encartado a demolir estas inanes recordações. Aliás, quem quiser recordar e aprofundar esta revolução cultural à portuguesa relembro e recomendo as saudosas e míticas crónicas do Miguel Esteves Cardoso, felizmente publicadas em vários livros.
Regresso portanto ao meu ponto. E o meu ponto é que há 30 anos o consciente e inconsciente colectivos do povo português saíram abruptamente da pasmaceira em que estiveram amodorrados e foram submetidos desde então a uma irradiação maciça de estímulos, nos mais diversos campos, e que nos mudaram a nós de cima a baixo.
Ora, nesse turbilhão de novos estímulos que atroou pelas nossas cabeças, o que de relevante e novo surgiu em termos da nossa religiosidade nacional, a católica? Penso que muito pouco. A Igreja, como já disse, continuou coesa e influente, mas isso a nível da instituição, da hierarquia, porque a nível dos crentes manteve-se o nosso profundo silêncio e iniciou-se uma erosão notória e contínua, factores que fizeram reduzir sensivelmente a influência social do catolicismo.
Agora que pus aqui a minha visão sobre as profundas alterações ocorridas desde há 30 anos no código de valores do povo português e também no seu inconsciente colectivo, é bom dizer que a ela, pela minha idade, falta certamente distanciamento. Ao fim e ao cabo, tinha eu 10 anos em 74 pelo que todo este mundo novo entrou em mim como em terreno virgem. Mas como será que a Igreja Católica, enquanto instituição pensante, viu e vê toda esta mudança que ocorreu? É uma pergunta a que, por falta de fontes bem colocadas, só posso responder especulando. E é isso que vou fazer, se mo permitem.
Já aqui disse que o 25 de Abril encontrou a Igreja bem preparada para ele. A inteligência moderada do Cardeal D.António fez escola e a Igreja navegou à vista para junto de um estado e uma sociedade mais modernos. Nessa navegação esteve sobretudo atenta a um possível Adamastor: o regresso aos tempos violentamente anti-clericais da I República em que ela se viu perseguida, espoliada e quase impedida de exercer o seu ministério. Foi sobretudo a repetição de tudo isso que quis evitar e para tal geriu com mestria o seu relacionamento com o poder. Já quanto ao seu relacionamente com os fiéis, a Igreja quis sem dúvida prestar os serviços mínimos, mas tal como não quis dar muito nas vistas enquanto instituição também não o quis enquanto corpo social, enquanto comunidade de crentes. Viveram-se tempos estranhos e mal compreendidos e quiseram-se evitar manifestações de religiosidade exarcebada com medo de destoar negativamente e provocar reacções difíceis de controlar. Houve sempre Fátima, algumas visitas papais, as campanhas anti-aborto, mas tirando isso, as manifestações de religiosidade católica primaram por uma discrição prudente.
E digo prudente porque é minha convicção profunda que a Igreja durante pelo menos 20 destes 30 anos olhou para as transformações da sociedade com muita atenção e receio mas com pouca vontade de as compreender. É preciso ter em conta que a crise das vocações vinha já bastante de trás, penso que desde o apogeu da guerra colonial que arrastou tantos jovens para longe, devolvendo-os à Patria diferentes do que eram quando partiram. Essa crise de vocações levou a um envelhecimento do clero que se hoje ainda é grave, já há 30 anos era crítico. E esse envelhecimento, aliado a uma perspectiva geneticamente conservadora, levou à tal prudência e incompreensão perante o que se estava a passar.
São pois a prudência excessiva e falta de vontade de toda uma geração do clero em compreender o que ia na cabeça das gentes, as únicas razões que me permitem explicar um certo abandono a que os fiéis, os novos fiéis sobretudo, foram votados pela Igreja.
Digo abandono, sim senhor. Pois o facto, a meu ver inequívoco, é que pelo menos durante duas décadas a Igreja Católica mantêve-se do lado de lá do altar, a ministrar os sacramentos, a confortar os fiéis pela continuidade da sua presença, a satisfazê-los pela continuidade da sua influência, mas abdicou de fazer uma coisa aparentemente simples: conversar connosco, saber o que pensávamos, conhecer tudo aquilo que perturbava a nossa Fé. Para ser inteiramente justo, devo dizer que esta atitude vinha de trás, de tempos onde tais coisas não eram vistas como necessárias. Mas o facto é que de repente, tudo mudou e essas coisas passaram a sê-lo e muito. Uma vez mais o facto de se ter um clero envelhecido em muito contribuiu para esta carência que se sentiu e que deixou consequências profundas. Devo também dizer que a culpa não deve ser toda assacada à Igreja: nós, comunidade de fiéis, aceitámos em silêncio o silêncio da Igreja. Talvez por andarmos distraídos com outras coisas mas também por aquele antigo atavismo católico que espera que a Santa Madre Igreja pense e supra as nossas necessidades espirituais. Um dia temos de mudar isso...
Mas sejamos concretos.
A catequização (coisa essencial para uma Fé pois como acreditar no que não se conhece?) andou largos anos desaparecida. A Igreja ainda se fiou, por demasiado tempo, na Religião e Moral das escolas, que não podia ser nem devia ser nem foi catequese coisíssima nenhuma. Nas paróquias (disso lembro-me eu bem) os catequistas faltaram e muito e os que havia eram normalmente boas almas a precisar de reciclagem ou também, eles próprios, de catequese! E, por outro lado, com a suburbanização das cidades, as paróquias existentes esvaziaram-se de pessoas e as novas levaram eternidades a serem formadas e a ganharem vida de comunidade. Este católico que vos escreve fez a 1ªcomunhão (ainda no marcelismo) mas não chegou ao crisma por falta de catequese que me atraísse em vez do contrário...
Passemos agora aos movimentos de leigos, pois também nós somos Igreja. Também aí, durante os tais vinte e tal anos, andámos um bocado por vielas escuras: tirando vetustas irmandades que usam opa e desfilam em procissões, pouco mais houve de relevante e socialmente visível durante anos a fio.
Quanto à administração dos sacramentos, sobretudo o baptismo e o matrimónio, talvez com a intenção de não impôr, não afastar, não melindrar uma sociedade que não se compreendia bem, o facto é que (e isto é uma impressão baseada naquilo que me é próximo) durante largos anos esses sacramentos foram mais celebrações rituais do que oportunidades de evangelização e catequização dos fiéis. Nestas décadas mais recentes tanta gente pôde casar-se sem perceber e sem se compromenter com aquilo que é sagrado no matrimónio, tanta gente pôde baptizar os seus filhos sem sentir a mínima obrigação moral em os educar na fé... Está também aí uma das razões pela qual em tantas e tantas famílias formalmente católicas, o sentido do religioso ter sido completamente varrido da vivência e da consciência familiares. Se olharmos para a geração dos que tem hoje entre 15 a 30 anos de idade e verificarmos o espectacular e generalizado alheamento da Fé e da Igreja não devemos ficar minimamente surpreendidos. Tenho pois para mim que uma geração de casais abandonados pela Igreja e tornados católicos não praticantes gerou uma geração praticamente inteira de jovens intrinsecamente agnósticos.
Olhemos agora de novo para o clero. A falta de vocações pré-existente ao 25 de Abril e consequente falta de renovação do mesmo, provocou uma desmotivante estagnação ao nível da liturgia, ao nível da linguagem e ao nível da intervenção na sociedade. Recordo missas nos anos 80, na minha paróquia de sempre, missas deprimentes em que a talha dourada da igreja acentuava o ambiente funerário da liturgia. E as homilias, dessas melhor é nem falar. Perdi aí a minha fé que perdida andou durante uns 10 anos.
A propósito de homilias chegamos à questão da linguagem da Igreja. E novamente aí temos que, pelo menos durante os primeiros 20 anos da democracia, a linguagem católica não evoluiu com os novos tempos. Repare-se que não estou a falar do conteúdo, estou a falar da forma e do tom do discurso da Igreja. Esteve longos anos cristalizado. Muitos católicos deixaram de o compreender e de se identificar com ele.
Parece-me que vou ficar por aqui. Esta é a minha visão pela qual no período de que falei a Igreja Católica em Portugal foi perdendo os fiéis e estes foram perdendo a Igreja e ambos foram perdendo a espiritualidade, o espírito de comunidade e o espírito de solidariedade que são pilares fundamentais do acreditar em Cristo e viver em Seu nome, isto é, do ser-se Cristão e Católico.
Contudo, a partir de determinada altura as coisas começaram a mudar. Recordo-me da pedrada no charco que foi o bispo D.Manuel Martins em Setúbal no princípio dos anos 90: a Igreja tinha novamente intervenção social e do lado dos pobres! Recordo da surpresa que foi o novo cardeal D.José Policarpo: dele vinha uma nova linguagem que já era entendível aos nossos ouvidos. Dele vinha um novo interesse pela catequese dos fiéis, pela reevangelização da sociedade. E sentiu-se a partir daí uma nova espiritualidade na Igreja. Começaram a aparecer padres novos (ou nem tanto) que falavam coisas que entendíamos e precisávamos de ouvir. Cito alguns, de memória e que eu conheço, dos mais diversos géneros e tendências mas que renovaram a linguagem católica e lhe trouxeram de novo a autoridade intelectual e espiritual que andavam escondidas: o padre Resina, o frei Bento Domingues, o padre Janela, o frei Bernardo (no Porto), o padre João Sabra, o padre Stilwell, o padre José Manuel Pereira de Almeida, o bispo D.Januário, o padre Francisco (da Serafina), o padre Tolentino (um dos novíssimos), o padre Pinto de Magalhães, etc., etc.
E os movimentos de leigos reanimaram-se, sobretudo, a partir dos anos 90: a MCE, as ENS, o CVX, a C&L, etc. Passou a haver uma nova atenção aos jovens, aos casais, aos trabalhadores, aos sem-abrigo. O Banco Alimentar do Padre Vaz Pinto foi uma manifestação mediaticamente visível da solidariedade católica organizada.
Eu diria também que a Igreja a certa altura abandonou a ideia de se apoiar na sua base sociológico-política de sempre e abriu-se e virou-se para outras sensibilidades. E isso foi bom para evitar tentações de elitismo. Daí que neste momento eu sinta genuinamente haver uma recuperação de algumas coisas essenciais: a comunhão entre a Igreja e os leigos, a abertura à sociedade no seu todo e duma forma transversal, a renovação da linguagem católica, o ressurgimento duma espiritualidade mais genuína. Sinto também que a arrogância da instituição perante os próprios crentes e as outras confissões tem vindo a ser substituída por uma atitude de respeito pela individualidade e desejo de procura dum caminho em comum. E sinto outra coisa: hoje que somos notoria e reconhecidamente minoritários na sociedade portuguesa, a afirmação pessoal de catolicismo já não provoca aquele sentimento, em nós próprios e nos outros, de se ser uma avis rara. Raros continuamos talvez a ser, mas talvez não tão avis assim!
Tudo isto atrás escrito são ideias e impressões de um leigo católico que pouco mais faz do que ir à missa e ter um blogue. E que anda um bocado mais optimista com tudo isto.
Mas atenção, ainda há coisas esdrúxulas! Por exemplo, tudo o que se passou à volta da nova Concordata, deixou-me a sombra dum incómodo e duma perplexidade. E agora, neste mês de Maria do ano de 2006, parece que na Igreja, ainda há quem se preocupe activamente em manter a cadeira do bispo no palanque constitucional...

segunda-feira, maio 15, 2006

Do baú 

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se o orgulho habitar em mim serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se o orgulho habitar em mim nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se o orgulho habitar em mim nada disso me aproveitará.
O orgulho é paciente, é insidioso e maligno. O orgulho arde sem doer, por tudo se ufana, por tudo se ensoberbece. O orgulho só conduz a si mesmo, só procura os seus interesses, não se exaspera mas espera. O orgulho não se ressente nem do mal nem do bem, não se alegra com a injustiça nem com a justiça. O orgulho regozija-se com a verdade e, mais ainda, com a mentira. Em nome do orgulho tudo se sofre, em tudo se crê, tudo se espera, tudo se suporta.
Ainda que em nós permaneçam a Fé, a Esperança e o Amor, sendo que o Amor é o maior destes três, todos eles, mesmo o Amor, podem soçobrar pelo peso do Orgulho, que de tudo se alimenta e que a todos nós alimenta, podendo assim encher o nosso coração, esvaziando-o de tudo o resto. E assim sendo, no fim de tudo, depois de tudo ter sido apagado pela força do Orgulho, é ele que permanece em nós, no vazio imenso em que nos tornámos.

quarta-feira, abril 26, 2006

Verdi cries 

The man in 119
takes is tea all alone.
Mornings we all rise
to wireless Verdi cries.
I’m hearing opera
through the door.
The souls of men and women
impassioned all.
Their voices climb and fall,
battle trumpets call.
I fill the bath
and climb inside,
singing.

He will not touch their pastry
but everyday they bring him more.
Gold from the breakfast tray,
I steal them all away
and then go eat them
on the shore.

I draw a jackal-headed
woman in the sand,
sign of lover’s fate
sealed by jealous hate
then wash my hands in the sea.
With just three days more
I’d have just about learned
the entire score
to Aida.

Holidays must end,
as you know.
All is memory
taken home with me:
the opera,
the stolen tea,
the sand drawing,
the verging sea,
all years ago.

10.000 maniacs, vinil riscado, só ouvindo se percebe

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

as minhas manias e outros desastres afins 

Estou quase de regresso mas não ainda. In between, para desenferrujar o dashboard do blogger, sobretudo para responder ao David Bengelsdorff, vou então desfiar aqui o triste e estafado rol das minhas manias, ou melhor, apenas do seu top 5:

  1. a mania de que eu sou o meu próprio Prozac. O resultado é o esperado: estou adicto...
  2. a mania do meio-termo, do justo equilíbrio, da contenção. Resultados: são vários mas entre eles avulta uma colite nervosa.
  3. a mania de ser frugal. Acompanhada infelizmente por um enorme orgulho desse facto.
  4. a mania de que, ao fim e ao cabo, no fundo, no fundo, no fim da coisa, eu é que sei. Resultados: escoriações de várias ordens e tipos.
  5. esta já devem ter dado por ela, a mania de que ainda não disse tudo, qual uma espécie de Achille Talon. Resultados: à vista

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